Capítulo 16 - O Covil do Anjo
Os dois deixaram o castelo para trás e refizeram o caminho até a área residencial. A noite estava bonita e morna, toda vez que Alec olhava para aquele céu roxo de nuvens azuis, ele se surpreendia como se estivesse vendo pela primeira vez. Principalmente porque as estrelas finalmente deram as caras, pequenos pontos de luz que brilhavam intensamente. Ele concluiu que poderia ficar horas olhando para aquela paisagem fantástica.
Caminhando ao lado de Lynx, ele sentia a cabeça agradavelmente leve por causa do vinho. Ainda tinham algumas pessoas na rua, saindo para a noite ou retornando para seus lares. Ele pensou que a casa de Lynx poderia ser uma daquelas construções, mas, aparentemente, não. O silêncio entre eles era confortável, enquanto tomavam outro caminho por uma série de ruas até se afastarem totalmente da civilização. De repente, Alec se viu diante de um gramado extenso. Não havia muro ou portões, mas não muito longe uma bela mansão de paredes pretas se erguia no topo de um morro.
—Você mora ali??? — Alec estava perplexo com o esplendor da construção. Era muito linda, e enorme. Parecia a casa de um lorde rico. Mais uma surpresa aquela noite.
Lynx coçou a nuca dando de ombros.
—Aqui vai uma nova informação sobre mim; gosto de luxo. — Esse tempo todo, ele ainda segurava a mão de Alec. O toque contínuo enviava pequenos choques pelo seu braço até o coração. —Talvez seja porque já fui muito pobre, então gosto de conforto e espaço. Também gosto de coisas bonitas. E de colecionar coisas, tipo quadros e armas.
—E não tem nada de errado nisso. — Assegurou Alec notando seu tom apologético, como se gostar dessas coisas fosse errado. Alec deu uma cambaleada e Lynx estendeu a mão livre para firmar ele. —Mas confesso que não esperava, não achei que fosse do tipo apegado a coisas materiais. Você coleciona armas? Tipo espadas e essas coisas? Você tem um machado?
—Sim, sempre gostei. E sim, tenho um machado. Também confesso que a única coisa que vou sentir falta de ser um anjo da morte, é da minha foice. — Ele suspirou tristemente. —Acho que vou pedir pro ferreiro da cidade fazer uma parecida.
—Ferreiro. — Alec riu com a voz meio arrastada. —Parece que tô num jogo de fantasia medieval, sei lá. Amanhã vamos na cidade trocar vacas por moedas de ouro? Cadê o mago que vai me dar uma pedra com poderes mágicos?
Lynx riu e olhou para ele com uma expressão afetuosa e bem-humorada.
—Você é adorável quando fica bêbado.
—Nem tô bêbado. — Alec franziu o nariz de um jeito muito fofo. —Você que tá.
—Não fui eu que bebi três taças e meia de vinho.
—Foram só três! — Alec ergueu dois dedos para enfatizar sua declaração.
—Você bebeu metade da minha também. — Lynx ergueu as sobrancelhas.
—Não... — Alec tinha uma expressão séria e pensativa. —Não acho que isso tá certo.
Lynx não parava de rir com o jeito dele.
—Olha, sobre magos e pedras mágicas não sei, mas posso te dar alguma arma e ensinar você a se proteger com ela. — O anjo sugeriu com incerteza. —Se quiser...
—Ah! Eu quero! Eu quero um machado!
Lynx gargalhou. Alec fechou os olhos e inspirou o ar puro por um momento.
—Quem chegar por último é a mulher do padre! — Ele disse de repente. Soltou a mão de Lynx e o empurrou, então saiu correndo.
Quando já estava bem na frente, ele olhou para trás e viu o anjo parado com uma expressão meio perplexa congelada no rosto. Então Lynx soltou uma risada e começou a correr atrás de Alec, que correu ainda mais rápido para que não fosse alcançado. Ao virar a cabeça, Alec sentiu uma onda forte de tontura provocada pela bebida, o chão pareceu se mover abaixo de seus pés e ele tropeçou. Porém, antes que atingisse o solo, um braço forte se enrolou ao redor dele, e o virou, de modo que quando Alec caiu, o corpo de Lynx amparou a sua queda.
