Capítulo 39 - Família não é só sangue
Fazia alguns dias que Alec não dormia direito.
Ao que parecia, sua habilidade de se manter calmo diante de situações extremas tinha um limite, e descobrir que não era totalmente humano cruzava as fronteiras de seu autocontrole. Como era possível que ele tivesse passado a vida com um poder que nunca tinha se manifestado antes, e agora isso despertasse do nada? Era como acordar um dia e descobrir que tinha um braço extra nas costas, parecia útil, mas você não fazia a menor ideia de como usar.
Não podia negar que era um pouco empolgante, mas a maior parte dele estava com medo dessa nova descoberta. Medo do que seria capaz de fazer se não aprendesse a controlar essa coisa. Não era questão de confiar em si mesmo, a questão era que ele não confiava nesses poderes. Como poderia, se sequer sabia de onde eles vinham? Alec sempre achou que o medo do desconhecido era algo idiota, que era coisa de pessoas limitadas, mas agora ele entendia. O medo do desconhecido andava lado a lado com a autopreservação, o instinto de proteger a si mesmo de coisas e situações, e talvez Alec só achasse idiota porque ele próprio nunca teve muito essa noção. Não vivia em busca do perigo, mas não hesitava muito quando ele aparecia.
A maior prova disso foi o fato de ele ter abrigado Lynx, que na época era um completo estranho, em baixo de seu teto. E ainda se apaixonar por ele.
Quando conheceu Luce, ela o olhou de uma forma peculiar, como se o estivesse avaliando. Apesar de Alec ter se sentido intimidado na época, não pensou muito disso, mas agora sabia o motivo. Desde aquele dia, ela notara que havia algo diferente nele, mas não soube identificar exatamente o que era.
Agora sabia, mais ou menos.
-Não consigo decifrar que tipo de poder é esse. - ela disse na noite em que Alec queimou Lynx acidentalmente. Luce semicerrou os olhos para ele. -Quero dizer, é parecido com o dos híbridos, mas... Tem certeza de que seus pais são humanos?
-Até meia hora atrás eu tinha, - ele se sentia meio anestesiado. - mas agora, vai saber.
Luce semicerrou os olhos, e abaixou a cabeça, olhando para o peito dele como se conseguisse enxergar algo dentro de sua caixa torácica.
-Olha, nunca vi um poder assim, mas seja lá qual for a origem... - ela ergueu o rosto encarando Alec diretamente nos olhos. -Você tem que começar a conhecê-lo e aprender a controlar, ou isso vai destruir você.
-Como assim destruir? - Alec gaguejou um pouco tentando não ficar apavorado com essas palavras. -Eu vou explodir?
Ela pensou um pouco na resposta.
-Não explodir exatamente. - falou. -Está mais para combustão espontânea, tipo, queimar até não restar nada.
Alec arregalou os olhos.
-Chega, Luce! - Lynx deu um passo a frente de cara feia para ela. -Você só está assustando ele.
-Infelizmente, Luce tem razão. - Amarantha falou, e a outra anjo caído fez uma expressão de "Viu, só?". Por um momento Alec encarou elas. Não era Luce que queria matar Amarantha alguns dias atrás? Todo aquele rancor e ódio... Não estava mais ali, e ele não estava nem um pouco surpreso. Amarantha continuou: -Consigo sentir que é um poder antigo. É possível que tenha passado para você de algum antepassado seu.
-Alguns seres, como eu e Amarantha, conseguem identificar se o poder de um híbrido é de origem angelical, demoníaca ou ambos. - começou Luce como uma professora de biologia sinistra. -Não consigo identificar isso vindo de você. Não consigo entender, mas consigo ver e sentir que é algo muito poderoso, porém, sem forma.
-Então Alec é um híbrido? - perguntou Lynx. Ele não parecia tão abalado quanto Alec, e também tinha uma expressão peculiar no rosto, como se finalmente tivesse entendido algo.
