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Capítulo I: Sonhando

"Doces sonhos são feitos disso. Quem sou eu para discordar?  

[...] Alguns deles querem te usar, alguns deles

querem ser usados por você. Alguns deles

querem abusar de você. Alguns deles

  querem ser abusados por você" 

♦ "Sweet Dreams (Are Made Of This)", do Eurythmics


Ipswich, Massachusetts — 2015

ALGO ESTAVA ERRADO. Tudo estava e, ao mesmo tempo, nada. A princípio, os cheiros, os objetos e o lugar em si causavam um nível considerável de perturbação em Clarice. Ela não fazia a mínima ideia de onde se encontrava, ainda que, no fundo de sua consciência nublada, o ambiente lhe despertasse uma sensação incomum de familiaridade. Não compreendia como uma situação tão improvável fosse possível, dada a própria realidade, mas estava acontecendo.

Piscou algumas vezes e esfregou as pálpebras na intenção de dissipar aquele delírio. As paredes sustentavam a utopia em tons róseos que a cercava, ganhando a forma de um quarto luxuoso, muito diferente do cômodo desconfortável onde costumava passar as noites. A cama aconchegante, as bonecas de porcelana alinhadas nas prateleiras e as molduras provençais, cujas fotos mostravam apenas imagens borradas de pessoas irreconhecíveis. O chão, revestido de madeira clara, brilhava graças ao polimento.

O mais estranho a se notar, porém, era a figura sentada ao seu lado, tão leve que mal deformava o colchão sob seu corpo. Pela aparência, deveria ser apenas alguns anos mais velha que Clarice, embora algo em seu semblante transmitisse a ideia de uma idade muito superior a quinze anos. Os cabelos negros chegavam até o meio das costas, formando cachos nas pontas. A pele pálida, como se nunca tivesse sido tocada pela luz do sol, possuía um brilho delicado que a envolvia em uma aura mística. Os traços delicados, com as maçãs do rosto um pouco mais proeminentes, poderiam passar por ordinários caso não fossem complementados pelos olhos melancólicos carregados de um lilás crepuscular e um pesar infindável.

A menina a olhava com preocupação silenciosa, mas Clarice não se via capaz de formular uma pergunta coerente, diante de tantas dúvidas, para compreender o que se passava. Estava hipnotizada pela mocinha que segurava sua mão, até a porta do quarto se abrir com força e um rapaz entrar, dando fim à quietude. Ele tratou de fechá-la com rapidez e se escorar contra ela para, segundos depois, alguém, ou algo, começar a esmurrar a porta. A garota desconhecida correu para ajudá-lo, parando ao seu lado e posicionando as mãos na estrutura de madeira.

Sem entender o que se passava, Clarice se levantou e cambaleou para trás até encontrar a parede com as pontas dos dedos. Ali ficou de olhos fechados, na esperança de que aquele cenário desesperador extinguisse quando voltasse a abri-los. Precisou engolir o resfolegar preso em sua garganta e levou as mãos às orelhas a fim de abafar os ruídos, mas não era o suficiente. Sob seus pés, a madeira era morna, acolhedora, e não é real, não é real, pensou.

— A poltrona! — Por entre o barulho, a voz do rapaz, quase sem fôlego, chegou até Clarice, que acabou por abrir os olhos apenas para constatar que ainda estava no ambiente de antes. — Empurre-a até aqui!

Vê-lo falando com ela passava uma sensação incomum, como se o personagem de um filme, de repente, quebrasse a quarta barreira e começasse a se comunicar com a espectadora compenetrada. Imersa naquela cena e compartilhando a angústia dos personagens, Clarice não sabia o que esperar a seguir. Não havia uma tela a dividi-los.

— Vamos, Clarice! — A menina despertou ao ouvir seu nome e correu em direção à poltrona, agindo de maneira involuntária.

A outra jovem se afastou e foi ajudá-la. Ambas empurraram o móvel até imprensarem-no contra a porta e o rapaz se sentou no estofado como se o seu peso fosse reforçar aquela barricada improvisada. As batidas cessaram, sucedidas de um lamento longo e penoso da pessoa, ou criatura, que esmurrara a porta com tanto vigor. Ele se recostou no espaldar, tentando diminuir a intensidade de sua respiração acelerada.

— Eles voltaram — ele parou um instante para respirar fundo e engolir o cansaço — em maior quantidade — avisou, enxugando a testa com o antebraço.