Alec estava alinhado em cima dele, e por um momento só conseguiu pensar que seus corpos se encaixavam perfeitamente. E ele estava tão próximo que a ponta de seu nariz quase encostava no de Lynx. Ele afastou um pouco a cabeça, mas não parou de admirar o rosto do anjo como se estivesse gravando cada detalhe na mente. Ele ergueu a mão e traçou o contorno da sobrancelha loira e dos cílios claros de Lynx, deslizando a mão até o queixo. O anjo tremeu embaixo dele. Alec sentiu vontade de compor uma música.
—O universo é muito injusto.
—Por quê? — Lynx perguntou com a voz baixa e um olhar intenso.
—Por criar pessoas tão perfeitas como você. — Alec respondeu com o rosto franzido, como se ele de fato achasse um absurdo Lynx ser tão bonito. —Uma vez tentei deixar meu cabelo da cor do seu, mas ficou tão duro e ressecado que tive que raspar tudo. Mas seu cabelo é tão macio que eu dormiria com a cara enfiada nele a noite toda.
Lynx tremeu embaixo dele de novo, mas dessa vez era porque estava rindo.
—Você não diria nada disso se estivesse sóbrio. — Lynx disse mais sério. —Por isso vou desconsiderar qualquer coisa que sair da sua boca hoje.
—O álcool não faz a gente mentir, só tira o filtro que impede a gente de falar e fazer o que tem vontade. — Alec falou, ele podia estar meio bêbado, mas ainda tinha noção do que estava dizendo. Um pouco. —Se eu me sentir humilhado demais depois, posso pedir a Castiel que apague minha memória.
—Espero que não, porque eu odiaria que você esquecesse isso.
—O quê?
Como resposta Lynx se inclinou para cima e beijou ele. Não foi faminto e desesperado como antes. Foi um beijo leve, carinhoso. Cheio de sentimentos doces, cujos sentimentos se espelhavam na forma como Lynx acariciava suas costas e seus cabelos. Alec sentiu a mente clarear um pouco, mas apesar da angústia que se espalhou pelo peito, ele não se afastou. O que ele afastou foi essa tal angústia, e apenas aproveitou o momento tentando não pensar em como ele não conseguia ser determinado quando se tratava de Lynx. Tinha prometido a si mesmo que não ia cruzar nenhum limite, e aqui estavam eles, se beijando de novo.
Alec interrompeu o beijo com relutância, poderia ficar ali a noite toda e não pensar em mais nada. De olhos fechados, ele apoiou a testa na de Lynx e suspirou se perguntando o que ele estava fazendo de sua vida.
—Quer que eu me desculpe pelo beijo? E diga que não significou nada? — Perguntou Lynx lendo a expressão de Alec. Ele também parecia meio angustiado, embora fosse por motivos diferentes.
—Então foi só por isso que você me beijou? Pra ficarmos quites? — Alec sentiu uma pontada dolorosa no coração.
—Claro que não. — Lynx franziu o rosto. —Só estou dizendo isso porque eu não sinto muito e significou alguma coisa... Pra você também, mesmo que você não vá admitir.
Eles se olharam por alguns instantes, até Alec quebrar o silêncio.
—Acho melhor a gente entrar. — Falou meio sem fôlego. Apesar do que disse, ele não se moveu, então Lynx falou:
—Assim que você sair de cima de mim. — Sua voz tinha um pouco de ironia.
—Espera um pouco, ainda estou meio tonto e tô tentando não vomitar em você.
—Nossa, isso foi a coisa mais sexy que já ouvi.
Alec começou a rir, Lynx deu uma risada curta também. Era incrível a forma como o clima entre eles variava entre extremos. Uma hora sendo sérios e intensos, e no instante seguinte fazendo piada.
Depois que Alec conseguiu se levantar, eles caminharam em silêncio até a entrada. A fachada da mansão era cheia de sacadas. No térreo tinha um pequeno pátio com uma fonte no meio. Estava escuro demais para ver os detalhes, mas Alec notou que a pedra em que a casa foi construída era um tipo de material que ele nunca tinha visto antes. Preto lustroso, mas tinha um brilho iridescente que mudava conforme o brilho da lua. As portas duplas de carvalho tinham detalhes esculpidos.
Lynx deu um passo para o lado e gesticulou para ele.
