5º Capítulo - Clara
Após a séria discussão, sentei-me no chão e voltei a chorar.
Decidi que deveria deixar que minhas lágrimas escorressem, assim eu poderia me sentir mais leve.
_ Clara? – chamou papai timidamente, parado a porta.
Olhei para ele como quem pede colo e, graças a Deus, ele entendeu do que eu precisava.
Caminhou lentamente e sentou-se, recostado a cabeceira da cama.
Levantei e, ainda chorando, deitei envolta em seus braços, buscando o carinho que há muito tempo me faltava.
Desde que fiz 10 anos, neguei o amor de meus pais. Afastei-me deles e me mantive fria. Por que fiz isso? Necessidade... Era preciso.
Em alguns momentos como este, sinto falta de tê-los próximos a mim. Entretanto, prefiro chorar escondida do que solicitar atenção. Sei que se importam comigo e que querem que me aproxime, mas não gosto de criar laços afetivos que me tornem dependentes de alguém.
Quanto maior o amor e a ligação familiar, maior a decepção.
A verdade é esta... Vou decepcionar meus pais. O fato é que quero mudar de lado!
O problema é que sou filha de duas pessoas mais que importantes para a Luz. Eles são essenciais e, como filha, deveria seguir os mesmos passos. Entretanto, não desejo isso para minha vida.
O que desejo ainda não sei muito bem, mas sinto que logo vou descobrir.
Quando voltei a realidade, notei que papai acariciava carinhosamente meus cabelos e observava cada detalhe de meu rosto com ternura.
Ele não dissera nada... Nenhuma pergunta, lição de moral ou bronca, e eu me sentia eternamente grata por isso.
Lentamente, observando seus grandes e intensos olhos azuis, adormeci.
Acordei no meio da noite sem nenhum motivo aparente. Olhei para o relógio e notei que ainda eram 3 horas da manhã.
Sem sono, levantei-me calmamente e fui em direção ao banheiro.
Ao passar pelo quarto de meus pais, observei a porta fechada e um silêncio profundo. No corredor, ao lado da entrada momentaneamente bloqueada, vi malas umas sobre as outras, aguardando o momento de serem transportadas.
_ Caramba! – sussurrei. – Esqueci de arrumar minhas coisas.
No dia seguinte partiríamos para mais uma de minhas chatas férias na sede dos Luminescentes, e eu não tinha nada pronto.
Provavelmente papai iria me dar uma bronca, mamãe iria ordenar que ele parasse, eu iria dizer que me recusava a viajar, iriamos discutir e, com isso, atrasaríamos em cerca de duas horas nossa partida.
Dei meia volta no corredor e retornei a meu quarto.
_ Melhor evitar mais um desentendimento. – murmurei enquanto abria meu guarda-roupa e começava a separar minhas vestimentas.
Adormeci sem perceber, deitada no chão, sobre o tapete.
Acordei toda dolorida, mas ao menos minhas malas estavam prontas.
Troquei de roupa e fui tomar café. Encontrei mamãe na cozinha.
_ Bom dia. – murmurei em sinal de paz.
_ Bom dia. – respondeu ela no mesmo tom sonolento que eu.
_ Onde está papai?
Um clima pesado rondava nós duas, o que me deixava extremamente desconfortável.
_ Dormindo. - murmurou ela, rispidamente.
Suspirei.
Sentia-me mal pelo ocorrido na noite anterior, mas não queria pedir desculpas.
Retirei-me da cozinha com um copo de leite morno nas mãos – o suficiente para saciar minha fome até o almoço. Joguei-me no sofá e, imediatamente, perdi-me em pensamentos. Repassei em minha mente todo o diálogo que tive com mamãe durante nossa discussão.
A forma como se calou quando perguntei se havia algo de errado comigo massacrou-me por dentro. Eu realmente era diferente, mas por quê? Por que comigo?
Eu não escolhi ser assim! Não foi uma decisão minha. Apenas sinto isso dentro de meu coração.