-É a explicação mais plausível. - ela parecia um pouco frustrada. -Existem casos de crianças humanas que nascem com auras de poder, é o que vocês chamam no mundo mortal de bruxas e feiticeiros, mas pessoas assim costumam se manifestar durante a infância.
-Isso explica melhor porque Azazel e o Ladrão de Almas querem você. - falou Lynx com os olhos escurecendo.
-Você não se lembra de nada a respeito disso? - perguntou Luce a Amarantha. Seu tom ao falar com ela não era mais tão rude. Amarantha balançou a cabeça.
-Tudo que lembro é que Azazel quer ele para um ritual. - ela respondeu. -Talvez tanto ele quanto esse tal Ladrão de Almas queiram absorver Alec, se fizerem isso, os poderes deles aumentam consideravelmente.
Alec não disse nada, mas estremeceu ao pensar nisso. Ficou parado ali na cozinha, tentando não se irritar com os olhares desconcertados, como se eles também não soubessem como prosseguir. Ele sentia como se estivesse descendo uma escada e de repente pisasse em falso, errando um degrau e caindo no vazio. Se ele não era completamente humano, o que mais sobre a própria vida ele ainda não sabia?
Depois disso, tanto Luce quanto Alec e Lynx passaram a investigar, pesquisar e tentar descobrir o que Alec era, de onde vinha seus poderes, mas não tiveram sucesso. A forma mais efetiva talvez fosse voltar no mundo mortal e tentar descobrir algo com os pais dele. Se ele fosse adotado ou se um deles não fosse de fato seu parente, isso poderia fazer mais sentido.
Logo a nova noticia se espalhou pela cidade. Não que desse para esconder, já que Alec continuava manifestando o sintoma estranho. Naquela noite, aos poucos as listras de poder esbranquiçado que tomavam conta de sua pele foram sumindo, mas ocasionalmente, luz pulsante vazava de seu corpo nos momentos mais aleatórios, como se ele fosse uma granada de luz. Seria engraçado, se ele não estivesse apavorado. De um jeito estranho, isso impulsionou sua popularidade ainda mais, fazendo com que a divisão não tivesse nenhum problema em aceitá-lo como vice. Até mesmo os amigos de Gus passaram a bajular ele, deixando Gus ainda mais infeliz, embora ele não se atrevesse mais a provocar Alec.
Por outro lado, essa situação também arruinou um pouco o clima ardente entre ele e Lynx. Isso era porque quando Alec perdia o controle sobre suas emoções, ele começava a esquentar. Literalmente. Na noite em que ele queimou Lynx, ficou tão angustiado e com medo de machucá-lo de novo que não se atreveu a tocar mais no anjo caído. Então fazia muitos dias que eles não se tocavam direito, e a tensão de querer algo proibido só tornava a situação ainda pior e mais torturante.
-Você sente o poder dentro de você, certo? Mas precisa tentar visualizar, dar forma a ele. - Lynx estava a alguns passos de distância, sua voz flutuou até ele com o vento.
Era fim de tarde e o clima estava ameno. Eles estavam no gramado da mansão. Colocando em prática o que Luce disse, conhecer e dominar o tal poder. Mas já fazia alguns dias que Alec estava tentando e nada acontecia. O poder só se manifestava de acordo com a própria vontade, como se fosse algo vivo e com consciência própria. Alec o visualizava como um gato, as vezes. Quando você o chama, ele apenas te encara e vira as costas, mas quando você menos espera o bichano deita no seu colo ronronando.
Mas isso não era de grande ajuda.
-Não consigo. - Alec reclamou sabendo que parecia uma criança com preguiça de fazer a lição de casa. -É como... como se eu tivesse um animal de estimação desobediente. Tipo um gato.
-Então você precisa domar ele. - Lynx rebateu. -Como você domaria um gato?