—Fique à vontade para explorar. — Apesar do sorriso, ele parecia nervoso. —Só tente não tropeçar nos próprios pés de novo.
—Eu tenho um ótimo equilíbrio, tá?
—Ah sim, eu vi mesmo.
Alec passou marchando por ele e empurrou as portas que se abriram suavemente. O Hall de entrada era amplo. O chão de mármore branco raiado com preto e a escada curvilínea do lado direito eram iluminados pelo lustre preto pendurado no teto alto. A decoração era harmoniosa, vasos de plantas repousavam nos cantos, e como Lynx havia dito, ele tinha muitos quadros, mas não a ponto de causar uma poluição visual. Eram imagens variadas, de flores a paisagens de céus noturnos e do mar.
Alec ficou meio hipnotizado pela visão do lugar. Era luxuoso, mas não de um jeito brega, tudo parecia ter sido escolhido a dedo para combinar e criar um espaço cheio de classe e, ao mesmo tempo, aconchegante.
Lynx surgiu ao seu lado tirando-o do transe.
—Ali fica a...
—Pensei que ia me deixar explorar. — Alec cruzou os braços. Lynx imitou o gesto.
—Tinha mudado de ideia e ia ser seu guia turístico, mas agora não quero mais também, se vira.
—Que grosseria! Não sei se quero ficar hospedado aqui. — Alec balançou a cabeça, mas ambos tinham a sugestão de um sorriso no rosto.
Ele largou Lynx para trás e foi confiante, como se estivesse em casa, explorar o lugar. Primeiro, ele entrou em um corredor do lado esquerdo. Luminárias em formato de lírio forneciam luz, e havia uma entrada larga na lateral direita que desembocava em uma sala de estar. Tinha paredes de madeira polida, um tapete persa cobria metade do chão. Os três sofás eram de veludo vermelho escuro, e havia uma mesa de centro próxima a lareira. As janelas altas e largas que ficavam atrás dos sofás ofereciam uma vista para o gramado do lado de fora. No teto, três lustres de cristal enfileirados iluminavam o espaço. Alec imaginou que era um ótimo lugar para ler.
—Lareira é muito coisa de burguês safado. — Foi o comentário de Alec. Sua língua se enrolou um pouco na palavra lareira.
Se estivesse cem por cento sóbrio teria apenas dito que a sala de estar era linda, mas ainda estava meio zonzo e com vontade de provocar o anjo.
—Se você acha isso vendo só a sala, imagina quando chegar lá em cima. — Murmurou Lynx. —Não sou burguês, e sim sei o que isso significa. Quase tudo que você está vendo aqui é presente de Luce.
Alec ergueu as sobrancelhas.
—Ela também te dá mesada?
—Não é mesada. — Lynx parecia envergonhado, o rosto corado. O que fazia Alec querer provocá-lo ainda mais. —Tecnicamente, trabalho para ela. Eu tenho tipo... Como vocês chamam mesmo?
—Um salário?
—Isso.
—Tá bom, isso é inesperado. — Alec deu um risada e se jogou em um dos sofás, era muito confortável. —Pensei que você era um anjo pobre e desempregado, vivendo como um andarilho.
—Não sou rico. — Lynx soltou uma risada.
—Ah tá, diz isso pra sua mansão. — Alec zombou. —Presente ou não, custa caro manter um lugar assim.
Lynx pensou por um momento.
—Na verdade, não. — Ele se sentou no sofá colocando as pernas de Alec no colo. —Tudo aqui é movido a magia, não preciso pagar manutenção, conta de água ou luz que nem vocês fazem no mundo mortal. Minha única despesa vai ser com comida, agora que você está aqui, mas isso não é nada.
—Vish, então você vai ficar pobre sim, porque eu como muito.
Lynx gargalhou jogando a cabeça para trás.
Alec se levantou e quando saiu da sala de estar, se viu de frente para outra entrada. Era uma sala de jantar muito chique. Alec só tinha visto um lugar assim em filmes e séries. Uma mesa longa com cadeiras estofadas dominava o centro, e um lustre de cristal pendia acima dela. A parede oposta era cheia de janelas intercaladas por quadros.
—Sem querer ofender, mas você tem amigos o suficiente pra caber nessa mesa? — Alec perguntou já cobrindo a boca para segurar a risada.
