Capítulo 3 - Não Confie Em Estranhos
Depois de soltar aquela frase reconfortante, o homem largou a blusa destruída de Alec e desabou no sofá. Por um momento, ele ficou ali estático encarado aquele belo maníaco. Alec queria perguntar o que ele queria dizer com aquilo, mas a julgar pelo seu estado, dava para notar que ele não estava totalmente consciente, e exigir explicações seria inútil. Repassando toda aquela cena no beco e a conversa entre os dois seres alados, não era difícil para Alec deduzir mais ou menos o que aquele cara era. Só era extremamente difícil aceitar a ideia de que algo assim existia, e ele queria ouvir da boca do próprio. Assim talvez o stalker psicopata tivesse uma explicação plausível que fizesse Alec rir de si mesmo por acreditar que se tratava de uma situação sobrenatural.
Claro que pensar isso era só um estado de negação. A menos que estivesse sob o efeito de drogas pesadas — o que não era o caso — a única explicação era que tudo tinha sido real.
Ainda atordoado, Alec resolveu abrir todas as janelas do apartamento na esperança de que o vento frio pudesse ajudar ele a clarear a mente. E também porque o cara jogado no sofá parecia delirante e não parava de suar e resmungar que estava com calor. Depois de alguma hesitação, Alec removeu sua jaqueta de couro, mas apesar de sua camiseta cinza estar toda rasgada no ombro e suja de sangue, as feridas por baixo não passavam de arranhões avermelhados. Ele já tinha visto tanta coisa estranha naquela noite que aquilo não o surpreendeu muito. Era óbvio que esse cara não era normal. Alec nunca havia parado para pensar se acreditava no sobrenatural, mas nada daquilo tinha sido natural então não tinha como ele bancar o cético diante daqueles fatos. No entanto, mesmo analisando tudo friamente e tentando ser racional ele ainda sentia como se a situação fosse algum tipo de piada. Em algum momento apareceriam as câmeras e alguém dizendo que ele caiu em alguma pegadinha.
Parte dele queria que o cara desmaiado no sofá recobrasse de uma vez a consciência e lhe desse algumas respostas, mas, ao mesmo tempo, achava mais seguro que ele continuasse meio inconsciente. Eu realmente devia ter te matado. A frase ainda ecoava em sua cabeça.
—O que estou fazendo que ainda não chamei a polícia? — Perguntou a si mesmo.
Alec se aproximou do sofá absorvendo a aparência do outro. Ele era meio bonitinho. Possivelmente a pessoa mais bonita que Alec já viu na vida. Parecia um personagem moderno de jogos de fantasia, uma mistura de vilão com astro do rock ou algo assim. O que Alec tinha pensado ser rímel branco na verdade não era, seus cílios longos e sobrancelhas arqueadas eram naturalmente daquela cor pálida. Seu cabelo era na altura dos ombros, e o fato de que parecia ter sido cortado na pia do banheiro com uma tesoura cega dava a ele um ar ainda mais selvagem. Suas orelhas tinham alguns brincos e piercings de prata, argolas e pingentes em formato de adaga. As tatuagens dele não eram desenhos comuns, pelo menos não desenhos que Alec tivesse visto antes, pareciam tribais e várias formas estranhas que se entrelaçavam formando um padrão, indo do pescoço até as costas da mão. Apesar da beleza, havia algo em sua aparência que incomodava Alec e ele não sabia identificar o que era e qual o motivo.
—Ei. — Alec tentou acordá-lo cutucando a canela dele com o pé. O homem se remexeu no sofá franzindo o rosto. —Você está bem? Quer que eu chame alguém?
—Alexander bolso ali — Ele resmungou de modo confuso, tentando se manter acordado.
—Ah! Já sei, seu celular tá no seu bolso? — Fez menção de pegar a jaqueta do outro no chão, mas ele balançou a cabeça.
—Calça — Ele parecia bem mal. Estava quase transparente e havia círculos escuros embaixo dos olhos. Alec buscou dentro do bolso da frente da calça dele se sentindo desconfortável por tocar tão casualmente em um estranho, mas no lugar de um celular achou um frasco. Tinha a grossura de um dedo e era pequeno a ponto de sumir ao redor da palma de sua mão, mas o estranho era o conteúdo, não se parecia com nada que ele já tivesse visto antes, mas se tivesse que descrever seria como se alguém tivesse pegado um pedaço de raio de sol e encapsulado naquele pequeno recipiente de vidro.
