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Prólogo: Lacrimosa

Lacrimosa

Lacrimosa dies illa qua 

Resurget ex favilla Judicandus homo reus

♦ "Lacrimosa" de Mozart

Richmond, Virginia — 9 de Outubro de 1849

O CÉU ACINZENTADO combinava com o fim de tarde úmido. Poucas pessoas caminhavam pela rua, onde uma fina camada brumosa camuflava os sapatos alheios. De um lado da rua, amontoados de raízes, galhos e troncos alvacentos das árvores desnudadas pelo outono. O cenário gris possuía uma melodia própria, composta pelo farfalhar das folhas ante o sopro do vento. Na calçada oposta, uma casa de dois andares cuja madeira que a revestia apresentava claros sinais de desleixo. De dentro dela, uma figura soturna observava a rua pela fresta da cortina com um olhar semicerrado.

Os transeuntes que voltassem sua atenção ao segundo andar da residência, enxergariam apenas um espectro esquálido que arrastava suas correntes pelos corredores frios para perturbar a ordem e causar medo nos moradores. Jacob Sanderson há muito não era mais o homem charmoso e de boa aparência. Os cabelos desgrenhados e barba por fazer acentuavam o semblante melancólico. A pele macilenta afundava ao redor dos olhos e a bochecha descarnada lhe conferia uma imagem esquelética, diferente da robustez que sempre apresentara.

As chamas da lareira dançavam em ritmo calmo, imprimindo sombras fantasmagóricas ao cômodo abafado. Elas realçavam a magreza da mulher deitada na cama, delirante, alternando entre murmúrios incompreensíveis e gritos de terror. Ao seu lado, uma menina de ombros caídos lhe aplicava compressas úmidas na testa febril. Um rapaz, próximo à porta, mal conseguia encarar a própria mãe em estado tão deteriorado e tremente graças aos espasmos musculares violentos.

— Lenore? Lenore. Oh céus! — Ela gritou, contorcendo-se, e Jacob fechou a cortina. — Ele está aqui, aqui, aqui... — e repetiu a última palavra, soando como um eco, até sentir o pano úmido sobre a testa.

O ambiente cheirava à pestilência e morte, porém não havia nada mais a ser feito. Remediar o inevitável seria insistir no flagelo de uma pessoa que se encontrava a um passo do livramento. Edwina Sanderson estava além da salvação física, restando ao marido arranjar o fim de seu sofrimento. E quanto mais rápido fosse, segundo o entendimento do Sr. Sanderson, melhor para a mulher e todos os membros da família.

— Nicholas, Elenor, saiam — ordenou Jacob, indo até o criado-mudo e abrindo a gaveta.

— Não permitirei que faça isso, meu pai. — O rapaz se colocou em seu caminho num átimo. — Deve haver algo mais que possamos fazer para salvá-la. — Seu tom persuasivo não fora suficiente para dobrar o patriarca ao seu desejo.

Jacob nunca pareceu tão cansado, sentindo o copo de vidro pesar mais do que o normal em sua mão direita. Sobre o criado-mudo, ao lado do retrato da mulher — imortalizada ainda sã pelo daguerreótipo —, uma garrafa de absinto e um frasco com láudano. Nicholas observava os objetos com um olhar que muito se assemelhava ao do pai, sempre vigilante, combinado à atitude que beirava o desprezo. Da cama, Elenor os encarava com uma angústia velada; seus olhos transbordavam o suplício de quem presenciara mais sofrimento do que deveria em tenra idade.

— A única salvação que sua mãe pode encontrar agora reside no conforto além dessa vida. — Jacob se virou na direção da garrafa de absinto, ouvindo com pesar o tilintar do pontarlier ao ser posicionado sobre a superfície de cristal. — Souberam de Poe, presumo.

Nicholas permaneceu parado, dando pouca atenção ao que ouvia graças ao estado de alerta em que se encontrava, disposto a impedir o pai de cometer uma loucura ainda que precisasse usar a força. O Sr. Sanderson, por outro lado, assumiu o mesmo semblante sorumbático de antes, alheio à animosidade que se instalava de maneira sorrateira no cômodo. Suas mãos trabalhavam com espontaneidade, como se regidas por cordas invisíveis em um espetáculo de marionetes. A quantidade exacerbada de láudano colocada quase preencheu o recipiente, e só então ele posicionou a colher perfurada sobre o pontarlier, com um cubo de açúcar no centro para aliviar o gosto pungente da losna.

O escritor Edgar Allan Poe se tornara um grande amigo de Jacob pouco antes de ser expulso da Universidade da Virgínia, onde o outro permaneceu até terminar seus estudos. O Sr. Sanderson já apresentava interesse pelo oculto na época, encontrando em Poe a figura confidente que lhe faltava. Contava-lhe tudo o que aprendia sobre a realidade que permanecia camuflada sob as sombras da ignorância e medo. Dos relatos que ouvira, o escritor tirou inspiração para muitas de suas obras macabras. Inúmeras foram as vezes em que Jacob o alertara sobre os perigos de se aprofundar nesse submundo, mas o aviso não fora páreo para o fascínio hipnótico que as criaturas da noite exerciam sobre os humanos.