Isso era impossível. Gatos são indomáveis. Além disso, como se pode ver algo que não tem como ser visto? É como tentar dar forma ao ar. Alec fechou os olhos e suspirou deixando a filosofia do gato de lado. Ele tentou pensar na coisa mais simples e superficial que veio a sua mente. Uma bola de luz prateada flutuando na escuridão. Se fosse ser mais realista, era assim que ele imaginava essa coisa dentro dele. Como uma estrela pairando no espaço, disparando flashes de luz. Frio, mas capaz de queimar e cegar.
-Estou visualizando, e agora? - ele pôs as mãos na cintura. -Faço o que com isso?
Lynx reprimiu uma risada.
-Você não está levando isso a sério. - a voz dele parecia mais perto.
-Como não? - o tom dele foi agudo e injustiçado. Alec mantinha os olhos fechados, mas conseguia sentir a aproximação de Lynx.
-Você precisa imaginar isso como algo parte de você, não algo separado como tenho certeza de que está fazendo. Seu poder não é algo a parte, é intrínseco a você. - Lynx explicou pacientemente. -Pode pensar em alguma analogia, tipo a coisa do gato que estava fazendo.
-Como você entende tanto sobre isso também? Foi assim quando você virou anjo?
-Mais ou menos. - Lynx tirou uma mecha de cabelo do rosto dele. A mão mal tocou sua pele, mas ele sentiu um tremor. -Não precisei a aprender a controlar, mas tive que aprender a conviver com ele e descobrir como funcionava. Quais eram os limites.
-Azazel te ensinou? - Alec abriu os olhos. O sol refletia nos olhos de Lynx deixando-os mais claros, como vidro.
-Um pouco. - ele respondeu a contragosto. -Eu não o via tanto assim, aprendi mais com Castiel.
-Ainda não entendo o que ele quer com tudo isso. - falou, e então se corrigiu: -Bom, agora sabemos mais ou menos o que ele quer, mas... Eu sinto que tem mais nessa história, coisas que tenho até medo de descobrir.
-Então não vamos falar sobre isso agora. Foco. - ele sorriu superficialmente.
Alec bufou, então tentou de novo. Fechou os olhos. Ele imaginou um campo como o que estava agora, mas no meio desse campo tinha uma árvore, sem folhas, apenas galhos vazios, mas suas raízes estavam expostas, se enrolando na base do tronco, cujas raízes brilhavam em um tom de prata. Ele era a árvore, e as raízes brilhantes eram o tal poder. Estranhamente, funcionou, ele começou a sentir a coisa rastejando por suas veias. O calor familiar começando a se formar no peito. A voz suave de Lynx continuou:
-Muito bem. Agora pense nisso como algo que você possa controlar, usar ao seu favor.
Alec imaginou folhas crescendo nos galhos desnudos da árvore, e consequentemente sentiu o poder imergir dentro dele. Começava no peito, uma sensação morna que ia aumentando até esquentar e se espalhar pelos membros. Nesse momento, Alec se imaginou guiando essa coisa quente, fazendo se acumular, como a árvore acumulando poder das raízes para fazer as folhas crescerem. Involuntariamente, ele estendeu uma das mãos e abriu os olhos. Um jato de luz fluorescente explodiu de sua palma. Se Lynx não fosse rápido e tivesse asas, teria acertado ele em cheio.
Lynx voou para trás sorrindo com satisfação, mas Alec ficou horrorizado. Ele desabou na grama, apoiando a cabeça entre as mãos.
-O que houve? - Lynx sentou ao lado dele, e Alec se afastou. -Você foi muito bem.
-Eu quase fritei você.
-Eu sou muito rápido.
-Lynx, isso é sério. - ele odiou a angustia na própria voz. E odiava se sentir assim. -Eu podia ter te machucado. E se eu acabar machucando?