A pessoa no sofá estendeu a mão em direção ao frasco, mas seu braço caiu frouxo como se lhe faltasse forças. Meio inseguro, Alec tirou a tampa do frasco e se aproximou levando-o em sua direção. O homem conseguiu segurar seu pulso e levou o frasco até a boca, só que o conteúdo não era líquido. Alec assistiu embasbacado enquanto ele aspirou o vapor brilhante que flutuou para fora do vidro. A cor doentia de seu rosto pálido mudou imediatamente deixando-o com uma aparência mais viva, dando cor às suas bochechas.
—Que porra — Alec disse baixinho sem piscar diante da cena.
Ao ouvir sua voz, os olhos do outro se abriram subitamente. Sem mexer um músculo sequer, ele continuou naquela posição meio largado no sofá enquanto seus olhos amarelados encaravam os escuros de Alec e sua mão ainda segurava o pulso dele. Então ele sorriu. O que causou em Alec um sentimento de pânico e vontade de sair correndo.
Ele puxou o pulso bruscamente se libertando.
—Acho que você tem algumas perguntas não é, Alexander? — Ele ainda sorria sem se mexer e a cena era tão bizarra quanto atraente.
—Sim. Várias. — Alec se afastou calmamente dele com uma tranquilidade que não sentia. —Mas pode começar com a mais simples e me dizer seu nome.
—Hm, tá bom. — O desconhecido finalmente se mexeu. Respirou fundo e se espreguiçou como se tivesse acabado de tirar o melhor cochilo de sua vida. —Me chamo Lynx.
—Certo. Acho que essa seria a parte em que eu digo o meu nome, mas parece que você já sabe. — Sentando-se ao lado dele mantendo uma boa distância, Alec começou a pensar que Lynx era um nome bem incomum, mas dai o cara tinha asas. Nada nele era comum. Organizando seus pensamentos, ele perguntou: —O que exatamente é você?
Alec achou que a pergunta podia ter soado meio grosseira, mas não sabia de que outra forma peguntar. Também não sabia porque estava tendo empatia por alguém que, aparentemente, queria ele morto.
—Sou a última coisa que quase qualquer humano desejaria ver na vida. — Lynx sorriu e tinha um olhar esquisito em seu rosto. —Você tem uma péssima sorte, Alexander.
—Mesmo? Nem tinha reparado. Minha vida anda tão tranquila nos últimos tempos. — Ele tentou ser sarcástico, mas estava nervoso demais para piadas. —Mas você não respondeu direito minha pergunta. A noite já foi bem agitada pra você ainda ficar me dando enigmas.
—Estou tentando ser cuidadoso, humanos têm a tendência de surtar quando se deparam com algo que não conseguem compreender. — Lynx disse realmente parecendo cauteloso. —Acho que você já teve aventuras o suficiente por uma noite.
—Tenho certeza que consigo lidar. — Assegurou Alec apesar de não ter muita certeza disso. —Pelo amor, eu vi uma fumaça falante com olhos se transformar em uma Sei lá o quê. Depois de tudo, duvido que você ainda possa dizer algo que vá me surpreender.
Lynx começou a rir.
—Não tenha tanta certeza disso. — Falou limpando as lágrimas de riso dos olhos, Alec achou ele meio exagerado. —Na verdade não sei bem como explicar tudo. Apesar de você não ter começado a berrar ainda, realmente acho que pode ser muita informação pra você Talvez no fim, você ache que estou mentindo e acabe me expulsando daqui. — Admitiu parecendo genuinamente receoso.
—É uma possibilidade.
—Mas Alexander — Seus lábios se curvaram para baixo deixando sua expressão chorosa e infantil. Alec ficou sem reação diante da mudança brusca de humor. —Eu não tenho pra onde ir, sabia? Estou sozinho e perdido nesse mundo cruel
—Vou te expulsar se você não me responder direito! — Alec balançou a cabeça como se isso pudesse afastar a confusão e irritação que sentia. —Você é tipo um Anjo? Ou o quê?