Lynx mordeu o interior da bochecha para evitar sorrir também.
—Na verdade, tenho. — Revelou satisfeito. —Agora, eu tenho.
—Que inveja. Eu não tenho. — Alec fungou. —Minha única amiga é uma loira desmiolada que não atende minhas ligações. Será que ela está bem?
—Acho que sim, mas se quiser posso pedir a Castiel para checar ela.
—Por favor, Lynx. Rebeca é importante pra mim e se algo aconteceu com ela, a culpa vai ser nossa. — Ele ficou um pouco mais sério agora, tentando afastar os pensamentos ruins de que algo poderia ter acontecido com a amiga.
Ele saiu da sala de jantar e seguiu pelo corredor. Havia apenas mais uma entrada no final, e Alec descobriu ser a cozinha. Era bem grande e equipada com tudo — e até mais — que uma cozinha poderia precisar.
A casa era uma mistura do antigo com o moderno. Lembrava uma mansão vitoriana, mas tinha coisas dessa era, como eletrodomésticos, por exemplo. A cozinha era cheia deles, tinha uma geladeira de aço inox com duas portas e o fogão era de indução.
O que fazia sentido, aquele deveria ser o gosto de Lynx séculos atrás, quando era humano, mas, ao mesmo tempo, adaptado para se adequar ao presente.
—Nunca imaginei que teria uma Air Fryer na casa de um anjo. — Alec deu a volta na cozinha passando a ponta do dedo pelas superfícies que não tinham um grão de poeira.
—Você come muita batata frita congelada, é mais saudável em uma dessas do que fritar com óleo. — Lynx falou com naturalidade, isso fez Alec rir.
—Awn, obrigado por se importar com o meu colesterol. — Ele saiu da cozinha, mas ao passar por Lynx deu um beliscão de leve no queixo dele.
Alec voltou pelo corredor e subiu a escadaria. Lynx seguiu atrás dele com o rosto levemente vermelho.
A escadaria do hall levava até um corredor com várias portas. A maioria eram quartos que pareciam não ter dono. No entanto, embora Alec estivesse achando tudo muito lindo, finalmente tinha encontrado coisas que fizeram seus olhos saltarem. A primeira foi a biblioteca, com estantes e mais estantes de livros e duas poltronas confortáveis voltadas para uma janela. As estantes eram tão altas que tinham aquelas escadas de correr. O teto arredondado quase sumia nas sombras. Alec passeou pelos livros, lendo os títulos nas lombadas. Muitas edições eram de livros do mundo mortal, livros conhecidos, mas alguns Alec nunca tinha ouvido falar. Também havia edições antigas que pareciam livros de feitiços, com capas de couro e escritas douradas.
—Pensei que você não gostasse de ler. — Ele olhou de soslaio para Lynx que evitava olhar para ele.
—Estou pensando em começar a ter o hábito de leitura. — Lynx tentou parecer despreocupado. —Tenho que começar de algum jeito.
—Claro, e o melhor jeito é simplesmente comprando todos os livros do mundo. — Alec falou com sarcasmo. O anjo fingiu não ter ouvido.
Lynx não gostava de ler, mas sabia que Alec gostava. Nem um pouco suspeito.
A segunda coisa que o deixou perplexo, foi a coleção de armas de Lynx que enchiam um cômodo inteiro. Alec acabou descobrindo um novo interesse, pois as armas eram lindas, mortais e pareciam chamar por ele. Espadas de vários formatos e tamanho, lanças, adagas, arcos, e lâminas em diversos formatos. Lynx sabia nomear todas elas, é claro. Ele realmente tinha um machado, mas Alec acabou descobrindo que gostava mais de espadas. Ficou particularmente fascinado por uma lâmina preta que tinha estrelas esculpidas no cabo.
—Esse é o item mais precioso e antigo da minha coleção. — Lynx passou o dedo pela lâmina que estava nas mãos de Alec agora. Embora ele parecesse gostar muito do objeto, sua expressão exibia tristeza.
—Ela existe desde quando você era humano? — Ele não conseguia tirar os olhos da espada. —É tão linda.
—Vou te contar a história dela qualquer dia. — Lynx ficou de costas para ele, arrumando o objeto de volta no suporte. —É meio longa.