-Não é por isso que estamos fazendo isso? - o tom condescendente dele fez Alec se sentir pior. -E olha o progresso que você já fez? Conseguiu liberar o poder por vontade própria, em vez de deixar ele dominar você. Já sabe como, só precisa continuar praticando agora.
-Acho que tem razão. - Alec suspirou. Tentou se livrar da náusea, e reunir otimismo. -Eu consigo fazer isso.
-Nunca duvidei de você, amor. - Lynx segurou o queixo dele, mas Alec tentou se afastar.
Alec não acreditava que conseguia fazer isso e também não confiava em si mesmo perto de Lynx, cujo anjo franziu os lábios.
-Ei! Eu te ajudei nisso, mereço um beijinho. - ele se aproximou de novo com teimosia, e Alec não teve forças para se afastar. Apesar de tudo, sentia muita falta dele.
-Acho melhor... - os lábios de Lynx tocou nos dele tão de leve que mal foi um toque. -Acho melhor a gente não exagerar. Eu perco o controle com você.
Lynx se afastou suspirando.
-Tá bom. - disse. -Vamos entrar, vou fazer alguma coisa para você comer.
Alec se levantou limpando a calça.
-Mas usa roupa, por favor.
Lynx gargalhou.
-Foi você quem colocou esses termos para ser meu vice.
-Sim, sim. Pego na minha própria armadilha.
Enquanto Lynx cozinhava, Alec pensava sobre sua nova condição - ele não conseguia pensar sobre outra coisa. Ele nunca tinha sentido que pudesse ter algo diferente com seu corpo. Por que isso estava acontecendo só agora? Seria por causa de sua imersão no mundo sobrenatural que fizera esses poderes despertarem? Ele já tinha visto de tudo nos últimos meses, mas aparentemente, ainda podia se surpreender. Era surreal. Apenas uma coisa era certa, havia alguém na sua família que não era humano. Mas quem? Seus pais sempre pareceram extremamente normais, os tios e avós ainda mais. O palpite dele era que ele tinha sido adotado. Não ter uma resposta para isso o perturbava mais do que o fato de que ele disparava fogo branco pelas mãos.
-Sinto falta de ver TV. - Alec falou mais tarde, encarando o teto.
Fazia algum tempo que os dois estavam deitados na cama lado a lado, Alec tentava dormir. Eles ainda passavam a noite juntos, mas não faziam mais do que isso, mantendo uma distância segura. A princípio, porque quando Alec acordava Lynx estava grudado nele que nem um macaco em um galho de árvore, embora algumas vezes ele próprio tenha procurado o anjo no meio da noite. Lynx ainda não precisava dormir, mas sua nova condição de anjo caído permitia que ele ficasse em um estado semi inconsciente se ele quisesse. Tipo um cochilo bem leve.
-Quando a guerra acabar e matarmos Azazel, vamos ficar um tempo no seu apartamento maratonando séries e jogando videogame. - Lynx virou a cabeça para olhá-lo.
-Sim, por favor. - Alec rolou ficando de frente para ele. -Castiel também tinha planos de trazer algumas tecnologias para dentro da cidade, quando encontrarmos ele...
-Alec...
-Ele está vivo. - Alec disse com mais certeza do que sentia. -O Castiel que conhecemos não cairia tão fácil assim.
-Espero que esteja certo.
-Lynx... - Alec encarou as tatuagens no peito exposto dele por um momento, pensativo. -Você suspeitava disso, né? Que tinha alguma coisa errada comigo.
-Não tem nada errado com você. - ele pegou uma mecha do cabelo de Alec e começou a enrolar no dedo. -Mas sim, eu suspeitava. Não falei nada porque já tinha muita coisa acontecendo, eu não queria sobrecarregar você ainda mais com uma suspeita sem fundamento.
-Eu agradeço sua preocupação comigo, mas me lembro de ter dito uma vez que prefiro saber das coisas do que ser pego de surpresa depois.