Dizer em voz alta fez ele se sentir extremamente ridículo, mas ele também estava confuso. Se Lynx fosse um, anjos não era criaturas boas? Então por que ele queria matar Alec? O suposto anjo não pareceu surpreso com o palpite dele.
—Perto disso. — Ele respondeu. —Sou o que aparece quando chega a hora de um humano deixar esse mundo.
—Então você tá me dizendo que é a morte? — Apesar dos fatos, por um breve momento ele sentiu um pouco de ceticismo. Até mesmo para alguém tão azarado, ter a morte literalmente na sua frente parecia um pouco de exagero.
—Anjo da Morte. Alguns também nos chamam de Ceifeiros, não sou o único, existem mais da minha espécie Outros tipos de anjos com outras funções. — O anjo filtrava o máximo possível como se temesse sobrecarregar e assustar o jovem. Era meio tarde para se preocupar com isso depois de ter voado pela cidade segurando ele em seus braços como se fosse um boneco.
—Tendi. — Um riso nervoso escapou de sua boca. Como Alec deveria responder a isso? Apesar de já esperar por uma resposta parecida com essa, ainda era chocante ouvir a confirmação.
—Você não acredita em mim e acha que sou um maníaco, né? — Lynx perguntou.
—Acreditar em você não é o problema, eu vi as coisas Mas também acho que você é um maníaco, sim. — Ele admitiu com sinceridade.
—Bom, receio que essa parte seja culpa minha. — Lynx disse meio que para si mesmo, embora parecesse mais estar se divertindo do que preocupado com o fato de Alec achar que ele era um maníaco.
O anjo da morte observou silenciosamente enquanto Alec ia até a janela e respirava fundo algumas vezes inalando o ar noturno para afastar o nervosismo e a falta de ar. Anjos da morte. Anjos no geral. Se isso era real o que mais não seria? Vampiros? Demônios? Fadas? Bruxas? Até meia hora atrás Alec sequer pensava sobre essas coisas e agora estava quase tendo um ataque de pânico porque tinha um ser celestial na sala de sua casa. Sem contar o motivo pelo qual estava ali.
—Alexander. — A voz de Lynx surgiu próxima dele. Alec respirou fundo o ar frio, sentindo ele queimar seus pulmões.
—Para de me chamar assim. — Ele pediu ao anjo. Incomodado pela forma com que ele dizia seu nome. —Me chama de Alec.
—Alec
Alec se virou e o viu em pé a alguns centímetros de distância. Ele concluiu que não importava como Lynx o chamava, ele se sentia da mesma forma e não conseguia entender o motivo.
—Você vai me matar agora? — Ele se sentia estranhamente calmo. Talvez porque soubesse que se aquela era a hora dele não havia escapatória.
—Não Eu não vou te matar. — Lynx disse lentamente, seu rosto estava inexpressivo, mas se olhasse com atenção poderia ver certo conflito acontecendo em seus olhos de gato.
Lynx tentou se aproximar, o que fez Alec dar um passo para trás batendo a lombar no parapeito da janela. Quando olhou para trás e viu a rua lá embaixo a vários metros de onde ele estava engoliu em seco e pensou que Lynx poderia empurrar ele dali mesmo.
Talvez não estivesse tão calmo assim.
—Você entendeu errado, Alec. — O anjo tinha um vinco entre as sobrancelhas agora como se estivesse preocupado, mas Alec não sabia dizer o que ele realmente estava pensando.
—Então explique! Essa situação é que está toda errada e você só está me deixando ainda mais confuso! — Se houvesse alguém passando na calçada lá embaixo naquele horário teria ouvido um jovem aleatório berrando na janela. O que era algo bem incomum para Alec, ele raramente perdia a calma e gritava. —E não chegue mais perto de mim!
Lynx ficou imóvel no centro da sala. Ele parecia tão deslocado na sala sem graça do apartamento. Ele pensou por um longo momento como se estivesse organizando os próprios pensamentos.
—Eu estava delirando quando disse aquilo. Não vou matar você. — Lynx finalmente respondeu. Alec não acreditou muito e quando o anjo completou a frase descobriu que estava certo em ter dúvidas. —Mas não é exatamente mentira que eu deveria...