Minha mente racional afirma que devo me contentar com o que tenho, no lado que estou, para não criar problemas. Afinal, sabe-se lá o que pode acontecer se a Luz ficar sem uma combatente... Por outro lado, entretanto, meu coração, minha parte sentimental, afirma que devo ser feliz acima de tudo, custe o que custar.
Sei que pensar só em mim é puro egoísmo, mas infelizmente era isso que estava fazendo. Agindo dessa forma por querer bem a mim mesma. O triste é que o que me faz bem, não faz bem as outras dezenas de pessoas boas que seguem no caminho certo.
Enquanto pensava, segurei o copo com tanta força (por conta da raiva e da confusão que cresciam dentro de mim) que ele se despedaçou, causando um corte fundo em minha mão.
_ Ai! – exclamei. – Mãe?
_ Sim? – gritou ela da cozinha.
O corte ardia e o sangue escorria em abundância por meu braço. Como se não bastasse, não podia me mexer, pois haviam cacos espalhados por toda a sala.
_ Mãe! – chamei de forma mais desesperada.
Ela apareceu rapidamente na sala e, ao notar o que havia acontecido, empalideceu.
_ Ícaro! – chamou ela.
Alguns segundos depois, papai surgiu no topo da escada.
Imagino que a única coisa que enxergou foi mamãe o observando, já que eu estava deitada no sofá, não visível a seu campo de visão.
_ O que foi? – murmurou ele confuso.
Em resposta, levantei a mão ferida para que notasse o problema.
_ Minha nossa! Lucy, pegue o kit de primeiros socorros. – disse ele enquanto descia as escadas.
Imediatamente mamãe obedeceu.
Ao ver os cacos de vidro, papai suspirou.
_ Como vou sair daqui? – perguntei.
O ferimento ardia impiedosamente. Pontinhos pretos começavam a surgir em minha visão, como quando acontece antes de um desmaio.
Ele não respondeu. Deu meia volta e tomou-me no colo pelas costas do sofá. Um ato muito engenhoso e esperto.
Enquanto era carregada, observei a sala. Haviam muitos cacos. Eu havia, literalmente, feito o copo em pedacinhos!
_ Como consegui despedaçá-lo nessas proporções? – murmurei.
Papai não me deu atenção. Colocou-me sentada na bancada da pia da cozinha, abriu a torneira e enfiou minha mão na água corrente.
Abafei um grito. Começava a sentir-me tonta.
_ Pai... – murmurei.
_ Calma, Clara! Fique calma. – disse ele, mais desesperado que eu.
A quantidade de sangue que escorria de minha mão era assustadora.
_ Mas pai...
_ Respire fundo, meu amor. - ordenou ele.
_ Acho que vou...
E apaguei.
***
Acordei ouvindo a voz de mamãe chamando por meu nome.
_ Clara, por favor, acorde!
Lentamente abri os olhos. Minha vista estava embaçada e sentia minha cabeça doer.
_ O que aconteceu? – murmurei.
_ Você desmaiou. Pelo que notei, perdeu muito sangue. – soou uma voz masculina por detrás de minha cabeça.
_ Quem...? – perguntei enquanto minha visão clareava.
_ Trouxemos você ao pronto socorro. – murmurou papai.
Observei o espaço ao redor e avistei minha mãe com os olhos marejados e vermelhos. Meu pai estava em pé com uma leve expressão de preocupação. Atrás de mim encontrava-se um rapaz com seus vinte e poucos anos de idade, cabelos pretos rentes a cabeça e um enorme jaleco branco.
Um choque percorreu meu corpo. Havia me esquecido do acidente com o copo.
Lancei um olhar apreensivo para minha mão e encontrei-a enfaixada.
Encarei mamãe a espera de uma explicação.
_ Quando desmaiou, Clara, notamos que o ferimento era mais grave do que imaginávamos. – disse ela.