E a terceira coisa, foi o que mais abalou Alec. Havia uma fodida sala de música. Um piano de cauda estava posicionado próximo as janelas. Haviam violões, guitarras, baixos, e vários outros instrumentos como violinos e até uma harpa. Quem tinha uma harpa em casa? Também havia uma bateria, é claro. A sala não tinha isolamento acústico, mas era perfeita para fazer música.
Alec se virou para Lynx com os olhos semicerrados de suspeita.
—Quando exatamente você planejou esse lugar? — Ele questionou, as palavras saíram lentamente.
—A sala de música? — Lynx coçou o queixo claramente se fazendo de desentendido.
—Não, tudo. — Alec estava bem mais sóbrio agora, e meio assustado.
Lynx cruzou os braços como se tivesse que pensar, mas Alec sabia que ele só estava enrolando.
—Não sei bem...
—Lynx.
O anjo então olhou para ele e bufou.
—Tá bom... — Ele se apoiou no piano, batucando na superfície com os dedos. —Faz mais ou menos duas semanas, quando você concordou que viria pra cá.
Ele fez uma pausa e se remexeu inquieto.
—A casa já existia e eu decorei a maior parte dos cômodos, mas algumas coisas são mais recentes. Entrei em contato com Castiel e pedi a ajuda dele. Eu queria deixar o lugar mais confortável para você, queria que se sentisse bem aqui, — Ele gesticulou para a sala, mas o gesto abrangia a mansão como um todo. — já que estaria em um lugar estranho. A cozinha foi reformada recentemente... Na verdade, nem existia uma cozinha.
Alec tinha que se lembrar de parabenizar Castiel depois, por fazer tudo aquilo em duas semanas.
—Entendi... Olha, Lynx, agradeço muito por tudo isso, mas não precisava se dar ao trabalho. — Alec engoliu o nó na garganta.
Lynx sorriu de modo meio diabólico.
—Eu não tive trabalho nenhum, quem teve foi Castiel.
—Acho que todos nós deveríamos ter um amigo como Castiel. — Alec brincou. Lynx riu, mas ele parecia meio estranho.
—Isso é tudo? Tem mais alguma coisa que eu precise saber?
Lynx olhou em seus olhos quando respondeu:
—Não.
—É que você parece nervoso.
—É porque eu estou. — Admitiu. O ritmo de seus dedos batendo no piano pararam. —Estou com medo de você achar tudo isso demais, ficar assustado e querer sair correndo.
—Bem, é demais... — Alec admitiu olhando para todos aqueles instrumentos novos e impecáveis. —E eu fiquei um pouco assustado, mas vindo de você, é algo que eu já deveria esperar, né?
Alec sentiu uma pontada estranha no peito. Honestamente, ele ainda esperava que Lynx estivesse equivocado sobre os próprios sentimentos, e que acabaria enjoando dele, mas ao olhar para essa sala de música, Alec percebeu que não era o caso.
Ele deu um sorriso superficial, sem saber direito porque estava sentindo vontade de chorar. Talvez fosse porque todo esse cuidado e preocupação com ele remetia a uma época em que as pessoas ao seu redor realmente cuidavam e se preocupavam com Alec.
Mas isso já fazia muito, muito tempo.
—Então tá, vou ver o resto da casa.
—Só tem mais dois cômodos. — Lynx hesitou. —Meu quarto. — Ele apontou para uma porta no lado esquerdo, e depois para uma no final do corredor. —E o seu.
—Posso? — Ele perguntou com a mão na maçaneta da porta do quarto de Lynx, este fez que sim com a cabeça.
Era um quarto bonito como o resto da casa, mas parecia que ninguém dormia ali. A cama estava perfeitamente arrumada, não havia nada fora do lugar ou que denunciasse que era o território de alguém. Mas Alec lembrou que Lynx não dormia, então fazia sentido. Fechou a porta e seguiu para a última, que era onde ele dormiria.
Não se surpreendeu muito quando abriu a porta e viu que era o maior quarto da casa. Era obvio que Lynx faria algo assim. O quarto era todo em tons de branco, preto e cinza. A cama imensa com dossel tinha lençóis de seda preta e vários travesseiros grandes e macios. O chão era coberto por um tapete felpudo cinza e o guarda-roupa branco tomava uma parede inteira. Alec também não se surpreendeu quando abriu as portas e viu roupas que eram exatamente do seu tamanho e estilo.