Alec contemplou pular pela janela. Apesar de ser o último andar, o prédio não era tão alto, talvez quebrasse apenas uma perna, mas pensando bem uma perna quebrada seria inútil para fugir.
—Eu vou explicar o máximo que eu puder E por favor, não pule da janela.
Surpreso, Alec abriu a boca para perguntar como o anjo sabia o que ele estava pensando, mas a pergunta ficou presa na garganta quando Lynx ergueu uma sobrancelha e o canto de sua boca se curvou em divertimento irônico.
—Está escrito na sua cara, você é muito fácil de ler, sabia? — Disse o anjo. —E se fizer isso posso te pegar antes que atinja o chão, então não perca seu tempo.
Alec rangeu os dentes sentindo uma vontade imensa de socar ele. Ele sabia que deveria sentir apenas medo, mas na realidade, o que Lynx causava nele era um sentimento potente de inquietação.
—Infelizmente, não posso dizer o mesmo de você. Você não é nada fácil de ler. — Alec finalmente conseguiu dizer depois de se acalmar um pouco. —Eu sinto que você está me enrolando de propósito pra não me dizer o que você realmente quer comigo.
—O que você acha que eu quero de você, Alexander? — Lynx deu um passo a frente olhando diretamente em seus olhos. Alec se sentiu como um coelho encurralado por um lince. Ele não soube interpretar a expressão do anjo, e de repente se sentiu extremamente cansado.
—É Alec. E essa conversa nem está mais fazendo sentido, você pode por favor só me dizer o que está realmente acontecendo? — Ele estava praticamente implorando.
Lynx soltou uma respiração exasperada.
—Tá bom, olha — Mais um passo para perto. —Basicamente, eu estava encarregado de julgar sua alma. Anjos da morte também atuam como uma espécie de juiz, se julgarmos que a pessoa à beira da morte é boa, então damos a ela uma morte pacifica e indolor, mas se ela for ruim
Ele deu um meio sorriso que fez Alec estremecer. O anjo continuou:
—Claro que muitas pessoas boas já tiveram mortes terríveis, mas essas estão fora da nossa jurisdição. São chamadas de Mortes do Acaso. — Vendo a expressão confusa do humano, ele deu de ombros. —Não me pergunte o porquê, não faz sentido, mas não sou eu que faço as regras.
Alec se sentiu meio tonto. Talvez aquilo tudo realmente fosse informação demais para ele, mas era melhor esclarecer o máximo possível do que ter mais surpresas depois.
—Que tipo Que tipo de morte eu teria? — Alec perguntou sentindo o estômago embrulhar. Ele não queria realmente saber.
—Nenhuma que eu fosse permitir. — O tom do anjo foi simples, mas pela primeira vez desde que abriu os olhos, Lynx deu uma resposta rápida, direta e que dava para sentir a sinceridade nas palavras. Isso assustou Alec mais do que o sorriso maníaco e todas as outras bizarrices.
—Mas por quê? — Ele soou mais intenso do que gostaria na pergunta. —Por que você não... me matou?
Lynx hesitou, como se estivesse decidindo entre continuar sendo aleatório e enigmático ou simplesmente dizer a verdade. Alec também notou que ele parecia estranhamente deprimido. Sua cabeça começou a doer tentando encontrar sentido em tudo aquilo.
—Não consegui. — O anjo falou depois de um longo momento dando de ombros. —Não consegui e meio que acabei interferindo na sua morte. É por isso que agora tem um bando de anjos raivosos me perseguindo. Pra ser sincero, estou adorando, finalmente um pouco de diversão, se eu pudesse morrer já teria morrido de tédio.
—Não entendi. — Alec se afastou do parapeito sentindo um pouco de alívio com o rumo da conversa, apesar disso, sentiu que não devia baixar muito a guarda. Os olhos de Lynx encontraram os dele. —Não estou dizendo que não fico feliz por estar vivo ainda, mas por que você interferiu?
Lynx o encarou por um tempo, então sua expressão neutra desmanchou em um sorriso de canto, seus olhos brilharam de um jeito que fez Alec se perguntar se ele ainda estava meio febril.
