capítulo dezenove
Nos últimos capítulos de O Clube dos Jovens Quebrados
Maria está namorando o misterioso Damien e os seus amigos não aprovam a ideia. Gabriel disse que viu, de relance, por acidente, um altar na casa de Damien cheio de fotos da Maria. Aquilo era assustador, Juliana tentou alertá-la, mas Maria se recusou a acreditar. Mas, para tirar tudo a limpo, a garota chamou o seu namorado e o fez levá-la até a sua casa, onde poderia ver a verdade com os seus próprios olhos.
Olá, leitor.
O Clube dos Jovens Quebrados é uma história sobre pessoas que não sabem quem são. Se você olhar bem de perto, vai notar que todos os personagens desta história estão procurando um espelho imaginário onde poderão, enfim, enxergar o próprio reflexo. Uma jornada que todos nós deveríamos ter um dia. Afinal, o risco de não saber o suficiente sobre você é permitir que outra pessoa decida isso.
Maria não falou uma única palavra dentro do carro ao lado de Damien. Ela sentia que o seu namorado estava tão tenso quanto ela, mas desconfiava de que isso poderia ser só a sua imaginação trabalhando. Como sempre.
No fundo, o que ela sentia era alívio. Quando as acusações dos seus amigos eram difusas, ficava difícil defender Damien. A situação mudou de cor quando Gabriel falou sobre o tal altar com centenas de fotos dela. Agora, existe uma coisa física, palpável, que pode encerrar o assunto. Se o altar for real, ele é culpado. Se não for, ele é inocente. Simples.
Chegaram. O prédio era simples, mas não o suficiente para um adolescente bancar por conta própria. Maria lembrava bem de Damien dizendo não morava com os pais.
Damien estacionou o carro e respirou fundo:
— Você vai me dizer porque está fazendo isso?
— Não, apenas confie em mim.
— E você sabe o que está fazendo? Não parece muito.
— Apenas confie em mim — repetiu.
Eles subiram a escada em silêncio. Cruzaram o corredor e Damien tirou as chaves do bolso. Maria estava com a respiração presa. O rapaz colocou a chave na fechadura, mas não girou. Permaneceu parado.
— O que aconteceu? —Maria perguntou.
— Mudei de ideia — Damien tirou a chave e a porta permaneceu trancada. — Eu não quero que você entre na minha casa.
— Você está brincando comigo?
— Não estou, espero que você entenda. Existem coisas sobre mim que você ainda não sabe.
— Então me conta!
— Eu não quero! Ok? Eu não sou obrigado a dividir tudo com você. Vamos deixar isso para lá. Eu vou te deixar na sua casa.
— Damien, o que você está escondendo de mim?
— Não estou escondendo nada! Eu só...
Damien não terminou a frase. Maria roubou a chave da sua mão e abriu a porta antes que ele pudesse reagir. Empurrou com o ombro colocando tanta força que quase tropeçou nos próprios pés e caiu no tapete da sala. Ela não aguentaria voltar para casa sem saber a verdade.
Olhou a sua volta. Deu dois passos à frente. Acendeu as luzes. Era possível sentir Damien a encarando pelas costas. Ela chegou mais perto da parede, passou os dedos pelas fotos. Sentiu a textura dos papéis.
Reconheceu os seus olhos nas centenas de fotos que cobriam a parede do chão até o teto. Também reconheceu o sorriso, o cabelo, as mãos e até a altura. Mas não se reconheceu. O sorriso era igual, exceto um detalhe. Os olhos eram os mesmos, mas um pouquinho maiores. O cabelo era idêntico, só que dois dedos mais curto. Dezenas de pequenos detalhes indicavam que a meninas das fotos poderia ser ela, mas não era.
Era fácil entender porque Gabriel enxergou a Maria. De relance, era impossível diferenciar as duas. A própria Maria ficou confusa por alguns segundos.
Damien se colocou ao lado dela, que precisou se esforçar dez vezes mais do que o normal para elaborar uma simples fase.