Os cabelos cacheados do rapaz caiam sobre a testa, precisando tirá-los a todo instante da frente dos olhos esverdeados. Clarice observou a aflição de ambos enquanto conversavam, voltando à posição de espectadora e temendo atrair atenção para si. Olhava de um para o outro, anotando em sua mente as semelhanças que possuíam; semelhanças pouco consideráveis, mas que ainda assim a faziam cogitar um parentesco fraternal entre ambos.

— Eu vou chamar a atenção deles — alertou, levantando-se. — Então vocês correm para fora dessa maldita casa. — Vendo que as duas iriam discordar, uma temendo pela vida do amigo e a outra temendo pela própria, acrescentou. — Vou logo em seguida, prometo. Não se preocupem. — Ele começou a afastar a poltrona da porta, respirando fundo. — Só saiam quando ouvirem meu assovio.

Clarice estudou o menino dos pés à cabeça, quase se deixando contagiar pela energia indômita que ele irradiava; viu-se confiando no rapaz sem ao menos conhecê-lo. O que estava disposto a fazer parecia arriscado, embora ela não fizesse a mínima ideia do que os outros dois falavam. Pelos cabelos castanhos desgrenhados colados à nuca e o suor em seu rosto, poderia ter corrido uma maratona antes de entrar no quarto. O olhar caído passava a passava a mensagem de que não tinha uma noite tranquila de sono há muito tempo. De tudo isso, porém, o que mais chamou atenção de Clarice foi a cicatriz que começava sob o olho esquerdo, cortando sua bochecha até chegar ao canto da boca. Não era funda, mas a pele esbranquiçada se destacava do resto de uma maneira que tornava impossível ignorá-la.

A menina desconhecida andou na direção do rapaz e o abraçou forte. Clarice a viu fechar os olhos por alguns segundos mais, descansando a cabeça em seu ombro e escondendo parcialmente o rosto nos cachos do amigo. Os dois tinham quase a mesma altura, embora ele apresentasse uma envergadura um pouco maior, que o permitia enlaçá-la em seus braços sem dificuldade.

— Nos vemos daqui a pouco — disse o menino enfim, soltando-a e saindo do quarto.

Ela permaneceu com as mãos erguidas na direção de onde o amigo estivera, como se ainda pudesse segurá-lo. Quando se deu conta de que ele não voltaria, preocupou-se em colocar a poltrona contra a porta mais uma vez. A garota respirou fundo, afastando uns fios de cabelo do rosto e se sentou na poltrona, mantendo os dedos entrelaçados sobre o colo. A despeito do que acontecera, havia uma serenidade em seu olhar, enquanto os lábios se mexiam como se recitasse algo, embora cada palavra fosse pronunciada tão baixa quanto um sussurro.

Clarice se aproximou dela com cuidado e se agachou à sua frente. Não sabia se a outra não havia notado sua presença ou se resolvera ignorá-la, já que permaneceu na mesma posição, encarando as próprias mãos, até ouvir:

— O que está acontecendo? — indagou mesmo sentindo que seria melhor não saber a resposta.

A desconhecida ergueu o olhar semicerrado e Clarice notou com surpresa quão controlada era a postura da garota diante da sua. Com cautela viu a mão dela se aproximar da sua bochecha e se afastou, espantada com a frieza que a pele pálida emanava. Estava prestes a repetir a pergunta, temendo que ela não a tivesse ouvido, quando ambas escutaram um assovio distante. No mesmo instante a jovem se levantou e empurrou a poltrona para longe.

— Confie em mim, ok? — Sua voz saiu firme apesar de tudo, assim como a do garoto. — E corra o mais rápido que puder. — Ela pegou a mão de Clarice e a puxou para fora.

Foi como se tivessem adentrado uma dimensão diferente em todos os sentidos. O odor de carne podre seria capaz de ferir o olfato menos sensível, ao passo que os lamentos dos espectros que as cercavam zumbiam em seus ouvidos. Eram tantos que tornava impossível contabilizá-los; almas atormentadas refletindo a época em que deixaram o mundo dos vivos. Uns pareciam ter séculos, com suas roupas antigas, murmurando palavras ininteligíveis enquanto choravam ou imploravam por expiação. Outros reviviam seus últimos momentos de vida, como a mulher que se encontrava presa em um ciclo onde se jogava do segundo andar em direção ao hall de entrada, reaparecendo no mesmo lugar antes mesmo de tocar o chão e se atirando mais uma vez no vazio. Apenas esboços agonizantes do que foram um dia.