_ E realmente foi um corte fundo. Entretanto, uma higienização e alguns pontos resolveram o problema. – murmurou o médico. – Sou Heitor. Prazer em conhecê-la, senhorita Clara.
_ O prazer é... Bem, não foi um prazer ter de vir ao pronto socorro. – exclamei sorrindo.
Ele riu e baixou os olhos, meio envergonhado.
_ Quando vou ser liberada? – perguntei.
_ Em meia hora. - respondeu Heitor.
_ Daqui iremos para... Ahn... Nossas férias? - indaguei, encarando mamãe.
_ Sim. – respondeu papai. – Falando nisso, Lucy, vamos para casa buscar as coisas?
Mamãe assentiu.
_ Estaremos aqui quando sair. – afirmou ela ao observar minha expressão preocupada.
Olhei para Heitor e notei que ele permanecia de cabeça baixa.
_ Tudo bem. – murmurei.
Meu pais saíram do consultório, deixando-me sozinha com o doutor.
_ O efeito da anestesia vai passar em quanto tempo? – perguntei, com o intuito de quebrar o clima pesado que nos rodeava.
_ Aproximadamente 20 minutos. Por isso não a liberei... É preciso verificar como vai sentir sua mão antes que parta. – explicou ele levantando a cabeça e olhando diretamente para mim.
Seus olhos eram de um castanho escuro, que combinavam perfeitamente com seu rosto.
Era lindo, mas faltava algo para que se tornasse um legítimo deus grego: sorrir.
Sua expressão era pesada e causava-me calafrios.
_ A profissão de médico o força a ser sério dessa maneira? - sussurrei.
_ Não, por quê?
Ele parecia nervoso, até mesmo apreensivo, por estar ali comigo.
_ Os doentes se sentiriam mais aliviados ao ver um sorriso. - exclamei com um tom doce na voz, mais doce até do que eu queria que tivesse soado.
Quase que de forma automática, o médico fez o que pedi. Neste instante tornou-se perfeito!
Dentes maravilhosamente brancos contrastavam com sua pele levemente morena.
_ Senhorita Clara? - chamou ele.
_ Não há necessidade do senhorita. - afirmei, meio desconfortável.
_ Ah! Desculpe-me. – murmurou, ficando instantaneamente corado.
_ O que ia perguntar? - quis saber.
Sua expressão era difícil de interpretar. Era como se uma camada de névoa cobrisse seus sentimentos, e eles não pudessem ser transmitidos através do olhar.
_ Sua idade. - disse ele.
_ 16. E a sua?
_ 21.
_ Uau! - exclamei.
_ O quê? - perguntou o doutor, levemente assustado por minha reação.
_ Você é um médico muito jovem. - respondi, segurando o riso.
Ele não conseguia disfarçar a insegurança que sentia, o que era engraçado para um rapaz de 21 anos de idade.
_ Na verdade, ainda não sou médico. Estou apenas estagiando neste pronto socorro.
Um brilho passou por seus olhos, deixando claro o orgulho que sentia pelo trabalho que houvera escolhido.
_ Escolheu uma bela profissão. - murmurei, com um sorriso exposto nos lábios.
_ E você é uma bela garota. – murmurou ele, sem perceber que falava em voz alta.
Senti como se meu rosto estivesse em chamas. Imaginei que eu deveria estar quase roxa de vergonha, então limitei-me a sorrir novamente e fugir daquela situação.
_ Pode me dar um copo d'água? -pedi.
_ Claro! – exclamou ele. – Volto já.
Num piscar de olhos meus pais chegaram e fui liberada.
Agradeci os cuidados a Heitor e, em troca, ganhei um abraço.
Fiquei envergonhada pela demonstração de carinho, mas retribui de forma natural.
_ Acho que aquele médico gostou de você, Clara. – exclamou mamãe ao entrarmos no carro.
Papai bufou, como se desaprovasse o comentário.
_ Impressão sua. – murmurei enquanto recordava aquele belo sorriso.
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