capítulo nove
— Você está questionando a minha autoridade, moleque? — O policial levantou a voz. — Se não tem nada a esconder, não me precisa ter medo de me passar os seus documentos.
— Acontece que eu estou questionando, sim — Davi deu um passo a frente. — Por que só eu tenho que mostrar meus documento? Essa festa estava cheia de gente, você deixou a menina ir sem nem perguntar o nome dela. Por que eu tenho que prestar contas?
Enquanto crescia no Bairro, Davi aprendeu a respeitar os policiais. Eles não entram no Bairro para proteger, mas para procurar culpados. E para matar. Passeiam pelas ruas com seus carros blindados e fuzis para fora, um lembrete silencioso de que a sua vida sempre está por um fio. Basta um movimento de dedo e um boletim de ocorrências alegando bala perdida ou legítima defesa.
Por outro lado, Davi também aprendeu a não mostrar medo na frente deles. Desde os seus doze anos de idade, ele é parado e revistado. Tem a sua mochila revirada, seu corpo apalpado e a sua dignidade esquecida. Pedem a nota fiscal da bicicleta e do celular velho, como se alguém andasse por aí com nota fiscal de celular. Lançam olhares julgadores e palavras duras. Se você demonstra medo nessas horas, é o fim. Eles desconfiam que está escondendo algo e tudo piora. Por isso, a postura corajosa é necessária.
— Vamos ver se você continua cheio de gracinha assim se explicando na delegacia — o policial disse. — Podem levar esse daqui!
Dois deles se aproximam e sacam a algema do cinto. Davi não deu um único passo para trás e estendeu os braços para que não tenham uma desculpa para usar a força física.
— NÃO! Por favor! — Uma voz gritou do lado de fora do quarto.
Cecilia atravessou a porta ofegante. Ficou alguns minutos no andar de baixo esperando Davi descer e, quando isso não aconteceu, presumiu que algo estava errado.
Ela se pôs corajosamente entre Davi e aqueles que iriam o prender.
— Nós não podemos resolver isso de outra forma? — Perguntou lançando um sorriso nervoso.
— Merda! — Juliana exclamou quando o terceiro motorista cancelou a corrida. — Por que é tão difícil chamar Uber aqui?
Maria checou as horas na tela do seu celular:
— Está tarde — disse. — Estou com medo, aqui parece perigoso...
— Relaxa, Maria — Juliana respondeu. — Olha em volta!
A rua estava com cerca de trinta adolescentes remanescentes da festa que tentavam chamar o Uber ou ligando para os seus pais irem buscá-los. Alguns apenas assumiram que a festa poderia continuar na rua e estavam bebendo e conversando despreocupadamente.
— Nenhum assaltante consegue roubar tudo isso de gente ao mesmo tempo — Juliana sentenciou. — Como você não está tremendo? Eu estou morrendo de frio!
Assim que terminou a frase, o frio cessou. Uma jaqueta quentinha surgiu do nada e cobriu os seus ombros. Foi assustadoramente aconchegante. Allan aparece no seu campo de visão com uma camiseta fina de manga curta:
— Melhor assim? — Perguntou.
— Ér... sim. Obrigada... Você não está com frio?
— Eu estou bem! Pode me devolver a jaqueta amanhã.
— Ok...
Um silêncio constrangedor se instaurou entre os dois. Juliana não sabia como dispensá-lo sem parecer mal-educada.
— Sabe, tem uma coisa que eu queria falar contigo mesmo — Allan disse. — Se eu não estiver incomodando, é claro.
— Relaxa, migo. Pode falar.
Allan dá um passo à frente e age rápido demais. Antes que ela pudesse esboçar qualquer reação, os seus lábios estavam encostados e o cheiro do álcool impregnava os seus pulmões.
— QUE PORRA É ESSA?
Um empurrão não foi forte o suficiente para afastar de vez o menino que parecia feliz com o que acabara de fazer:
— Ah, vai me dizer que você não gostou?