A casa parecia ter sido o palco central de uma batalha, com a pintura das paredes descascando e sujas de sangue. No chão, rombos enormes no piso de madeira por onde uma pessoa pequena, como Clarice, poderia cair facilmente. Os quadros estavam rasgados, enquanto todas as esculturas e vasos de planta, quebrados. As janelas que não estavam estilhaçadas, possuíam pedaços de madeira tapando-as. Tudo era um jorro confuso de informações que Clarice não conseguia, nem queria, assimilar com clareza.

A garota mais velha apertou sua mão no mesmo momento em que os espíritos tomaram conhecimento de sua presença, como se, de repente, tivessem sentido sua presença. Não havia sinal do rapaz que assoviara para as duas saírem e Clarice temeu que tudo não tivesse passado de um engodo a fim de atrai-las para fora. Sem esperar mais, as duas começaram a correr em direção à escada, passando por entre as silhuetas diáfanas.

Os degraus pisados se desmanchavam como se moldados em fumaça e cinzas, elevando-se no ar para formar uma nuvem vultosa que, em pouco tempo, ocultou o teto. A porta de entrada ficava a alguns metros de distância do primeiro degrau, mas os passos de ambas começaram a se tornar pesados, como se tentassem correr dentro d'água.

— Você precisa sair daqui, Claire. — A desconhecida a segurou pelos ombros para sussurrar em seu ouvido. Só então Clarice notou como a jovem parecia sumir aos poucos, tornando-se insubstancial. — Ele está vindo. — Um arrepio percorrer sua espinha, mesmo sem saber com certeza de quem se tratava. — Vai!

Clarice não queria deixá-la para trás, mas não via outra saída a não ser fazer o que lhe fora ordenado. Precisou lutar contra o peso de suas pernas para correr o mais rápido possível em direção à porta. Sem olhar para trás, sabia que não demoraria muito até que a menina não estivesse mais lá, evanescendo e a deixando sozinha com quem quer que estivesse chegando.

Quando sua mão alcançou a maçaneta, a luz do dia mal encostou em sua pele e seus pés não deram mais do que dez passos para fora da casa. De alguma forma, o local a puxara de volta para o hall de entrada. O grito ficou preso em sua garganta por falta de forças para vocalizá-lo ou pedir por ajuda. Não havia mais espectros ao seu redor, nem a menina de olhos lilás. Estava abandona à própria sorte.

— Você está sozinha, mon petit — ressoou uma voz melodiosa ao seu ouvido, mesmo não vendo vivalma ao seu lado. — Ninguém poderá ajudá-la agora. — Os cabelos de sua nuca arrepiaram enquanto a respiração se condensava em uma nuvem pálida.

Diante de tal cenário, teve certeza de que iria morrer sem a mínima possibilidade de se defender de um inimigo invisível. Não havia escapatória quando seu corpo mal se mexia. Restava-lhe somente fechar os olhos e esperar pelo inevitável, desejando que fosse rápido o suficiente para não sofrer. Foi então que sentiu um toque aveludado e tão leve quanto uma pena. Ao abrir os olhos, deparou-se com uma borboleta de um azul vivo repousando no dorso de sua mão, divergindo daquele mundo gris.


Com o desespero preso no peito, Clarice abriu os olhos com dificuldade. As pálpebras pesavam como se a impelissem a adormecer mais uma vez. Olhou para todos os lados como se pudesse encontrar vestígios de seu pesadelo; prisioneiros que haviam rompido as barreiras dos sonhos. Contudo, não havia fantasmas ou casa assombrada caindo aos pedaços. Muito menos uma voz assustadora e adolescentes desconhecidos. Ao seu redor, meninas solitárias do orfanato. Elas dormiam a sono solto, navegando em sonhos mais convidativos.

Pelo menos não gritei dessa vez, pensou Clarice com alívio, passando a mão pela bochecha marcada graças ao travesseiro. Os sonhos se tornaram recorrentes ao longo dos meses, de mansinho. A menina mal recordava o que havia acontecido na noite anterior, até chegar ao ponto de mal conseguir despertar na manhã seguinte; a voz aveludada da criatura ainda ecoava em sua mente. Às vezes ela despertava gritando, o que estimulou certa antipatia vinda das colegas de quarto. Não que algum dia tenha sido popular, pelo contrário, mesmo assim se sentia incomodada por perturbá-las dessa forma.

