O agonizar do Oceano
"Eu ontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.
Choramos, rimos, cantamos.
Falhou-me do seu destino,
Do seu fado..."
Antônio Botto, Passei o dia ouvindo o que o mar dizia
Capítulo 12 - O agonizar do oceano
13 anos atrás
Abriu os olhos devagar.
Confuso. Tudo era tão confuso, e doloroso e...assustador. Não entendia o que tinha feito de errado, o que tinha acontecido. Havia ido dormir a salvo. Havia fugido para cama de Attina em algum momento, como sempre. E então o barulho e gritos e sangue e monstros.
Onde estava todo mundo?
Allana? Aquata, Adella?
Gritos. Empurrões, e sangue na água. E espuma.
Tanta espuma.
Andrina, Arista?
Monstros. Olhos luminosos, e tentáculos e...dor.
Attina? Papa?
"Ariel! Adella! Leve o Ariel!"
"Ariel. Vai ficar tudo bem."
Finalmente notou que não estava sozinho. Estava bem seguro nos braços de alguém que nadava rapidamente pela água.
"Mama."
Estava escuro, e por isso sabia que devia estar na parte mais profunda do mar. Aquela parte que sempre diziam para nunca ir. As profundezas eram tão proibidas quando a superfície. Mas sua mama estava ali. Mesmo com a pouca luz podia ver os cabelos sangue como os seus, e ao olhar para cima, os olhos também idênticos o fitaram.
O sorriso dela estava errado, mas na sua cabeça de quatro anos não conseguia entender exatamente. A fitou confuso por alguns segundos, até lembrar o que havia acontecido e perceber a dor em sua cauda. E quando a percebeu, ela pareceu piorar e começou a chorar.
Era perceptivo o bastante para saber que não deveria fazer barulho naquele momento, por isso chorou o mais silencioso que conseguia. Eles estavam fugindo dos monstros. Mas os outros não estavam ali. A última coisa que lembrava era...Adella. O sangue da Adella e então...espuma.
"Shh, Ariel. Mama está aqui. Mama vai te proteger."
A voz dela estava errada também. Baixa e trêmula demais.
Se agarrou mais forte a ela, chorando o mais baixo que conseguia. O link que sempre tivera com suas irmãs não estava mais lá. Nem mesmo Attina.
No lugar havia um vazio, e dor.
Ao longe, Atlantis ruía.
...............
Presente
"O que está acontecendo?"
O som doloroso vindo de Ariel que os olhava em choque, finalmente notando o que saia do ferimento, os tirou do torpor em que se encontravam. Antes mesmo que a mulher pudesse lhe responder algo, com a familiaridade de anos, Max havia erguido Ariel e o sentado na mesa no momento em que o sentiu escorregar dos seus braços.
Tentou não pensar o quanto era estranho que a mulher também sabia exatamente o que fazer, como se tivessem trabalhados juntos nisso durante anos.
"Ariel, ei, olhe para mim." Segurou o rosto entre suas mãos. A pele dele estava gelada, a respiração rápida, os olhos arregalados no corte na palma da mão, onde aquele liquido estranho escorria. "Vai ficar tudo bem, vamos cuidar desse corte agora, vai ficar tudo bem."
"Segure bem ele. O distraia."
Nem mesmo pensou em desobedecer. Não com a voz com a estranha autoridade de uma realeza. E Max quase riu com esse pensamento. Ainda assim distraiu seu filho da cena assustadora, da espuma que escorria aonde deveria haver sangue. Olhou de relance e ela segurava a mão dele entre as suas, uma expressão concentrada, o cabelo castanho ao redor do rosto. Quando ela as removeu, o corte estava fechado,sem nenhuma cicatriz sequer. Ao olhar Ariel, a cor havia retornado ao rosto dele, até mesmo aos lábios, mesmo que ele ainda parecesse tão assustado e doente.
Foi empurrado do caminho e ela tomou seu lugar segurando o rosto dele, procurando algo de modo frenético, para então abraçar o garoto com força. Max notou que agora era ela que parecia mais pálida, de uma maneira doentia. Como se houvesse sugado o mal que afligia Ariel para si e apenas o pura força de vontade a estivesse mantendo de pé.
"Quando foi a última vez que ele entrou no mar?"
A pergunta o pegou desprevenido, os olhos focados na cena. Ainda em choque.
"No dia em que vimos você." Pegou a mão de Ariel. O garoto tinha os olhos arregalados nos seus por cima do ombro da mulher. "E ontem...ontem coloquei água do mar na banheira."
"Não é a mesma coisa." A voz frenética e desesperada dela o interrompeu.
"Eu sei, mas funcionou. Não podia leva-lo, não depois de ver...você lá, eu pensei que..."
"Não faz sentido. Ele não precisaria do mar em semanas, não morando tão perto, por isso ficamos nas costas quando em terra, isso não devia estar acontecendo assim, há algo de errado...tem algo..."