A mão acariciando o cabelo dele parou por um momento, Lynx abriu a boca como se fosse dizer algo, mas desistiu e retomou a carícia.
-Boa noite, Alec.
Foi assim que o reino dos sonhos finalmente alcançou Alec, sugando-o para dentro de pesadelos confusos. Tronos destruídos, casas em chamas. Ele viu um mar de rostos conhecidos, mas nada do que acontecia nos pesadelos fazia sentido. Eram apenas um turbilhão de imagens desconexas, mas o desespero estava presente em cada uma delas, como se significassem algo. De repente, o pesadelo se demorou em uma cena especifica. Alec com as mãos cobertas de sangue, havia um corpo a sua frente e uma risada triunfante, alguém se deleitando de sua desgraça como um corvo cantando ao redor de uma carcaça vazia.
-Alec! Alexander! - ele ouviu alguém gritar de muito longe. Mãos fortes sacudiam seus ombros. Ele abriu os olhos e demorou alguns segundos para assimilar a cena.
Estava na cama, no quarto da mansão. Lynx estava sobre ele, suas mãos estavam nos ombros de Alec tentando acordá-lo. Alec sentiu o cheiro de queimado antes de olhar para a roupa de cama. Quando percebeu o que estava acontecendo, empurrou Lynx e se levantou tão rápido que bateu na mesa ao lado da cama derrubando tudo. Ele estava muito quente, e quando olhou para os braços, veias brilhantes percorriam a pele. Os lençóis estavam cheios de buracos queimados, assim como o colchão, mas o que fez Alec desabar foram as mãos de Lynx, vermelhas e cheias de bolhas. Já estavam se curando, mas, ainda assim, era a segunda vez que o machucava.
Sentindo os olhos queimarem, ele não disse nada, apenas saiu correndo do quarto. Sem pensar, entrou na biblioteca e trancou a porta, desabando no chão perto da janela. E se essa coisa realmente destruísse ele? Pior, destruísse Lynx? Alec abraçou os próprios joelhos, se encolhendo na parede. Ele ainda sentia o poder se contorcendo dentro dele. Ele não queria isso, não queria aceitar essa coisa nova e desconhecida, mas era parte dele e ele não tinha escolha.
Apesar do calor, ele tremia. Aos poucos foi tentando se acalmar, mas a coisa estava inquieta, como se estivesse prestes a colapsar. Ele sentia como se fogo liquido tivesse substituído suas entranhas e seu sangue. No entanto, o que o deixava com raiva, era que apesar disso, o tormento era mais mental do que físico. Sua mente estava lutando contra esse poder, como o corpo usaria os anticorpos para combater um vírus. Mas fisicamente, Alec não se sentia mal. O calor era bem-vindo, e ele queria deixar essa chama em seu peito explodir e incendiar o mundo inteiro. E era esse o problema.
-Alec... - uma batida na porta. Em seguida alguém girando a maçaneta. -Alec, abre a porta. Fala comigo.
-Eu quero ficar sozinho. - ele respondeu baixo, sabendo que Lynx ouviria mesmo assim.
-Não precisa lidar com isso sozinho.
-Lynx, por favor. Me deixa sozinho.
Um suspiro do outro lado da porta, então um barulho no chão.
-Vou ficar aqui até você falar comigo.
Alec encostou a cabeça na parede e fechou os olhos tentando não pensar. Quando os abriu, percebeu que tinha caído no sono e o dia tinha amanhecido. O sol formava listras no piso de madeira, entrando pela janela acima de sua cabeça. Ele ficou um tempo parado, esperando. Sua temperatura corporal estava normal agora. A pele não estava brilhando como se ele tivesse enrolado fita de LED no corpo. Ele se levantou e abriu a porta da biblioteca. Deu de cara com Lynx sentado no chão, sua expressão era preocupada, mas ao ver Alec os olhos se iluminaram. Levantando-se do chão, ele fez menção de abraçar Alec, mas parou. Não porque estava com medo de se queimar, mas porque sabia que Alec não queria ser tocado.