Apesar do abatimento, sentou-se na cama incapaz de voltar a dormir, dando um longo bocejo que lhe deixou com os olhos lacrimejantes. Não havia nada lá que pudesse atacá-la, mas sua mente permaneceu vigilante. Qualquer som, por mais ínfimo que fosse, faria a menina se sobressaltar. Era uma criança observadora por natureza e o cenário confuso exigia cautela acima da conta, deixando-a a poucos passos da neurose.

A fronha branca tinha uma mancha acinzentada e úmida com o formato de sua cabeça, mas já estava acostumada, não considerando tão ruim quanto algumas meninas que ainda faziam xixi na cama. Clarice virou o travesseiro ao contrário enquanto dizia a si mesma que aquilo não passara de um pesadelo como muitos outros. Suas companheiras de orfanato também tinham, afinal. Porém sua voz interior não lhe pareceu muito confiante.

Diferente de algumas órfãs que chegavam ao orfanato após experimentarem, mesmo que por pouco tempo, da vida em família, não fazia ideia de quem eram seus pais, avós ou tios distantes, a quem poderia recorrer em algum momento. O orfanato era a sua casa e as freiras, sua família. Os pesadelos, ainda que obscuros, passavam uma sensação reconfortante de que havia alguém para se preocupar com ela.

Clarice fora encontrada em frente à porta do orfanato com alguns meses de vida, enrolada em um manto — dentro de um moisés — e só. Nada de carta de despedida emocionada, escrita uma jovem mãe que não podia criar sua filha apesar do amor que nutria pela criança. Nada, apenas o "despejo", como costumava pensar com frequência. As freiras cuidavam dela e de todas as outras com carinho; carinho esse que nunca conseguiu retribuir de verdade. Clarice existia em um lugar de idas e vindas, alimentando-se de dúvidas que não a sustentavam.

Exausta, enxergou a janela através da visão enevoada e viu o sol despontar no horizonte. A luz do dia a envolvia em um manto de proteção que afastava tudo o que as sombras da noite acolhiam. Com cuidado para evitar fazer algum barulho indesejado, pegou uma muda de roupas e, a passos silenciosos, foi tomar seu banho. Repassou o pesadelo no caminho, preocupada com a duração que se alongava a cada noite, enquanto o dono da voz funesta se tornava mais palpável. Só de se lembrar da ameaça, seu corpo estremeceu.

O banheiro vazio cheirava a desinfetante de eucalipto, enviando uma onda de conforto em Clarice ao se ver em um ambiente familiar e livre de pessoas. O banho era um momento só seu, para pensar sem que sua voz anterior fosse interrompida a todo instante pelas outras meninas. Apesar de não gostarem da ideia, as freiras respeitavam seu desejo por causa do comportamento exemplar que apresentava. Quanto mais pudesse se sentir afastadas as outras órfãs, melhor.

Ao ligar o chuveiro, desejou que a água fria levasse embora todos os seus pesadelos para que nunca mais voltassem. Tudo o que vemos ou parecemos, não passa de um sonho dentro de um sonho, pensou ela, lembrando do poema "Um Sonho Dentro de um Sonho" de Edgar Allan Poe, um de seus autores favoritos. As freiras não gostavam do apego que tinha com um escritor tão lúgubre, mas também não podavam o gosto que tinha pela leitura. Talvez, minha existência nesse orfanato não passe de um pesadelo.

Enquanto colocava o uniforme, o reflexo no espelho chamou sua atenção. As olheiras profundas se destacavam na pele, que começava a apresentar os primeiros sinais da adolescência em forma de espinhas. Eu só queria dormir, Clarice suspirou, virando-se de costas. Dormir era um dos poucos prazeres que tinha, mas havia se tornado um tormento. O verde tímido dos seus olhos perdia aos poucos o brilho, refletindo os terrores noturnos que afloravam sua aflição. Suas energias eram sugadas cada vez mais a cada noite, a cada pesadelo.

Clarice se virou mais uma vez em direção ao espelho, pousando as mãos pequenas sobre a bancada de mármore.

— Feliz aniversário — murmurou ela para o reflexo que a encarava impassível por trás do vidro embaçado.

Não era o seu aniversário de verdade. O dia em que nascera continuava um mistério. Tudo o que tinha era a data em que fora colocada para adoção. O momento em que, na sua mente, seus pais desistiram de criá-la sem direito a uma carta ou bilhete como explicação. Deixada para trás como um objeto qualquer, sem valor.

— Faça um pedido — murmurou para a cópia de si mesma no espelho, antes de deixar o banheiro para trás.

N/A: Então, o que acharam da Clarice? E esse pesadelo esquisito dela? ♥

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