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23º Capítulo - Clara

Não consegui dormir.

Tantas coisas pairavam por minha mente que, creio eu, o sono estava com medo de aproximar-se.

A escuridão do quarto também não contribuía para que me acalmasse. O clima pesado da sede do Caos parecia propagar-se mais facilmente no escuro.

Eu estava sentada na cama, encolhida e recostada na cabeceira. Algumas lágrimas escorriam contra minha vontade.

Meu corpo tremia.

_ Clara, controle-se! – exclamei a mim mesma.

Neste momento, um ruído fez-me sair de meu mundo, livrando-me de um desespero agonizante.

Toc toc toc

Levantei-me e fui abrir a porta.

Era madrugada, portanto não fazia ideia de quem poderia estar a minha procura.

_ Oi! – exclamou Jake, parado em frente a meu quarto, com uma lâmpada nas mãos.

_ Ahn... Olá!

_ Creio que o escuro não esteja te ajudando a pensar. – murmurou ele, invadindo o cômodo sem pedir licença.

De repente, algo me ocorreu. Não era a escuridão que me deixava confusa, era o Caos! O fato de estar na sede do Caos fazia com que meu coração pesasse de forma inevitável.

Segurei num dos braços de Jake e exclamei:

_ Tire-me daqui?

Sua expressão tornou-se confusa.

_ Por que você...?

_ Por favor, Jake! – implorei, interrompendo-o.

Ele assentiu. Colocou a lâmpada sobre minha cama, segurou minha mão com ternura e começou a caminhar, forçando-me a segui-lo.

Caminhamos rapidamente por toda a sede, até deixá-la para trás. Seguimos por uma estrada de terra. Andamos, andamos e andamos.

Ficamos em silêncio por todo o tempo. Jake só falou comigo quando avistamos um vilarejo.

_ Vamos até a praça. Já é bem tarde, portanto, provavelmente não vamos encontrar uma alva viva nas ruas.

Passamos por algumas casas, até que uma simples pracinha surgiu em meu campo de visão. Sentamo-nos num banco e permanecemos em silêncio.

Jake me observava.

O lugar tinha uma árvore no centro, a seu lado, postava-se uma fonte que jorrava água de forma discreta. Uma leve brisa soprava, brincando com meus cabelos.

Tudo ia bem até que, sem querer, algo tocou meu nariz com leveza, fazendo-me espirrar.

_ Saúde. – disse Jake. – Na verdade, saúde duas vezes.

_ Ahn... Saúde duas vezes? – perguntei confusa.

_ Sim. Hoje mais cedo, quando você estava dentro do armário, não pude desejar-lhe saúde no momento de seu espirro.

Corei imediatamente.

Meu coração acelerou de forma descontrolada e comecei a tremer.

Jake riu.

_ Tudo bem, Clara. Da próxima vez, tome mais cuidado, pois se fosse Andrew a ouvir um ruído como aquele vindo de um armário, não teria ignorado como eu fiz.

Assenti, envergonhada.

_ Ele é cruel... – murmurei.

_ Você se acostuma. – afirmou ele.

_ Acho difícil. – sussurrei num lamento.

Corri o olhar pelo local e notei um relógio enorme preso a árvore. Nele liam-se: "3 horas da manhã. O que faz aí?"

Observei as casas que nos rodeavam.

_ Somos os únicos acordados na cidade. – afirmei ao notar que não haviam luzes acesas, apenas um poste da esquina.

Jake olhou para cima e suspirou. Segui seu olhar até encontrar um céu completamente iluminado por estrelas.

_ Uau! – exclamei.

_ Queria poder ver isto muitas vezes.

Pena que tenhamos de enfrentar o gélido frescor da noite... Pensei enquanto tremia.

Ele notou que eu estava com frio e, lentamente, aproximou-se. Agarrou-me pela cintura e forçou-me a recostar minha cabeça em seu peito.

O fato de ser muito tarde e de estarmos sozinhos na praça que ficava a cerca de 2 km da sede do Caos me deixava um pouco tensa. Qualquer coisa poderia acontecer se me deixasse levar. Um deslize e estaria entregue em suas mãos, sendo que, definitivamente, eu não queria isso.

Desviei meus pensamentos no intuito de não ficar imaginando coisas. Foquei no céu e na incrível visão que se estendia até o fim do horizonte.

Algumas estrelas mostravam-se fortes e extremamente brilhantes, o que as tornavam chamativas. Outras, em seu singelo pedacinho de céu, exalavam um brilho fraco, mas de igual beleza.

A lua não aparecera. Parecia não querer ver-me abraçada a Jake. Na verdade, eu não gostaria de estar ali.

Não me entenda mal! Gosto dele, mas o pensamento sobre o que poderia vir depois me assustava.

Sem pressa, fui baixando os olhos, atenta a cada detalhe daquela paisagem. De repente, algo me trouxe de volta à Terra: Jake observava-me com ternura. Seus olhos tinham um brilho diferente.

_ Você se parece muito com sua mãe. – murmurou ele.

_ O quê? – perguntei confusa, afinal ele não conhecia minha mãe.

Entretanto, não houve tempo para resposta alguma. Subitamente, ele envolveu-me em um beijo que, inicialmente, não foi correspondido.

A surpresa deixou-me sem reação. Afastei-me dele com os olhos arregalados, mas o cenário, as estrelas, o momento e até mesmo o vento sussurravam ao meu ouvido para que desse uma chance.

Respirei fundo e reuni coragem. Agarrei o colarinho de sua camisa, puxei-o bruscamente até mim e dei-lhe o beijo mais ousado que podia.

Ele mexia comigo. Sentimentos completamente opostos colidiam em meu coração enquanto, carinhosamente, afastava meus lábios dos dele.

Medo e ternura, raiva e amor, vontade de fugir e querer estar ali... Tudo isso pairava por minha mente.

_ Você parece preocupada... – murmurou ele.

Corei.

_ Clara, não vou "colocar o carro na frente dos bois". Relaxe, ok?

Assenti, envergonhada.

Não vou mentir... Eu realmente não queria passar de alguns beijos. E se ele quisesse ir além? Não saberia reagir. Estávamos sozinhos, era madrugada, o clima estava maravilhoso...

Suspirei e sacudi a cabeça, na intenção de afastar estes pensamentos.

Nada aconteceria se eu não quisesse. Literalmente nada.

Jake me fazia bem. Ele defendia-me, enfrentava Andrew por mim. Por que não daria uma chance?

Observei o horizonte. As estrelas faziam-me lembrar dos Luminescentes.

_ O que eu fiz? – sussurrei, deixando que uma lágrima escorresse por minhas bochechas.

Jake pareceu não ouvir, mas compreendeu que eu precisava de carinho.

Com ternura, segurou meu queixo e sorriu de forma doce.

_ Vai ficar tudo bem. – murmurou.

Em seguida, beijou-me.

Fechei os olhos e me deixei levar pelo romance. O coração acelerado, a adrenalina percorrendo todos os cantos de meu corpo.

Entretanto, não abri os olhos ao fim do beijo.

Simplesmente apaguei. 

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