Lynx abriu a boca para dizer algo, mas ele foi mais rápido:
-Não me pergunte se estou bem, odeio mentir. - disse secamente, passando por Lynx no corredor.
Um dos defeitos de Alec era que quando ele estava emocional e psicologicamente abalado, ele se tornava extremamente mal-humorado, e acabava descontando nas pessoas. Por isso ele sempre se esforçava muito para manter a positividade e a calma, porque ele odiava ser assim. Não combinava com ele. E no fundo, sabia que ninguém tinha culpa de seus problemas.
-Está com fome? - Lynx perguntou seguindo ele.
-Não. - Alec se virou para encará-lo. -E ainda quero ficar sozinho.
Quando ele voltou a seguir seu caminho, Lynx não foi atrás. Alec se odiou ainda mais naquele momento, mas era melhor assim. Mantê-lo afastado para não machucá-lo de nenhuma forma.
Tudo que Alec queria era tomar um banho para tirar aquela sensação grudenta da pele. Ele não entrou no quarto deles, entrou no quarto onde ele tinha dormido durante meses e depois de se lavar se jogou na cama. Buscando a inconsciência que o impediria de pensar. Quando acordou de novo, tinha anoitecido, e o que o despertou foram os sons de vozes na sala no andar de baixo. Ele saiu da cama e foi para o corredor, parando no pé da escada.
-Não sei se é uma boa ideia, ele só diz que quer ficar sozinho. - era a voz angustiada de Lynx.
-Ele acha que precisa ficar sozinho, não significa que realmente precise. - Luce falou.
-Cadê ele? - perguntou Cain.
-Lynx disse que passou o dia dormindo. - respondeu Angela.
-Vá acordá-lo, Lynx. - disse a voz suave de Gabriel.
-Já estou acordado. - Alec entrou na sala de estar. Estavam quase todos sentados no sofá, até Levi, quem ele não tinha ouvido se pronunciar. -O que é isso? Uma intervenção? Não estou usando drogas, só me transformei em um molotov ambulante.
-Guarde o senso de humor ácido para depois. - Luce falou, era a única de pé, próxima a janela. -Estamos aqui para ajudar.
Alec engoliu o nó que se formou na garganta, junto com a irritação.
-Eu agradeço, de verdade. - ele se preparou para sair do recinto antes que fosse desagradável com alguém. -Mas não acho...
-Senta. - Luce ordenou interrompendo ele. Alec se sentia como uma criança, mas ele fez o que ela pediu. Sentou-se em um dos sofás e cruzou os braços encarando o chão.
-Eu sei que querem me ajudar, mas vocês não entendem...
-Quando eu tinha doze anos minha mãe morreu e meu pai me vendeu para um bordel do submundo. -Angela disse cortando suas palavras. -De alguma forma, ele sabia o que eu era. Mais tarde descobri que eles nem eram meus pais de verdade. Sou filha de um anjo e um demônio.
-Como você descobriu isso? - Alec perguntou. Se havia uma forma de saber...
-Algum tempo depois meus pais biológicos vieram até mim. - Ela Sorriu. -Eu os matei também, pois eles vieram apenas para me humilhar. Era muito comum antigamente demônios e anjos que tinham filhos juntos largarem as crianças nas portas de humanos, como uma piada cruel ou na esperança de que tivessem uma vida cheia de amor. Não tenho traços físicos como a maioria, mas logo ficou claro que eu não envelhecia, e por isso eu era útil. Uma prostituta bela e imortal. Não tive ninguém para me explicar o que eu era. A primeira vez que usei meus poderes para machucar um cliente eu nem sabia o que estava acontecendo, mas começaram a me drogar, então meus poderes atrofiaram durante anos. Até hoje não consigo usá-los plenamente, por isso me aperfeiçoei na luta. Passei séculos vivendo assim, sem controle de mim mesma e sem ninguém para me amparar.