Ela paralisou de repente, os olhos arregalados. Ela perguntou algo quietamente a Ariel, que pareceu hesitante por instantes antes de assentir. A expressão dela se tornou algo mais horrorizada, enquanto apontava para o colar estranho em seu próprio pescoço.
"Do que estão falando?" Max tocou no ombro da mulher frustrado, a fazendo o encarar. "Por que espuma saiu de um corte no meu filho e ele parece tão cansado sempre e gelado? E eu sei que ele pode passar semanas fora do mar, eu o criei, mas nos últimos dias, em menos de dois dias ele já fica assim, parece que Ariel está..."
"Morrendo."
A expressão dela estava dolorida. Sua mão parecia paralisada no ombro dela.
"O que..."
"Ele este morrendo. O mar está o chamando de volta."
"Não, não, não."
Em segundos estava de frente a Ariel, a expressão dura na mulher. Mesmo com o que dissera a Sam, naquele momento o medo era maior. Queria que ela fosse embora e os deixasse em paz. E o pior de tudo, é que ela o olhava com...entendimento.
"Se ele não voltar, ele vai morrer." Ela falou devagar.
Nesse momento Ariel falou algo, a mão fria no ombro de Max. A mulher o olhou de forma dolorosa, negando a cabeça. O som vindo do seu filho ficou ainda mais desesperado.
"Me desculpe." Ela falou. "Você não pode ficar, Ariel."
O coração de Max apertou. Ariel queria ficar. Com ele. Ele encontrava sua família de verdade, mas queria ficar com Max. Se virou e os olhos dele estavam atormentados, cheios de lágrimas. Ele o abraçou com força, falando algo que não conseguia entender.
E toda a luta se foi quando sentiu o quanto gelado ele estava.
"Se ele voltar ele vai ficar bem?" Perguntou baixo, mas a mulher o ouviu.
" Eu...Eu não sei. Mas é a única chance que ele tem por agora. A única maneira que tenho de ajudá-lo é em Atlantis.
A olhou por sobre o ombro, não se importava de ela ver as lágrimas que tentava segurar. Ariel o apertou mais forte.
"Há mais, algo que não está contando."
Ela fechou os olhos e suspirou.
"Se tudo der certo, não vai precisar saber."
Queria brigar, exigir. Mas se sentia tão exausto naquele momento. Ariel iria embora, iria perdê-lo, como sempre temeu.
"Eu sinto muito."
Riu, sem humor.
"Você não sente. Você ia levá-lo de qualquer forma."
"Não se ele quisesse ficar."
Olhou para ela, surpreso. A expressão dela estava aberta. Como se falasse a verdade.
"Ele ama você."
"Você disse que ele era sua única família que restava, você disse."
"Ele ama você." Ela repetiu.
Ela parecia tentar falar algo com aquilo, algo crucial. Antes que pudesse perguntar mais, no entanto, Ariel exigia sua atenção. As mãos frias e pequenas no seu rosto, o obrigando a encará-lo. E ele parecia cansado, triste e tão mais velho naquele momento. Como se tivesse envelhecido anos nos últimos dias.
A decisão de Max estava tomada.
..................
Havia algo o esperando quando chegou em casa.
Eric olhou intrigado para a cesta de palha na sua porta. Se agachou para analisá-a, desconfiado. Haviam depósitos com comida diversas e algumas ostras. Agradecimentos ao que parecia. Suspirou, ainda sentindo-se estranho. Havia caminhado pela ilha durante o dia todo e ainda sentia aquilo. Como se estivesse procurando algo.
Franziu a testa e se ergueu, trazendo a cesta para dentro e distribuindo conteúdo pela mesa, pensando em uma forma de guardar aquilo tudo para devolver as vasilhas.
Foi quando esvaziou que encontrou um objeto estranho dentro. Parecia um colar. Seus olhos foram de imediato nele, como se hipnotizado. Como um gatilho, algo surgiu na sua memória. Havia visto aquilo antes. Em alguém...uma mulher mas...não conseguia lembrar. Sua cabeça doeu ao pensar nisso.
Ainda sem o pegar, o analisou com cautela. De fato, era era um colar de conchas azuis e esverdeadas, no centro havia uma concha fechada. Hesitante e curioso, tocou o objeto, o colocando entre suas mãos. Uma sensação estranha o tomou e franziu o cenho, tentando abrir a concha do meio por alguns instantes, sem sucesso.
Suspirou e jogou o objeto no balcão. Continuou o olhando, como se se o fitasse por muito tempo, lembrasse de onde havia visto esse colar antes, no entanto, a única coisa que lhe vinha a mente, era como a cor das pedras lembrava da cor dos olhos de Ariel.
Ariel.
Tinha que ver Ariel. Durante todo o dia, por alguma razão, havia evitado em ir visitar o garoto. Havia um misto estranho da necessidade de vê-lo e outro de cautela em não ir. Uma culpa estranha que não conseguia entender. E algo a mais, algo que por mais que tentasse trabalhar em sua cabeça não conseguia entender.