— NÃO! Não gostei! — Tirou a jaqueta dos ombros e jogou no chão. — Toma de volta! Eu não preciso dessa porcaria!
— Ah, para de fazer draminha. — Juliana não sabia se o garoto era mais forte do que aparentava ou o medo a tornava mais fraca, mas era impossível se livrar das mãos do garoto que apertavam os seus braços. — Eu sei que você vai acabar gostando!
— Para com isso ou eu vou gritar!
— Você já está gritando, gatinha. E ninguém está ouvindo.
***
— Então... colegas. Posso chamar vocês de colegas? — Nenhum dos policiais respondey a pergunta da Cecilia. — Davi estava comigo o tempo todo e não fez nada de errado. Ele estuda comigo lá no Rubens Paiva, é um garoto do bem.
— O tal garoto do bem está praticando desacato a autoridade — respondeu o que segurava a algema. — E se você não sair da frente, serão dois.
Cecilia ergueu os dois braços tentando manter uma distância segura entre ela e os policiais.
— Eu entendo que esse é o trabalho de vocês — forçou um sorriso para parecer cordial. — Mas vocês entendem o questionamento do Davi, né? Vocês realmente não pediram os meus documentos!
— Estou ficando de saco cheio desses dois! — Um deles gritou colocando a mão sobre a arma no coldre.
Cecilia deixou escapar um gritinho de medo.
— Cecilia, você não precisa fazer isso — Davi cochichou para ela. — Pode ir embora, eu sei me virar.
— Se pudesse se virar sozinho aquele cara não estaria com a mão no revólver.
— Então é isso — o policial chefe disse. — Pode levar os dois para a delegacia.
No momento em que se precipitam para cima dos jovens, Cecilia se recolhe e adota uma postura ereta, com os olhos em semi-fechados como uma fenda ameaçadora:
— Já chega! Sinceramente, eu não queria fazer isso, mas vocês não me deram outra escolha. Se vocês seguirem isso eu vou contar para o meu pai que vocês foram racistas com esse garoto e a vida de vocês vai acabar com isso! Eu sou Cecilia Erbolave e, vocês sabem que estão mexendo com a pessoa errada!
***
A marca dos dedos de Allan nos braços de Juliana ainda ficariam por muitos dias depois daquela noite. O garoto conseguiu roubar outros beijos com cheiro de álcool mesmo com ela tentando se esquivar e fugir desesperadamente.
A tortura só acabou quando um punho fechado desceu velozmente até o queixo de Allan, o presenteado com uma dor que nunca sentira antes.
Antes que pudesse recuperar o equilíbrio e identificar o autor do golpe, Allan foi levantado pela camisa até a altura dos olhos de Gabriel, que espumava como um cão raivoso.
— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?
Allan mal conseguiu entender o que acabara de acontecer. Maria, assustada com a situação, saiu correndo em busca da primeira pessoa que passou pela sua cabeça. Encontrou Gabriel e explicou esbaforida o que estava acontecendo.
— Gabriel? — Allan não conseguia entender.
Outro soco. No olho esquerdo. Um lugar onde o roxo não poderia ser escondido pelas próximas semanas de aula.
— Nunca mais chegue PERTO dos meus amigos, entendeu?
Assim que Gabriel soltou a camisa, Allan foi direto para o chão.
— Seus AMIGOS? — Perguntou sem nem ao menos tentar se levantar. — E eu? Eu não sou o seu amigo desde criança?
— Não. — Gabriel respondeu. — Tenho novos amigos agora.
Virou-se para Juliana e Maria, respirou fundo e soltou o segredo que nunca deveria ter guardado:
— ELE é o responsável pela demissão da Milena! Inventou a tal doutrinação comunista para se vingar da Milena por não querer ficar com ele.
***
Davi gelou da cabeça aos pés. Ele sabia que oficiais da justiça tinham os seus limites e que provavelmente Cecilia foi com os dois pés na porta contra todos eles. Que tipo de pai teria autoridade o suficiente para causar tanta autoconfiança?