-Eu... - Alec nem sabia ao certo o que dizer. Estava meio chocado.
-Você não é o único que já se sentiu perdido ao descobrir quem é. - Angela continuou. -Auto conhecimento, as vezes, é assustador, mas é necessário. Existem milhares de almas perdidas por ai que nunca vão se encontrar, mas algumas têm sorte. Nosso sofrimento não diminui o seu, mas é exatamente por isso que entendemos o que está sentindo.
Angela não chorava, mas seu olho escuro estava brilhante. Cain segurava a mão dela. Ele olhou para Alec e fechou os olhos, quando os abriu seus olhos estavam inteiramente vermelhos, sem iris e pupila.
-Fui adotado, mas também sou filhos de anjos e demônios. - contou Cain. -E nasci assim, com esses olhos, e demorou para eu aprender a disfarçá-los com magia. Por isso, eu e minha avó éramos caçados aonde quer que fôssemos. Não tínhamos um lar. Minha avó não sabia o que eu era, só sabia que eu era diferente, e continuou cuidando de mim mesmo sabendo que eu era a coisa que tinha matado a filha dela, a mulher que deveria ter sido minha mãe.
-Como você matou sua mãe? - Alec ousou perguntar.
-Eu a queimei sem querer.
Alec estremeceu de pavor. Se isso era uma tentativa deles fazerem com que se sentisse melhor, não estava ajudando muito. O clima na sala era pesado.
-Eu sinto muito pelo que vocês passaram. - ele falou querendo ser capaz de oferecer mais do que essas palavras inúteis.
-Gabriel e eu tivemos sorte. - Levi disse. -Crescemos sabendo quem éramos e tivemos pessoas que nos amam para nos guiar. Temos um pouco disso em comum, Alec. Não sou muito bom com essa coisa de aconselhar e reconfortar as pessoas, mas acredite quando eu digo que você também é sortudo.
-O que Levi quer dizer, - interveio Gabriel. - é que você pode ter descoberto tudo isso só agora, mas você não está sozinho. Está cercado de pessoas como você que entendem como é se sentir deslocado e perdido, mas que tiveram apoio em algum momento. Assim como você tem agora.
-Nós estamos ao seu lado, Alec. - Luce disse suavemente. -E vamos te ajudar. Criei essa cidade para ser um refugio para os híbridos. Não sei no que você acredita, mas eu acredito que tudo acontece por um motivo. Tudo tem um propósito. Você ter vindo parar aqui... Não é coincidência. Sei que não tem um bom relacionamento com seus pais, e não estou dizendo que vamos substituir eles, mas se quiser podemos ser sua família também.
Alec olhou para todos aqueles rostos gentis e preocupados, e não aguentou. Ele se curvou sobre as próprias pernas, escondendo o rosto nos braços e começou a chorar silenciosamente. Ele odiava chorar na frente dos outros, mas naquele momento nem conseguia se importar. O sofá afundou quando Lynx se sentou ao seu lado, e começou a esfregar suas costas com um gesto suave e reconfortante. Ele nunca tinha se sentido querido dessa forma. Nunca achou que alguém realmente se importasse com ele, e parte dele não entendia porque essas pessoas se importavam, mas ele sabia que era sincero.
Depois de um momento, ele ergueu o corpo e esfregou os olhos, sem coragem de olhar diretamente no rosto de ninguém.
-Agora que vocês me viram chorando, vou ser obrigado a matar todo mundo.
Eles começaram a rir. Em seguida Luce disse:
-Se não aprender a controlar esse poder, pode ser que mate mesmo. - ela se afastou da janela parando na frente dele. -Agora para de choramingar e tome o controle da sua vida. Seja forte, menino.
E assim Alec decidiu que o faria.
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