—Porque você é um humano muito fofo. — O anjo disse isso sem vergonha nenhuma, soava como uma provocação, mas também deboche, como se Alec fosse um filhotinho ou algo assim. —Achei que seria um desperdício. Adoro coisas fofas.
—Eu não sou uma coisa! Você tá, legal. — Alec tinha certeza que seu rosto estava vermelho de irritação porque ele ficou quente. Ele passou por Lynx e sem querer esbarrou com força em seu ombro machucado. —Essa conversa toda foi emocionante e reveladora, só não conto pra minha psicóloga porque não acho que camisa de força combine com a minha estética, mas talvez eu escreva uma música sobre isso. Obrigado por não me matar, agora suma da minha casa, Lynx.
—Você disse que não ia me expulsar!
—Eu nunca disse isso.
—Deixa eu ficar
—Não!
—Mas por quê? — Lynx parecia uma criança fazendo birra.
—Como assim por quê? — Alec parou no meio do caminho, perplexo. —Você é um estranho, não me interessa se você é um anjo ou o quê. Eu não te conheço e você disse que ia me matar! E eu te acho muito esquisito.
—Obrigado pelo elogio. — Lynx agradeceu com sarcasmo. —E você não ouviu nada do que eu acabei de dizer?
—Ouvi, mas — Alec não sabia o que mais dizer, e vendo sua falta de argumentos Lynx continuou persuadindo. Ele falava de um jeito que realmente fazia você se questionar de suas próprias decisões.
—Eu salvei sua vida mais de uma vez, sabia? Além disso, você precisa de um guarda-costas e eu preciso de um lugar pra ficar enquanto estiver no mundo mortal, não é muito legal ficar vagando pelas ruas Eu não sou a coisa mais medonha lá fora.
—Como assim guarda-costas? — E como assim um lugar para ficar? Pensou Alec. Ele não está pensando em se hospedar na minha casa, não é?
—Bem — Lynx cruzou os braços com um sorriso arrogante. —Digamos que depois da minha intervenção, o céu ficou meio infeliz com a situação e agora querem restaurar a ordem. Como você já deve ter adivinhado, interferir é totalmente contra as regras. Não podemos fazer isso, e como você ouviu da minha querida inimiga, por causa dessa transgressão fui banido, e minhas asas provavelmente vão ser arrancadas. Se eles conseguirem me pegar, é claro.
Ele parecia orgulhoso de seus feitos, como uma criança rebelde ficava ao quebrar as regras pela primeira vez. Alec não precisava pensar muito para entender o que restaurar a ordem significava.
—Então quer dizer que você tentou salvar minha vida, mas além de piorar tudo acabou ferrando a sua também? — Não tinha sido sua intenção soar rude, mas saiu antes que eu pudesse segurar. Lynx parecia um cachorro que havia acabado de ser chutado.
—Desculpa Alec. — Sua expressão magoada causou em Alec uma leve pontada de culpa. —Só me deixe ficar com você por enquanto até eu descobrir como arrumar isso.
—Acho que o jeito mais óbvio seria me deixando morrer.
—Nunca.
O jeito como ele disse isso deixou Alec assustado. A convicção, como se aquilo fosse algo que ele jamais fosse permitir. Não fazia sentido nenhum para ele.
—E o seu ombro? — Alec resolveu mudar de assunto. Ele apontou para o rasgo na camiseta do outro. Lynx olhou como se tivesse esquecido do machucado.
—Ah! Amarantha e suas adagas de vento. Tive que usar meu último frasco de remédio Era o último que Castiel arrumou pra mim, enfim, tenho que tomar mais cuidado de agora em diante.
Amarantha certamente era a fumaça falante que os atacou no beco, mas ele não fazia ideia de quem seria Castiel.
—Mas você se curou rápido até. Estava sangrando bastante e agora parece só uns arranhões
—É mais complicado do que parece. — Ele puxou o rasgo da camiseta expondo mais o ferimento no ombro. —Como fui banido, meus poderes angelicais estão se esgotando aos poucos, assim como minha capacidade de regeneração. Se eu for ferido com uma arma mundana não é tão grave, mas se for uma arma celestial posso não morrer imediatamente, mas posso adoecer aos poucos considerando minha situação. As adagas de vento de Amarantha tem um efeito parecido com veneno e se eu não tivesse o remédio Apesar de a lesão física ter se curado rápido, eu poderia morrer por causa da febre. Lentamente.
