Capítulo 4. Beiramar Estreito II
Imaginar que minha mãe estava partindo, era muito difícil, mas eu consegui manter minha cabeça no lugar, ou quase. Falar com Joana poderia não ser uma das ideias mais inteligentes, mas confesso que agi na emoção.
Conversei com o porteiro do condomínio. Sabia que se ele tivesse que ligar para Joana para me autorizar a entrada, a resposta seria negativa. Tinha que inventar uma desculpa.
- Então, Marcelo, é o seguinte. Estou grávida de Tomás e preciso falar com Joana. Você sabe como ela é. Se você disser que sou eu, ela nunca vai me permitir entrar. E eu preciso conversar com ela sobre esse filho que estou esperando. – Menti descaradamente, mas funcionou. Nenhum funcionário tinha simpatia por Joana, o que tornou tudo mais fácil.
Andei até o portão da mansão, onde Joana estava brincando com os dois cachorros do lado de fora da casa. Me aproximei, e antes mesmo que pudesse anunciar minha chegada, a megera já sabia que eu estava ali.
- Bem, vejamos se não é a ladra. – ela disse sem ao menos se virar para me ver.
- Como você sabia que eu viria? – perguntei sem saber ao certo como ela sabia.
- Posso não ser a mais queridinha dos funcionários do condomínio, mas ainda assim tenho alguns amigos bem leais. Esse Marcelo já passou do tempo de procurar novos ares. – ela respondeu de forma calma e orgulhosa. Senti que não conseguiria nada ali, mas já que estava lá, não custava tentar.
Passei pelo portão, me dirigi até onde ela estava brincando com os cachorros, sentei em frente a ela, tentando captar sua atenção.
- Eu gostaria de falar um pouco com você. – falei de forma envergonhada, procurando o jeito certo e mais diplomático de pedir dinheiro. Ela ficou em silêncio.
- Bem, gostaria primeiramente de pedir desculpas pelas artes que roubei. Não era minha intenção. Prometo que no futuro, quando tiver dinheiro, vou comprar outras.
- Aquelas eram únicas, como você acha que poderia comprar outras? – ela perguntou, sem ainda se virar para mim, mantendo a atenção nos cachorros e bebendo um pouco de algum suco verde. Engoli em seco e continuei.
- Minha mãe contraiu câncer no pulmão. Ela está no hospital realizando quimioterapias após passar por uma cirurgia. Já pagamos diversos exames e agora precisamos de mais exames para acompanhar a situação e saber como está a evolução do tumor. – falei de forma constante, tentando adentrar o coração daquela velha, se ali houvesse alguma compaixão.
- É uma pena mesmo, ela era uma empregada... digamos, razoável. Mas e aí, o que eu tenho a ver com isso? Não me diga que quer dinheiro? – ela questionou de forma dura e sem demonstrar qualquer sentimento, o que ficava claro pelas palavras.
- Eu preciso de um pouco de dinheiro para bancar esses outros exames. Garanto que, em breve, vou trabalhar e pagar tudo, com juros, se preciso for. – pedi da forma mais amigável possível. Ela sorriu de uma forma que me senti humilhada.
- Você e sua mãe são mesmo umas caras de pau. Como podem? Eu paguei tudo que eu poderia a sua mãe para que a criasse com todo o conforto que você merecia. Você está criada, vai viver a sua vida e me deixe em paz. – ela respondeu ao meu pedido. Em nenhum momento olhou nos olhos, sem demonstrar qualquer complacência com a empregada que, por anos, a ajudou a criar seus filhos.
- Ela é minha mãe, eu jamais faria isso com ela, deixá-la e partir.
- Sinto muito então, mas não tenho dinheiro. – ela respondeu.
- Você poderia ao menos olhar nos meus olhos para responder ao meu pedido. – falei, em um ato de coragem, mesmo sabendo o que ela poderia fazer contra mim.
- Poupe-me de tamanho desprezo. – ela respondeu, o que me deixou furiosa.
- Por que você me odeia tanto? – perguntei, provocando-a.
- Odiar você? Não perderia minha energia com isso. Você é algo que eu faria de tudo para nunca mais ter o desprazer de ver. – ela falou.
Peguei o chá verde ou o que quer que fosse e joguei com toda a vontade naquela mulher. Os cachorros correram atrás de mim, e tudo o que pude fazer foi correr instintivamente. Sabia que Joana poderia vir atrás de mim com um cachorro, e minha sorte é que eu e Tomás sabíamos de todas as saídas secretas do condomínio. Foi por uma delas, uma passagem aberta no muro, que consegui sair dali.