Ele olhou para Lynx que apenas deu um sorriso sem graça.
Olhando a situação por outro ângulo, poderia parecer até meio bizarro, mas Alec achava que era muito atencioso e estava um pouco tocado... Não pela primeira vez, ele questionou a própria sanidade mental. Como uma pessoa normal reagiria a tudo isso?
O quarto também era equipado com um banheiro do tamanho de um quarto, com uma banheira que caberiam umas quatro pessoas. Nos armários da pia tinha tudo que Alec poderia precisar, desde cosméticos até remédios.
—Não tem TV. — Alec disse, mas não era uma crítica, apenas uma observação.
—Não tem TV nem Internet aqui na Cidade dos Mestiços. — Lynx contou. Ele estava parado no meio do quarto, mantendo uma distância de Alec. —As pessoas preferem fazer atividades ao ar livre. Tem muitos artistas na cidade então existem muitas formas de entretenimento. Mas posso providenciar uma TV e videogame pra você, um computador também se quiser, e...
—Lynx, não. — Alec riu meio exasperado. —Não precisa fazer mais nada, está bom assim.
—É só pedir. — Ele sorriu.
—Sua casa é muito bonita. — Alec se sentou na cama, e o elogio foi sincero. Depois da sala de música, tinha perdido a inclinação para fazer piadas. —De algum jeito, combina com você.
—Obrigado... Hm... Então, vou deixar você agora, deve estar cansado e... — Ele hesitou contorcendo as mãos como se quisesse dizer algo, mas pareceu desistir. —Se precisar de algo é só me chamar.
Ele se virou para sair e abriu a porta.
—Lynx.
—Sim?
Alex olhou para ele por um longo momento. Ele também acabou desistindo do que ia dizer.
—Boa noite.
—Boa noite, Alec.
E então ele saiu, deixando Alec sozinho com os próprios pensamentos.
Em menos de um mês sua vida tinha mudado bruscamente. Para ser mais exato, faziam três semanas que Lynx havia surgido em sua vida trazendo um mundo novo junto com ele, assim como despertando emoções e sentimentos que Alec não conseguia processar. Era impressionante que ele ainda não tivesse tido um colapso mental. Alec passou tanto tempo vivendo uma rotina imutável, tinha dias que ele até mesmo se sentia anestesiado, mas agora sua vida era uma caixa de surpresas.
Qualquer coisa poderia acontecer em qualquer momento, boa ou ruim. Ele pensou que era irônico ter precisado passado por tudo isso para perceber que talvez ele não estivesse tão feliz e em paz como acreditava estar antes, pois mesmo que quase tivesse sido morto várias vezes e ainda corresse perigo, ele nunca tinha se sentido tão vivo. Tudo graças a Lynx.
Lynx. O anjo da morte misterioso que ainda guardava segredos. Alec não era idiota o suficiente para acreditar que Lynx não escondia mais nada dele, e coisas que não eram apenas sobre seu passado sombrio. No entanto, ele acreditava na intensidade de seus sentimentos. Lynx realmente gostava dele, não era um engano e não era algo simples. Alec sentia o quanto esses sentimentos eram genuínos e profundos, mas não sabia o que fazer à respeito disso. Sua cabeça estava uma bagunça, pois além disso, ainda havia outra coisa. Já fazia algum tempo que Alec vinha sentindo uma sensação estranha. Ele não sabia descrever direito, mas era como se algo simplesmente não estivesse certo.
Talvez fosse apenas ansiedade. Ele acreditava que sim, pois tinha motivos o suficiente para ficar ansioso ultimamente, e ficar com a mente em um estado de alerta era um sintoma muito comum. Alec estava convivendo com a incerteza, com o medo do perigo, e todo dia era bombardeado com mais informações e emoções. Tinha sido tirado de sua vida monótona e jogado em um turbilhão de coisas que se alguém tivesse dito a ele que existia um mês atrás, ele recomendaria um psiquiatra para a pessoa.
E depois que tudo isso acabasse, ele certamente procuraria um.
O fato era que a vida de Alec nunca mais seria a mesma... E naquele momento ele não fazia ideia do quanto ela ainda ia mudar.
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