— Entenderam? — Até a sua postura ficou mais ereta, parecia mais alta. — Todo mundo tem escolhas na vida e as de vocês é ir embora como se nada tivesse acontecido ou enfrentar as consequências. Decidam agora.
O policial chefe deixou escapar um risinho sarcástico como se não acreditasse na audácia daquele adolescente. Davi percebeu que os três trocaram olhares silenciosos e rápidos.
— Não ganhamos o suficiente para isso — finalmente diz. — Crimes de verdade estão acontecendo por aí. Vamos embora, cara.
E os três se retiraram lançando um último olhar furioso para Davi. Apenas para Davi.
***
— Você mexeu com as pessoas erradas — Juliana disse para um Allan assustado demais para se levantar do chão. — Cara... você mexeu com as pessoas erradas. Nós vamos provar que você mentiu. Não sei como, mas vamos. E depois vamos atrás de você para te fazer se arrepender do dia em que resolveu destruir a vida de alguém legal só porque descobriu que o mundo não gira em volta da sua bunda.
***
Cecilia e Davi caminharam pelas ruas escuras e vazias da cidade sentindo a adrenalina em seus corpos diminuindo aos poucos. Não conversaram sobre o que acabara de acontecer, preferiram focar em outros assuntos. Só quando estavam para se despedir que Davi exibiu a sua curiosidade:
— Muito obrigado por voltar por mim e me ajudar com o probleminha. Mas quem é o seu pai? Quem é tão poderoso a ponto de botar medo naqueles três?
Cecilia riu.
— Meu pai é contador, Davi. Não é ninguém. Mas esse é um truque que uso quando necessário. Se falo com convicção, as pessoas acreditam que o meu pai pode ser uma pessoa importante e perigosa.
Isso que é privilégio branco.
— Uau! Isso nunca daria certo comigo!
— Bom, gatão. A sua sorte é que deu certo comigo. Nos vemos na escola, na segunda.
Cecilia deu um passo a frente e beijou Davi. O sabor dos lábios somado ao seu perfume proporcionou uma experiência intoxicante.
— Isso é para compensar todo estresse que você passou hoje — ela disse. — Você mereceu.
Davi não teve certeza se merecia, mas aceitou o presente. Assistiu Cecilia se afastando por longos minutos. Estava tão distraído que demorou para lembrar que estava longe de casa e que o próximo ônibus demoraria umas quatro horas para passar.
***
Eu escrevo de graça para você, mas considero que os votos e comentários são o meu pagamento. Eles ajudam a aumentar a visibilidade da história dentro do Wattpad. Se você gostou do capítulo, por favor, deixe um voto e comentário.
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Nota do Sali
Olá, pessoal. Tudo bom?
Gostaram do capítulo? Assim demos fim a saga da festa que durou vários capítulos! hahaha. Agora a história vai caminhar para lados que vocês não perdem por esperar!
Quem me segue no Instagram sabe que estou indo MUITO a eventos de lançamentos de livros. Vários amigos meus estão com livros novos na praça porque 2019 vai ficar marcado como o ano em que as editoras mais apostaram em autores nacionais. Isso me deixa muito feliz!
Mas nada disso vai continuar se os leitores não comparem os livros. Por isso, te convido a conhecer ao menos dois novos autores nacionais em agosto. Passa no meu instagram que você vai ver. Tem livro novo do Felipe Castilho, Babi Dewet, Clara Savelli, Clara Alves e mais um montão de gente.
Nos vemos no próximo capítulo!
Leia livros e seja gentil com as pessoas.
Felipe Sali
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Melhor resposta
Todo capítulo estou fazendo uma pergunta e o leitor que der a melhor resposta aparece no capítulo seguinte. Essa foi a resposta ganhadora para a pergunta: "Qual é a sua interpretação para o título do capítulo oito?".
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Pergunta do capítulo
Qual frase minha ou de um livro meu você acha que ficaria MASSA numa camiseta?
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