Corri e peguei o primeiro ônibus que passou na rodovia. Não fazia ideia para onde ele iria, mas minha esperança era que ele fosse até o terminal de ônibus da cidade.
Tive sorte, pois foi exatamente lá que o ônibus parou. Estava a salvo e tranquila, sentei em um banco e esperei pelo ônibus que iria para o meu bairro. Não demorou muito para o meu celular tocar, atendi o número desconhecido achando que seria Joana para me xingar.
- Alessia? Tudo bem?
- Tudo bem, quem é? – perguntei nervosa.
- Aqui é do hospital, onde sua mãe estava internada.
- Estava? – comentei. Nesse momento me recostei da forma mais confortável que poderia.
- Sim, estava. Sinto muito, Alessia, mas Helena veio a óbito algum tempo depois que você saiu. Tentamos de tudo, mas devido ao avanço do tumor, acreditamos que a cirurgia não tenha sido suficiente e muito menos a quimioterapia. Sinto muito mesmo.
Senti-me destruída por dentro. Tentei me manter positiva em relação à situação que minha mãe estava passando, e não cheguei a pensar, apenas tive alguns momentos de hesitação, na possibilidade da morte. Isso, finalmente, aconteceu, e fiquei assustada e desesperada.
O rapaz que me ligou passou o restante das instruções que eu precisava saber e mencionou uma carta que minha mãe havia deixado para ser entregue em minhas mãos.
No ônibus, indo em direção ao hospital, pensei em como seria daqui para frente, sozinha, sem ninguém para me ajudar.
Fiz todo o processo necessário, e o corpo de minha mãe seguiu para o IML, onde seria tratado da melhor forma possível para o enterro. Avisei a todos que podia, dona Lúcia, minha tia, meu avô e até mesmo Joana, com um convite especial para Tomás. Como seria bom se ele estivesse ali comigo.
Claro, vou corrigir e melhorar o texto:
Cheguei em casa, abri a porta, e tudo parecia muito sombrio, pesado e denso. Uma atmosfera de tristeza pairava por aquela casa. Joguei-me na cama e comecei a ler a carta deixada por minha mãe.
"Alessia, se você está lendo esta carta, provavelmente eu parti. Não quero que você chore por mim, quero que se lembre de você feliz, minha menina. Você se tornou uma garota incrível, uma mulher incrível. Sei que será uma grande doutora no futuro, pois capacidade e inteligência para isso você tem. Eu já sabia que não tinha muito tempo, o médico me disse, mas pedi que não contasse a você. Não pretendia gastar o dinheiro que gostaria de deixar para você, mas já não havia mais tempo para mim. No entanto, vou ficar te vigiando lá do céu, viu? Torcendo por você! Deixei uma conta bem gorda para você bancar seus estudos. A conta está em um papel dobrado, em um fundo falso na minha bolsa. Tenho certeza de que, se você se controlar, será o suficiente. Além disso, gostaria de dizer que te amo muito e quero que você me prometa que vai se formar e se tornar uma psicóloga incrível. Beijos, filha. Te amo!"
- Eu prometo, mãe. Eu prometo. – respondi ao final daquela carta, emocionada.
O enterro de minha mãe foi singelo, com alguns poucos amigos e conhecidos. Lúcia e minha tia estavam presentes, ambos me ofereceram suas casas para que eu morasse com eles, mas recusei.
Despedir-se é sempre difícil, mas ergui a cabeça e continuei a luta. Prometi a minha mãe que correria atrás dos meus sonhos, e assim o fiz. Verifiquei a conta bancária à qual minha mãe se referia, o total guardado naquela conta era de R$ 400.000, o suficiente até mesmo para pagar uma faculdade. No entanto, decidi estudar para passar em uma universidade pública.
Estudei com afinco naquele ano, horas e horas de estudo antes do Enem. No dia da prova, levei a carta de minha mãe e a li várias vezes no trajeto para a escola onde seria realizada a prova.
O resultado foi uma nota 772, o suficiente para entrar no curso de psicologia na UFRJ, no Rio de Janeiro. Pensei em continuar em Florianópolis, mas a UFRJ é uma das melhores faculdades do país e a psicologia de lá é uma das melhores do Brasil. Mudei minha vida drasticamente desde então.
O Rio de Janeiro se tornou minha nova casa.
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