Prólogo
Nas ruas da Cidade Fluorescente um anjo da morte caminhava despreocupado e sem destino aparente. A foice mortal girando em uma de suas mãos refletia os raios de luz vindo do céu límpido. A lâmina brilhava impecavelmente como se nunca tivesse sido manchada com sangue e almas mundanas. A beleza mortal de sua arma e a forma como ela cortava a carne dos pecadores — embora isso acontecesse apenas no mundo espectral e não na realidade — era uma das poucas coisas que Lynx ainda apreciava em sua existência. Os humanos viam os anjos como criaturas benevolentes, mas bondade não era gentileza e anjos podiam ser muito cruéis se quisessem.
Ele era um desses, em algumas ocasiões.
A linha entre o bem e o mal sempre havia sido tênue para ele, e nos últimos séculos havia se tornado extremamente distorcida. Em outros tempos ele consideraria que matar era errado, mas agora era apenas seu trabalho. Sempre fora e ele nunca teve escolha. No entanto, pensar assim era apenas uma desculpa para si mesmo, um modo de não enlouquecer por não ter outra saída.
Naquele momento, ele era o único caminhando pela larga rua principal, franzindo a testa para o brilho ofuscante daquele lugar sem a menor ideia de que possivelmente era a última vez.
Havia muitos níveis no céu, que para facilitar eram chamados de cidades, como um grande país celestial. O nível de Lynx era o lar dos Ceifeiros, cujos seres eram de certa forma, responsáveis pelo fim da vida dos humanos. A cidade era composta por várias casas de aparência futurística por fora, embora não houvesse tecnologia do lado de dentro, já que anjos não tinham as mesmas necessidades banais dos humanos. As construções eram feitas de vidro e metal com paredes pintadas de branco, que rodeavam um enorme edifício central chamado de a Torre de Prata Celestial, que era usado para reuniões e julgamentos. Coisas que raramente aconteciam. Não havia muito o que se discutir sendo um anjo da morte e anjos no geral raramente saiam da linha a ponto de precisarem ser julgados. A única cor viva naquele mar neutro, era o verde azulado das colinas e lagos ao redor da imitação de civilização.
Era chamada de Cidade Fluorescente porque o brilho do céu eternamente esbranquiçado refletia nas casas e prédios assim sendo amplificado, fazendo parecer mais claro do que já era. E anoitecer ali não era uma opção, o dia era eterno como a existência dos anjos. Lynx só podia ver a lua e as estrelas quando ia para o mundo mortal.
Francamente, se ele pudesse sentir dor, certamente viveria assolado por fortes dores de cabeça por conta de tanta luz. Em todos os seus anos ali, nunca havia conseguido se acostumar, principalmente porque aquela cidade era tudo menos sua casa. Era tudo tão irritantemente claro e limpo. As ruas estavam quase sempre vazias porque os anjos raramente estavam presentes, e na maioria dos dias as casas ficavam inabitadas. Ele achava a Cidade Fluorescente o lugar mais chato do universo, mas dizer isso em voz alta seria blasfêmia.
Se pudesse, ficaria apenas no mundo mortal, mas quando estava lá, mal podia olhar em outra direção que não fosse seus alvos humanos. Queria poder explorar todas as coisas das quais não tinha permissão. Mas se havia algo em que o céu era bom, era em criar leis que não faziam o menor sentido. Ele entendia porque não podia interagir com os humanos, mas não entendia porque não podia se divertir como eles.
E a única vez podia interagir com eles era para matá-los.
A verdade era que ele era um anjo preguiçoso e achava seu trabalho monótono e um pouco mórbido, embora de vez em quando fosse divertido quando encontrava certos humanos tolos que mereciam o destino de sua foice. Nessas ocasiões, ele se divertia muito. Muito mesmo. Mas ele estava desanimado porque nos últimos tempos não andou tendo esse tipo de diversão.
Ceifar pessoas inocentes era o oposto de diversão, era entediante. Deprimente.
Teoricamente, ele era livre para ir aonde quisesse, mas isso era uma farsa pois sempre havia formas de se limitar a liberdade de alguém. Ele estava limitado a ser um ceifeiro pelo resto de sua existência e não tinha permissão para vagar pela terra a menos que fosse para cumprir seus deveres. Alguém lá em cima tinha um senso de humor muito peculiar, ao que parecia, pois era extremamente irônico que esse era o castigo dado a dele para se redimir pelos seus pecados. Pelo menos não havia sido transformado em um demônio.
Se aquilo era o céu, ele não queria imaginar como seria o inferno.
Sua caminhada sem rumo logo ganhou um destino, não adiantava ficar enrolando e ele tinha um prazo idiota a cumprir. Ele suspirou guardando sua foice com um clarão de poder, enquanto se dirigia para a ponte de transição entre os mundos. Todos os anjos tinham uma lista mental de todas as almas humanas, e as que eram da responsabilidade deles ficavam destacadas tendo que ser recolhidas dentro de um prazo determinado, do contrário haveria consequências. Lynx nunca achou que o paraíso pudesse ser tão burocrático.
A Ponte Transitória era um tanto longa e larga, feita de uma pedra branca brilhante. Levava a um portal em formato de arco que se erguia imponente até o infinito, assemelhando-se a um espelho, porém, um que mostrava outro mundo. Era por ali que os anjos transitavam entre o céu e a terra. Lynx caminhou lentamente e quando estava a centímetros do portal parou já podendo ver o movimento mundano lá embaixo.
—Talvez eu encontre algo interessante dessa vez. — Então o anjo pulou. Suas asas se abriram enquanto ele caia a dezenas de milhares de metros, passando pelo véu entre os mundos em direção a sua primeira vítima depois de algum tempo. O nome estava destacado em sua mente como se fosse uma placa de neon.
Alexander.
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