27º Capítulo - Clara
Os desmaios tornaram-se frequentes e aconteciam nos momentos mais inadequados.
Uma vez, estava treinando desviar de flechas com Jake. Os projéteis pontiagudos passavam raspando em minha pele, mas não me acertavam.
O treinamento ia bem, até que tudo ficou preto. Senti o corpo pesar e vi o mundo se dissolver.
Quando acordei, meu braço estava enfaixado e latejando. A gaze que envolvia minha pele mostrava-se com uma mancha de sangue nauseante.
Depois deste episódio, passamos a tomar mais cuidado.
O treino era pesado, exigindo toda minha energia, esgotando-me e forçando-me a barrar meus limites.
Eu havia almoçado há pouco, mas já estava treinando novamente. O sol típico do horário de meio dia apontava no céu, torturando-me com o calor.
Observei o espaço do pátio ao redor e notei que estava sozinha. Podendo assim descansar, sentei-me recostada a parede e fiquei observando o dia.
O céu estava azul como meus olhos. Uma leve brisa refrescava-me o corpo, fazendo-me relaxar.
Sinceramente, descansar mostrava-se como um legítimo prêmio!
Ao longe, notei o bater das asas de uma borboleta. A brisa que, para mim, parecia tão leve e inofensiva, para aquele inseto apresentava-se tão rude quanto perigosa. Tentando voar contra o vento, seu esforço era inútil. Carregada de forma violenta, a bela borboleta era levada de um lado a outro, voando de forma desgovernada.
Às vezes, eu me sentia como aquela borboleta. Em certos momentos, um vento parecia soprar, forçando-me a ir para outra direção. O esforço para ir contra certas coisas parecia inútil...
O mundo aparentava estar parado, esperando o fim de meus pensamentos, até que Andrew trouxe-me de volta ao planeta Terra da forma mais brusca possível:
_ Levante-se, iniciada! – ordenou ele.
Dei um pulo, assustada, e, com os olhos arregalados, fiquei de pé.
_ O que faz aí? Deveria estar treinando, infeliz! – grunhiu.
Corei instantaneamente.
_ Ela está descansando por ordem minha. – soou a voz de Jake, por trás de meus ombros.
Virei-me para olhá-lo nos olhos e agradecer.
Ele assentiu, como se entendesse que eu sentia pavor daquele homem.
Andrew bufou claramente insatisfeito por não poder castigar-me. Depois, retirou-se, caminhando pesadamente.
_ Obrigada. – murmurei para Jake.
_ Você teve sorte. Se eu não estivesse aqui, teria sido castigada.
Meu estômago deu voltas. Com certeza Andrew não teria pena de mim.
Provavelmente eu seria morta ou ficaria com sequelas irreparáveis. Os castigos aplicados pelo Caos eram bem mais insensatos que suas próprias atitudes. Se bem que propagar o caos não é bem um ato muito sensato...
Mais ou menos uma semana havia se passado. Treino intenso e pouco tempo de descanso faziam parte da minha rotina de forma mais presente do que eu gostaria.
Durante aqueles dias, vi tanta coisa acontecer... Presenciei até uma morte por enforcamento. Fora horrível e, devido ao terror que se alastrara sobre mim após este episódio, chorei por uma noite inteira.
Desde então, lágrimas noturnas são um ritual bem presente em minha jornada no Caos.
_ No que está pensando? – perguntou Jake.
Notei que permaneci tempo demais em silêncio, olhando para o nada, focada nos pensamentos que iam e vinham em minha mente.
_ Eu? Em nada... Não estou pensando em nada.
_ Hum... Ok. – murmurou ele. – Vá lavar o rosto e, em seguida, volte com o arco e flechas. Treinaremos sua mira.
Assenti.
Ele piscou para mim e virou as costas, provavelmente indo em busca de sua arma. O vento que refrescava o lugar brincava com seus cabelos, fazendo-os dançar de forma adorável.
De repente, Jake parou e observou-me pelo canto do olho. Eu já deveria ter saído dali, mas algo me prendia àquele momento. Talvez o fato de que admirá-lo caminhar estava sendo maravilhoso...
Num ato rápido, ele segurou a barra da blusa e arrancou-a de seu corpo. Os músculos estavam tensos, convidando-me a ofertar uma massagem, mas me contive.
Para me hipnotizar ainda mais, virou-se para mim e sorriu. Um sorriso travesso, que me fez corar instantaneamente.
Sorri meio envergonhada, virei-me e saí caminhando, com a imagem daqueles olhos verdes brilhando em minha direção ainda pairando por minha mente.
×××
Abaixei-me lentamente e fiz minhas mãos de um copo improvisado. Bebi um pouco de água e, ao erguer os olhos, observei-me no espelho parcialmente quebrado, preso a parede do banheiro. Algumas gotículas de água haviam se fixado ao meu cabelo e, com o brilho fraco da luz que iluminava o local, reluziam, parecendo pequenas contas de pedras preciosas, presas como enfeites.
