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46º Capítulo - Lucy

Uma chuva inesperada tivera início logo após o almoço, do qual me recusara participar. Estava frágil demais para manter as aparências...

Observei o espaço ao redor. As gotas escorriam pela janela e brilhavam, reluzindo por conta da fraca luz do quarto que entrava em contato com as pequenas gotículas. As paredes pareciam pouco amigáveis. Até mesmo as cortinas aparentavam me julgar. Todo o cômodo sussurrava algo como "a filha da própria líder é uma traidora" ao pé de meu ouvido.

Era desesperador ficar ali parada, sem ter o que fazer, apenas esperando o momento de julgar minha própria filha.

Não sabia nem o que pensar sobre isso... Meu coração de mãe doía, mas meu lado racional insistia que o certo a se fazer era exilar Clara. Assim como aconteceu com vovó...

Esta lembrança me fez estremecer. Num estalo, a mensagem que minha avó havia deixado para mim num bilhete, no dia de seu falecimento, pareceu reacender em minha mente.

"Quando sentir medo, olhe para o céu e fale comigo. Eu estarei lá."

Lágrimas embaçaram minha vista. Aproximei-me da janela e observei o espaço lá fora. Controlando as emoções com dificuldade, fitei a imensidão cinzenta que pairava sobre a paisagem e sussurrei:

_ Vó... – minha voz soou incrivelmente melancólica. Tristeza transbordou em excesso por meio daquelas palavras. Uma tempestade de saudade assolou meu coração. – Queria tanto a senhora aqui...

Um aperto em meu peito interrompeu por alguns instantes minha fala. Me encolhi, recostada à janela e suspirei.

_ Ajude-me... – pedi. – Por favor...

Neste instante, a maçaneta da porta atrás de mim emitiu um ruído baixo. Um rangido terrível soou em seguida, fazendo-me virar.

Ícaro adentrava timidamente o cômodo.

_ Oi... – sua voz saiu esganiçada, como se tivesse mantido a boca fechada, sem emitir uma única palavra sequer, por um bom tempo. Ele tossiu, limpando a garganta. – Está na hora...

Seu tom era tão vacilante que me fez notar o quanto meu marido temia minha reação. Realmente, num momento daqueles era esperado que, no mínimo, eu arremessasse uma sandália em sua direção, mandando-o sair. Entretanto, para seu completo espanto, desenhei um sorriso forçado nos lábios e abri os braços, silenciosamente implorando por carinho.

Meu guardião não aguentou. Desabou num choro doentio, como quem sufocou as lágrimas por cerca de um século, e correu em minha direção.

Nosso pranto se tornou um só. Com pesar, abracei-lhe forte, na esperança de recuperar as forças o mais rápido possível, a fim de seguir rumo ao momento mais difícil de minha vida.

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