42º Capítulo - Lucy
_ Mãe? – perguntou Clara. Algo em seu tom de voz soava estranho.
Quando notei algo passar correndo pela porta de meu quarto, instantaneamente pensei em Caos. Persegui a pessoa pelo palácio e, num momento de pausa para respirar, pude ver um vislumbre dos cabelos negros de minha filha. Foi aí que corri mais, até achá-la no pátio.
_ O que está fazendo aqui? – perguntei, franzindo a testa.
_ Achei ter visto algo se movendo às bordas da floresta. – explicou ela. – E então desci para confirmar.
_ Ah... – assenti. – Foi bom ter conferido. Os tempos estão perigosos...
Clara balançou a cabeça positivamente e olhou para trás uma última vez. Em seguida, caminhou até mim e abraçou-me de lado.
_ Podemos conversar? – pedi, aproveitando sua demonstração de afeto.
Ela suspirou e depois sorriu.
_ Claro. – murmurou.
×××
Minha filha e eu decidimos seguir rumo à seu quarto, já que Clara raramente era incomodada por alguém. Poderíamos enfim conversar à sós, sem uma interrupção sequer.
Caminhamos a passos largos. A noite iniciava seu reinado obscuro lá fora, mas dentro do palácio nada parecia escurecer. O mesmo brilho agradável que caracterizava os cômodos durante o dia permanecia intacto, ainda que sob a opaca luz da lua.
Achei que essas características permaneceriam como forte ajuda ao adentrar o refúgio de Clara, entretanto fui fortemente enganada.
Assim que fechamos a porta e acomodamo-nos ao pé da cama, a temperatura do quarto caiu. Senti os pelos do braço arrepiarem, ao passo de que um forte frio na barriga invadiu meu sistema nervoso.
Senti o medo invadindo o âmago.
_ Então... – começou ela. – Tirei o gesso!
Num movimento repentino, minha filha apontou a perna que jazia ainda esbranquiçada por conta dos longos dias sob aquelas duras camadas de massa branca, forçando um sorriso logo em seguida, numa tentativa desesperada de melhorar o clima da situação.
_ Já estava na hora! – exclamei, empolgada. – E como se sente? – quis saber.
_ Com relação a acontecimentos físicos ou emocionais? – sussurrou ela, deixando-me pasma. Abri a boca para falar, mas fui interrompida. – Mãe, eu sei sobre o que quer falar... Por que não pulamos esta parte chata da conversa formada apenas por rodeios, e seguimos direto ao que te interessa?
Por alguns instantes, quis protestar. Dizer que sua perna me interessava muito sim, e que não estava ali para tocar numa ferida delicada e ainda não cicatrizada, formada ao longo do tempo em sua alma. Mas isso não era verdade...
Por fim, assenti.
_ Não é que não me importe com certas coisas, filha... – tentei explicar. – É só que temos preocupações maiores no momento, e preciso dar atenção a elas.
_ Essas preocupações possuem ligação direta com minha ida ao Caos, certo? – Clara mexia nervosamente na barra de sua blusa, esfregando as mãos para livrar-se do suor.
Balancei a cabeça em sinal afirmativo.
_ Queria apenas entender o porquê e...
_ Ah! Mãe... – interrompeu-me ela. – A verdade é que nunca fui feliz entre os Luminescentes! Antes de entender completamente sobre este universo, podia até me julgar satisfeita, mas agora... – um longo suspiro cortou sua fala. – Achei que no Caos seria melhor, entretanto estava enganada. Acredito que só poderei ser feliz fora deste mundo, como uma garota normal, munida de dilemas banais... Não com uma batalha iminente ruminando a todo o momento na cabeça.
Algumas lágrimas irromperam de seus olhos, mas logo foram controladas. O semblante de minha filha expressava derrota, vergonha e culpa.
_ Clara, eu... – comecei, mas novamente tive que engolir o resto da fala.
_ É terrível assumir isso para você... – sua voz saiu rouca e falhada. Faltava-lhe coragem para me olhar nos olhos.
Engoli em seco. Minha própria filha estava infeliz, e eu simplesmente não notei...
Tantos possíveis motivos para a rebeldia de Clara passaram por minha cabeça desde seus dez anos... Medo, raiva, o sangue do Caos em suas veias... Mas nunca cogitei a ideia de infelicidade. Jamais sonhei que pudesse ser isto!
Um calafrio percorreu minha espinha quando entendi o que tinha que dizer. Respirei fundo e murmurei, meio à contra gosto:
_ Se você tivesse me contado isso desde o início, permitiria que parasse de frequentar a sede dos Luminescentes assim que cumprisse sua obrigação como combatente... Teria deixado isso bem claro desde o início.
_ O-o quê? – ela pareceu não compreender o que havia acabado de ouvir.
_ É isso mesmo, meu amor... – assenti.
_ Eu... Eu não acredito! Quando estava no Caos, quis retornar, mas tive medo de ficar presa a este universo para sempre! – minha filha parecia murmurar aquelas palavras para si própria, na intenção de digerir mais rápido a informação que havia bombardeado em seu mundo. – Teria sido tão mais fácil se soubesse disso desde o início... Claro, nessa história toda teve o Jake, mas...
Um nó se formou em meu estômago. Meu coração acelerou e pude sentir a cor se esvaindo de minha face. Instantaneamente interrompi:
_ Jake?
As bochechas de Clara coraram, e eu levei as mãos à boca, completamente pasma.
De repente, a porta se abriu num estrondo e Aurora surgiu arfando no quarto.
Exasperada, exclamou:
_ Lucy, foram relatadas aparições de um jovem misterioso na floresta essa noite, e eu mesma senti a presença do Caos. – a respiração da mulher estava descompassada. Sua expressão beirava o desespero. – Receio que estejam prestes a iniciar a batalha de um jeito inusitado.
Arregalei os olhos.
_ O quê?
_ Precisamos iniciar uma reunião agora. – afirmou ela. – Já convoquei a todos. Estão esperando apenas por você.
Assenti lentamente.
Batalha? Jovem misterioso? Clara a beira da floresta? Caos?
Um estalo me fez acordar. Aurora chamava-me, impaciente.
Rapidamente virei-me para Clara e beijei-lhe a testa.
_ Amanhã continuaremos nossa conversa. – sussurrei em seu ouvido.
Em seguida, parti ao lado de Aurora rumo à reunião.
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