Isso me fez lembrar dos Luminescentes... Seus trajes elegantes e sua postura correta. Os cabelos sempre pareciam arrumados para uma festa de gala, principalmente os de minha mãe.
Uma lágrima escapou de meus olhos incrivelmente azuis e escorreu por minha bochecha.
Como pude trocar de lado? Como cometi a burrice de passar para este lado?
Sentia-me uma completa idiota.
Minhas feições estavam horríveis! Abaixo de meus olhos, tristes olheiras postavam-se, deixando claro o cansaço.
Meu físico havia mudado um pouco ao longo desta semana. Já dava até para notar alguns músculos em meus braços.
Várias cicatrizes se espalhavam por meu corpo, desde os joelhos até minha testa.
Na Luz, o cuidado com cada oponente, a delicadeza para não feri-lo de verdade, eram características indispensáveis. No Caos, o medo de ferir o oponente não existia, o objetivo era machucar.
O único que não cumpria com esta regra era Jake, que me treinava com muito carinho, tremendo e desculpando-se a cada vez que tocava a lâmina em meus braços.
Infelizmente, além dele, eu era forçada a treinar com outros. Andrew era um destes.
O crápula fazia questão de lutar corpo a corpo comigo. Dizia que era um teste e que, já que eu quase morria, significava que não passaria da batalha.
Além disso, o líder deixava claro que preferia-me morta. A todo o momento, afirmava que ter-me ali, respirando, era um frequente risco. Quem garantia que eu não voltaria para a Luz a qualquer momento?
Realmente, nada garantia isso, já que esta ideia de retornar à sede dos Luminescentes ia e vinha por minha mente.
Eu sentia saudades de minha mãe, de meu pai, de tio Marcel, de tia Aurora, de meu quarto, de ver o sol nascer por trás de minhas cortinas, da brisa fresca que beijava-me o rosto todas as manhãs, da...
_ Saia daí, iniciada! – berrou uma voz feminina por detrás da porta do banheiro, interrompendo meus pensamentos e minhas lágrimas.
Num susto, limpei o rosto rapidamente e ajeitei o cabelo, afastando, por consequência, toda e qualquer chance de fugir. Ou, pelo menos, de pensar naquilo naquele momento.
Abri a porta envergonhada e murmurei, fitando o chão:
_ Desculpe...
A garota de cabelos curtos, braços fortes e olhar mortal bufou. Creio que estava contando até dez antes de dar-me um soco no meio da cara.
Depois, suspirou e adentrou o banheiro pesadamente, batendo a porta com força.
Meus músculos relaxaram. Cambaleei até meu quarto, na intenção de respirar um pouco. O treino com Jake teria que esperar.
Definitivamente, eu não queria continuar ali. A cada vez que esbarrava com um membro do Caos pelos cantos da sede sentia como se fosse morrer.
Minha vida estava por um fio. Fio este que possuía o nome de Jake...
Ele era o único que, com todas as forças, afirmava que eu era valorosa, preciosa e que o Caos não podia querer coisa melhor que a combatente do seu lado.
Jake realmente gostava de mim. Não estávamos namorando, por mais que vez ou outra ele roubasse-me um beijo. Na verdade, o que faltava para oficializar o relacionamento era meu sim.
Adentrei meu quarto, tranquei a porta e sentei na cama. A luz alaranjada e aconchegante da tarde inundava o cômodo.
De repente, um pensamento me fez tremer: e se Jake cansasse dessa brincadeira? E se ele resolvesse me colocar contra a parede, para exigir um sim ou um não quanto a um namoro?
Pior... E se Jake cansasse de mim? Ele, literalmente, era a única coisa que me preservava respirando na sede do Caos. Caso ele desistisse de mim, Andrew faria o que vem desejando realizar desde o dia em que pisei aqui!
Meus olhos começaram a piscar. Minha cabeça latejou e eu senti o sono percorrendo meu sistema nervoso.
Meu corpo pesou, dando o alerta de que, se eu não deitasse, dormiria sentada mesmo.
O cansaço vinha me torturando. Meus pensamentos impediam-me de dormir a noite.
Quer dizer, estando na sede do Caos, nada é feito de forma tranquila. O medo assombra qualquer ato, qualquer atitude, qualquer decisão. Mas enfim...
Joguei-me para trás e aconcheguei-me na cama.
Antes de adormecer, entretanto, lembrei-me da porta trancada. Levantei e fui abri-la. Jake certa vez havia me aconselhado a manter a porta destrancada: "Quando a mesma está devidamente fechada com chave, quer dizer que há algo se escondendo atrás dela. Algo que não pode ser descoberto."
Isso soa como algo suspeito para o Caos, sendo que, coisas suspeitas são devidamente eliminadas por aqui. Portanto, porta destrancada é sinônimo de garantia de vida por mais um dia.
Quando deitei de novo, imediatamente adormeci.
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