— Quem é ela? — Perguntou.
— Alguém que não existe mais — respondeu.
— Ela parece comigo... — Maria não conseguia desviar o olhar das fotos que a hipnotizava. — Como um clone.
— Quando nos conhecemos naquela festa, eu perguntei se vocês eram parentes.
"Você é parente da Letícia Coin?", Maria lembrava bem de ouvir.
— Ela sabe disso?
— Ela está morta, Maria.
Ela não tinha coragem de olhar para qualquer lugar além da fotos, mas podia dizer que Damien estava chorando. Ele continuou falando:
— Nos conhecemos quando eu tinha nove e ela oito anos de idade. Naquela época falamos que éramos namorados, sem nem saber o que isso significa. Mas nunca paramos. Com doze, demos o primeiro beijo. Com treze, sabíamos que passaríamos o resto da vida juntos. Ela foi a única pessoa que beijei além de você.
Maria encarou a boca da Letícia. Os seus lábios eram idênticos. Ele beijou uma única boca a vida inteira. Damien continuou falando.
— Ela ficou doente. Muito doente. O médico falou em imunidade baixa, mas nunca dizia quando ela voltaria a ficar boa. Eu aprendi a dormir sentado de tanto que fiquei na cadeira ao lado da sua cama do hospital. Até hoje, eu só consigo dormir sentado. Um dia ela teve alta. Assim como a sua mãe, a da Letícia a proibiu de sair de casa. A mãe dela dizia que Letícia ainda estava fraca demais para sair. Mas nós passamos três meses sem ver a luz do sol e eu estava ansioso demais, otimista demais.
Maria ouvia a história quieta. A Letícia jogando tênis. A Letícia abraçando um cachorro peludo. A Letícia na Disney. A Letícia brincando com Damien. Ele continuou.
— Fui eu, Maria. Eu a convenci a sair para visitar o parque. Ela parecia feliz. Ela estava rindo quando caiu no chão. Nunca vou esquecer, eu sou a única pessoa que testemunhou aquilo. Pareceu um brinquedo com a bateria fraca. A pilha acabou. Ela só caiu e nunca mais levantou. Eu tenho sonhos em que revivo aquele momento um milhão de vezes e consigo enxergar a alma deixando o seu corpo.
A Letícia tomando milk-shake. A Letícia de biquíni. A Letícia no Natal.
— A mãe dela disse que é culpa minha e está certa — Damien não tentou esconder as lágrimas. — Ela está morta e a culpa é minha. Um dia você me perguntou porque eu gosto de bater carros. Eu não gosto, mas também não me importo. Cada dia em que eu passo vivo e ela não, me sinto mais culpado. Cada dia machuca como se fosse o primeiro.
— É por isso que você está comigo? — Maria tremia da cabeça aos pés. — Para lembrar dela?
— É claro que não, Maria.
— Pelo amor de Deus, para de mentir por um dia sequer! Você está me usando para carregar a sua culpa e... Eu não sou a Letícia, eu sou outra pessoa! Meu nome é Maria, Ma-ria, e ninguém nunca me nota e eu tinha certeza de que você foi o primeiro. Mas eu estava errada. Você não passou um único dia comigo. Você me usou para lembrar dela. Você me beijou pensando nela. Você me fez acreditar que eu era especial quando a única pessoa especial no mundo é a Letícia.
Damien estava assustado. Frágil, pela primeira vez.
— Nunca mais olhe na minha cara — Maria disse. — E se olhar, tenha a decência de me considerar uma pessoa de verdade.
E saiu. Desceu as escadas tropeçando nos próprios pés. Deixou Damien e um milhão de Letícias para atrás. Sozinhos.
***
Meses atrás
— Maria, eu nunca vou te obrigar a fazer nada — Damien aumentou a voz para ser ouvido por cima do barulho do motor. — Mas não finja que você não quer vir comigo. Pare de mentir para si mesma!
— Você não me conhece, Damien...
— Para ser sincero, sinto que te conheço há anos!
Ela sorriu.
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