Ariel Ariel Ariel.
Balançou a cabeça e empurrou o colar longe, colocando a cabeça entre as mãos.
Max não o queria perto de Ariel e com boa razão. O garoto lhe trazia reações estranhas. Por um lado, quando esteve com ele no farol, foi o melhor que se sentiu em muito tempo. Lhe lembrava da primeira vez naquela ilha, ainda criança. De caminhar perto da praia, subir nos barcos ancorados no porto no meio da noite e...
Espera, quando isso aconteceu?
Franziu a testa, abismado. Não fazia tanto tempo assim que esteve naquela ilha, doze anos não era tanto tempo para ter a memória tão embaralhada sobre isso. Ele lembrava do acidente com Marina, dela cair da balsa, de ir atrás dela. De irem embora algum tempo depois de volta para Londres.
De sair da pousada durante a noite e ir para os barcos, procurando algo na água. Uma cabeça surgir entre os barcos. Um sorriso no rosto. Olhos da cor de mar.
"Mas que diabos."
Isso é real? Essa memória é real?
Olhou o colar e o tocou de forma hesitante novamente.
Risadas no meio da noite, seus pés tocando a água. Uma cauda verde brincando ao redor de suas pernas enquanto falava e falava sobre sua casa e Marina. Sobre como guardaria aquele segredo de Marina.
Uma despedida: "Um dia eu volto..."
"...para você."
Largou o colar de supetão, sua respiração forçada.
O impulso que sentiu durante o dia parecia ainda mais forte, o levando a sair novamente de casa, em direção as dunas conhecidas. Quando deu por si, estava parado na porta da casa de Max. Sua mão levantada, pronto para bater na porta.
Antes que tivesse noção exata do que falar, a porta se abriu de supetão e encontrou olhos grandes e cor do mar o fitando.
A estranheza que sentira o dia inteiro se foi abruptamente. Notou, confuso, que ali estava o que procurava.
Foram apenas alguns segundos os dois parados, se encarando.
"Ariel!" Um a voz gritou de dentro e o garoto passou por seu lado, correndo em direção a praia sem olhar para trás.
Foi o bastante para Eric perceber algumas coisas:
Primeiro, havia algo errado com seu coração, com certeza.
Segundo, Ariel estava muito pálido, uma aparência doentia.
Terceira, Ariel estava chorando. Os olhos mar quebrados e tão desesperados que Eric sentiu uma dor em seu peito ainda mais intensa.
Antes mesmo que Max chegasse na porta aberta para correr atrás do filho, Eric já havia ganhado a praia atrás do garoto.
.....................
13 anos atrás
Quando abriu os olhos novamente, a dor havia diminuído. Piscou grogue, por segundos entrando em pânico ao se ver sozinho. Até notar sua mama do seu lado. Estavam entre algumas pedras, bastou um olhar dela para saber que estavam escondidos.
Nadou para mais perto e se surpreendeu ao não sentir a dor horrível. Olhou para baixo e viu que sua cauda não estava mais praticamente destruída pelo monstro. Olhou para sua mama confuso, e então percebeu o quanto mais pálida ela estava. A testa franzida. Sua mama estava sentindo dor. Era como Attina então, quando ela curava ele. Sua mama tinha curado sua cauda,e agora sentia dor.
"Ariel."
Olhou para cima, estressado, confuso, triste. Sua mama sorria levemente.
"Mama vai te proteger. Mas precisa fazer algo por mim."
A voz dela estava séria e baixa. Arregalou os olhos ao ouvir um som conhecido. Seu coração batendo forte. Eram os monstros. Perto. Muito perto. Sua cauda agitou na água,e logo sua mama estava ali, o abraçando, o acalmando.
"Olhe para mim meu amor, só para mim."
As mãos dela tocaram seu rosto, o fazendo focar. A expressão dela estava firme. O tremor havia sumido e Ariel sabia que algo ia acontecer. O vazio em seu peito doeu mais ainda e se agarrou a ela com força. Ou tentou, sua mama o fazendo soltá-la devagar.
Ariel começou a chorar baixo, sua cauda recém curada agitada tentando a impedir de se afastar. Os monstros estavam lá fora, do outro lado das pedras.
"Ariel, preciso que fique aqui, não importa o que aconteça, fique aqui. Quando tudo acabar, nade, para cima, sempre para cima. Tudo bem?"
"Mama... " Negou, lembrando de sangue e espuma na água.
"Vai ficar tudo bem. Attina vai buscar você. Vocês dois vão ficar bem, mas tem que me prometer, não importa o que aconteça, o que ouça, vai ficar quietinho."
Não queria, mas assentiu. Sempre obedecia mama. Mesmo sendo teimoso, sabia que ela nunca fazia nada que não fosse por um bom motivo. Era o que Attina sempre dizia.
Mama sorriu,e se abaixou mais, tocando seu rosto com o dela.
"Meu Ariel. "
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