—Não entendo. — Alec disse frustrado. Ser capaz de aceitar que coisas não humanas, que anjos, existiam era uma coisa, mas ser colocado no meio daquela situação sem saber exatamente o porquê Era confuso demais.—Por que se dar ao trabalho de passar por tudo isso
Por mim? Não conseguiu completar a frase porque era um absurdo. Lynx não respondeu, sua expressão ficou indecifrável por um momento, mas num instante seu rosto mudou e ele estava sorrindo de novo.
—Então, é aqui que você mora? — Lynx olhava em volta e fuçava nas coisas, fascinado, como se nunca tivesse visto uma sala antes.
—Sim? — A mudança brusca do clima e a pergunta aleatória pegaram Alec de surpresa, e ele não teve escolha a não ser seguir o ritmo da conversa.
—O que é isso? — Lynx apontou para a rack de frente para o sofá.
—Uma televisão.
Alec pegou o controle no sofá e ligou a TV observando sua reação. Os olhos de gato dele ficaram arregalados e brilhantes como uma criança que acabou de descobrir algo novo.
—Uau, tem pessoas lá dentro!
—Elas não estão lá dentro de verdade. — Disse Alec sorrindo com a testa franzida em confusão. —Você nunca viu uma TV antes?
Lynx pensou por um momento.
—Acho que já vi algo assim, mas pensei que era um portal.
—Portal que — Ele soltou um suspiro, mas se sentia estranhamente bem-humorado. —É um aparelho que serve na maior parte do tempo pra entretenimento, onde na maioria dos programas as pessoas estão encenando.
—Tipo atores em uma peça de teatro? — Lynx não tirava os olhos da tela.
—Sim, mais ou menos isso, mas é transmitido de longe — Alec explicava pacientemente tentando achar a forma mais simples de explicar tecnologia para um ser que, pelo visto, não sabia muito sobre ela. Felizmente, Lynx era muito esperto e entendia rápido.
Aparentemente, ele não teria escolha a não ser deixar o anjo ficar. Pelo menos foi o que disse a si mesmo pois toda vez que pensava em mandar ele sair algo o impedia. Talvez realmente tivesse enlouquecido, mas agora achava que era por um motivo completamente diferente. No entanto, talvez fosse sábio mantê-lo por perto e fingir que estava tudo bem com aquilo, porque Alec finalmente percebeu o quê na aparência de Lynx que o tinha deixado perturbado
O cabelo platinado.
Ele não se lembrava de muita coisa daquela noite, mas não tinha dúvidas que aquele cabelo era o mesmo do stalker que tentou matá-lo dois meses atrás. Sim, Alec tinha visto o cara levar uma tijolada na cabeça, mas não sabia se ele tinha morrido ou não. Não se recordava muito da situação, mas lembrava vagamente que a polícia havia sido chamada e Alec foi levado para o pronto-socorro por uma ambulância por causa dos hematomas no pescoço, então ele não tinha presenciado o desfecho do agressor.
E considerando que Lynx era um ser sobrenatural, um tijolo na cabeça não devia ser nada apesar de todo aquele sangue e sua conversa sobre os poderes angelicais estarem esgotando. O fato era que Alec não confiava cem por cento nele, mas decidiu fingir que sim. E também se sentia um pouquinho, bem pouco mesmo, culpado, porque se Lynx realmente tivesse sido banido por interferir na morte dele, ele se sentia responsável mesmo que não tivesse pedido por isso.
Lynx estava totalmente dominado pela TV. O que foi uma boa oportunidade para Alec ficar sozinho e tentar processar todos aqueles acontecimentos e organizar sua mente enquanto deixava a água quente do chuveiro praticamente queimar sua pele. Lynx podia ou não estar falando a verdade. E se de repente ele não fosse o mesmo cara do beco, quem era aquele então? Mas se fosse, por que ele tinha mudado de tática se aproximando de Alec em vez de tentar matá-lo de novo? Talvez ele ainda tentasse Mas não fazia sentido, pois ele também dizia ter salvo Alec. E considerando a conversa dele com Amarantha, isso poderia ser verdade. Mesmo assim, Alec sentia que tinha algo errado nessa história. Qual dessas coisas eram verdadeiras? E se ele realmente tinha interferido na morte de Alec, por que fez isso?