— Encontrado perambulando por Baltimore — continuou o Sr. Sanderson, liberando um suspiro pesaroso —, em estado de delirium tremens. — Nicholas voltou o olhar à irmã e ambos, ao mesmo tempo, encaram a mãe, que gemia sua dor às paredes. — O que acha que aconteceu? Sim, esse é um momento sombrio para nós.

— Pobre Sr. Poe — Elenor deixou escapar, enxugando a lágrima solitária que serpenteou por sua face pálida.

Não era segredo para ninguém que a menina nutria uma paixonite pelo escritor. Algo que aumentou ao assisti-lo em uma leitura particular em sua casa, para um grupo seleto de amigos da família. Sem a permissão dos pais para participar, precisou se esgueirar pelos cantos e se esconder atrás de uma cortina, observando-o com o semblante esculpido em fascinação. Mal conseguira dormir naquela noite, despejando seu amor platônico no diário em forma de versos. Sonhava com o dia em que poderia conhecê-lo pessoalmente, trajando um dos seus belos vestidos. Até mesmo se via valsando com Edgar no salão, em uma alegria inocente que lhe arrancava alguns sorrisos.

Contudo essa ideia romântica foi desconstruída aos poucos, não só por causa da morte de Poe, mas também pelas outras preocupações que a família tinha em mente. O principal objetivo era manter Elenor viva e a salvo do mal que se abatera sobre os Sanderson. Com o que vinha acontecendo, tal feito seria um verdadeiro milagre, mas Jacob pretendia lutar até o fim de seus dias para mantê-la segura, mesmo que esse fim se mostrasse cada vez mais próximo.

— Pobre Poe — repetiu ele, despejando a "fada verde" sobre o cubo de açúcar — e sua pobre alma. No derradeiro fim, encontrou-se com o temido corvo. Que na morte, que sempre lhe fez companhia, abrace a paz que nunca possuiu em vida.

Nicholas observou o líquido verde ser derramado com cuidado desmedido, até que o pai ergueu o copo em um brinde solitário, deixando transparecer todo o seu asco pelo ato que estava prestes a cometer. E então, acometido por um impulso incontrolável, o rapaz tentou dar uma bofetada na mão onde Jacob segurava o pontarlier, encontrando apenas o vazio graças à reação ágil do pai. O Sr. Sanderson mal teve tempo de recolocar o recipiente a superfície do criado-mudo antes que o filho se projetasse na sua direção mais uma vez, libertando um grunhido que saiu com a força de sua raiva por Jacob.

Conseguindo agarrá-lo pela cintura, Nicholas o jogou de encontro à parede. O ruído provocado pelo impacto pareceu inflamar o tormento de Edwina, e logo os ruídos da luta ganharam a companhia dos gritos da Sra. Sanderson. Elenor tentava acalmar a mãe enquanto Jacob segurava o filho pelo colarinho e, girando para o lado, arremessava-o ao chão. Apesar do aspecto debilitado, Jacob ainda era um homem forte e isso não era surpresa para Nicholas que, levantando-se cambaleante, investiu mais uma vez contra o pai.

— Parem com isso! — gritou Elenor, sabendo que seu pedido desesperado não seria suficiente para o impedir de se engalfinhar.

Como já era de se esperar, eles continuaram o embate sem enxergar mais nada ao redor. A menina estava a ponto de se levantar, a fim de buscar ajuda antes que os dois se matassem, quando sentiu dedos frios se fecharem em seu pulso. No mesmo instante se virou e encontrou o olhar lúcido da mãe a encará-la, apesar da doença reduzir a realidade a breves vislumbres inconstantes. Ele transmitia o que a mulher desejava ainda que seus lábios não se mexessem. Um apelo silencioso em pedido da piedade a que lhe privavam.

Nesse interstício, Nicholas atingiu um soco de raspão na mandíbula do pai, cujo nariz sangrava, e este não se deixou abalar, dando-lhe uma cabeçada que deixou ambos atordoados. Os dois enxergavam o mundo em vermelho naquele instante de insanidade, onde se deparavam com a perda de controle sobre próprias vidas e das pessoas que amavam. Na face do outro, um espelho turvo que mostrava seus maiores medos. Com os murros, tinham não só o corpo como alvo, mas também a fonte de suas angústias.

Sem se dar conta do que fazia, Nicholas levou as mãos ao pescoço do pai, sufocando-o contra a parede enquanto o sangue escapava pelo corte ínfimo em seu supercílio direito. Jacob tentou afastar o rapaz, mas seu olhar injetado se voltou à cama atrás do filho. No mesmo momento parou de lutar. O que Nicholas ouviu em seguida também o paralisou; o retinir do cristal se estilhaçando no chão. Ainda com os dedos sobre a pele avermelhada do pai, olhou hesitante por cima do ombro.

Próximo aos seus pés, o pontarlier reduzido a fragmentos úmidos que cintilavam em um tom de verde fosforescente com o que restara da essência do absinto. Na cama, Elenor embalava a mãe em seus braços enquanto entoava baixinho uma canção de ninar da sua infância. Seus olhos permaneceram fechados enquanto as lágrimas desciam por sua face contorcida pelo sofrimento. Aos poucos, sua amada mãe parou de se mexer e o coração deu sua última batida antes de o mundo cair em silêncio.    

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