Porque você é um humano muito fofo.
A voz do anjo ecoou na cabeça do jovem e ele quis bater ela na parede. Se sentia sobrecarregado com tantas perguntas principalmente porque a situação toda era sem nexo, não importa de que forma você olhasse. Além disso, fofo não era bem o tipo de elogio que um homem gostava de receber, não que ele quisesse ser elogiado por Lynx de qualquer forma. Porém, quanto mais pensava sobre isso, mais parecia que ele tinha dito algo idiota assim para fugir do assunto e não revelar suas verdadeiras intenções. Alec chegou a conclusão de que, por enquanto, era realmente melhor manter ele por perto. Assim, independente de qual fosse a verdade seria mais fácil descobrir.
Após tomar banho, ele pegou uma muda de roupa limpa e uma toalha, e jogou no colo de Lynx que estava sentado no chão imerso em um daqueles realitys shows de namoro. Alec olhou com desgosto para a tela, sempre achou esses programas extremamente idiotas.
—O que é isso? — Lynx perguntou pegando o jeans e a camiseta cinza. Alec achou que eram parecidas com as roupas que ele usava por isso as pegou sem saber se suas outras roupas agradariam o anjo. Não que ele se importasse.
—Uma tecnologia humana muito avançada chamada roupas limpas. — Alec foi bastante sarcástico. —O banheiro fica ali, segunda porta. — Ele apontou para a esquerda. —Por favor, não me diga que você não sabe o que é um banheiro?
—Já ouvi falar. — Lynx deu de ombros e Alec não soube dizer se ele estava brincando ou não.
—Bom, você está fedendo e sujo de sangue, a menos que queira dormir do outro lado da porta, vá se limpar — Um sorriso maldoso surgiu no rosto de Alec. O anjo não estava realmente fedendo, mas todo aquele sangue estava deixando Alec meio perturbado. —Pensando bem, seria interessante você dormindo no corredor, seria tipo ter um cão de guarda em vez de guarda-costas.
—Você é um humano bem insolente. — Ele sorriu erguendo uma sobrancelha. —Tenha mais respeito, ainda sou um anjo.
—da Morte que foi banido. — Alec disparou e se arrependeu um pouco até ver o sorriso de Lynx se expandir até expor seus caninos meio afiados.
—Acho que fui rebaixado a anjo da guarda. — Ele deu uma piscadela para Alec.
—É mesmo? Sorte a minha ter você aqui, nossa. — Alec se sentiu estranho, porque sentiu que essa conversa estava beirando o flerte. Que situação era essa? —Quem rebaixou você a meu anjo da guarda, posso saber?
—Eu mesmo. — Ele respondeu com arrogância e se levantou. —Eu faço o que eu quiser. Na verdade sempre fiz, talvez por isso estou nessa situação agora Livre arbítrio foi realmente feito para os humanos.
—Não entendo muito do assunto, mas sempre achei que livre arbítrio parece mais com uma corda feita pra você se enforcar. — Alec se lembrou das vezes quando era criança que foi arrastado para igreja pelos pais e todas as coisas que ele ouviu naqueles tempos. Talvez ele próprio tivesse criado uma visão distorcida de religião, o fato era que muitas coisas não faziam sentido para ele. Lynx era um anjo, talvez tivesse essas respostas, mas Alec não sentia vontade de perguntar com medo de quais seriam elas. Talvez fosse melhor não saber sobre algumas coisas. Talvez ignorância fosse realmente uma benção em alguns casos.
Lynx pareceu ter ficado extremamente pensativo com suas palavras, e só para quebrar aquele silêncio estranho, Alec falou:
—Vai logo pro chuveiro.
—Tudo bem — Com as roupas na mão, Lynx seguiu em direção ao banheiro, mas parou no meio do caminho. —Só uma coisa.
—O que é agora?
—O que é um chuveiro?
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