Capítulo 03
Uma semana se passou desde a prisão de Sara Sarlo. Nos meios de comunicação, jornais e redes sociais não se falavam de outro tema. Uma corrente de protestos se iniciou nas redes repudiando a mãe que supostamente havia quitado a sangue-frio a vida dos filhos, muitos também se atreveram a ir às ruas para pedir por justiça quando a população se inteirou que poderia haver detalhes que faria a sentença de Sara ser mais branda, mas aquilo eram somente rumores, a realidade daquela mulher era bastante complicada e as chances de ser condenada à pena máxima eram altíssimas.
Nora tratou de contratar um bom advogado. Não pensou duas vezes antes de quitar o dinheiro que há anos vinha economizando para ajudar a amiga, mas nem aquele tão encomendado advogado conseguiu a chave que desvendaria o segredo do caso de Sara Sarlo.
Depois de haver sido transferida para o presídio da capital do país, Sara tratava de se adaptar ao ambiente. Diferente de Querétaro que não compartiu a cela com ninguém, ali ela dividia com Verônica Suárez, uma mulher que havia sido condenada por matar o marido e a amante após haver os flagrado numa noite de luxúria.
Vero, como era conhecida por muitos, era uma mulher bonita, possuía um corte moicano curto raspado nas laterais e traços faciais dominantes, tinha um corpo bastante atrativo, que mesmo na cadeia seguia despertando a atenção pelas séries intensivas de exercícios físicos que sempre era pega praticando e, apesar de ela sempre mirar as pessoas por cima dos ombros e exigir respeito das demais detentas daquele lugar, Sara a considerou uma excelente companhia, ainda mais quando Vero a livrou de tomar uma tunda, horas depois de haver chegado ali.
— Toma, lê esse livro! — Verônica jogou o exemplar sobre a cama da companheira.
— Que livro é esse? — Sara pôs colocou o Rosário, qual rezava minutos antes, sobre o colchão e pegou o livro.
— Se chama "O Conde De Monte Cristo" do escritor francês Alexandre Dumas. — Sentou-se na beira do colchão com as pernas separadas e apoiou os antebraços sobre os joelhos. — Conta a história de um homem que busca vingança pela vida miserável que o obrigaram a viver depois de ser preso injustamente. — Jogou-se na cama e estendeu os braços acima da cabeça. — Talvez pode te servir, afinal, se é inocente como diz, alguém merece uma lição, não?
Sara observou a capa do livro e logo encarou a companheira.
— Com certeza! Mas eu não sei se um dia irei conseguir sair daqui para me vingar dessa pessoa que aparentemente me odeia, não? — Riu sem querer rir.
— Imagina quem seja? — Sentou-se novamente e encarou a companheira. — Tem algum palpite?
Ela demorou uns segundos para contestar.
— Não, não tenho ideia. Para ser sincera, posso ter mais inimigos que imagino — considerou.
Nora reagiu com espanto ao ser informada pela amiga da ocasião vivida no restaurante.
— Fernando está comprometido? — Arregalou os olhos.
— De verdade, eu não sei. Fernando nunca me comentou de companheira alguma, nem sequer usa anel de compromisso. Poderia imaginar que essa mulher é uma louca qualquer, mas da maneira que ela se apresentou a mim, amiga — respondeu, ajudando a Nora a colocar os ingredientes para o lanche noturno sobre a mesa.
— Bom, é certo que Fernando é muito galanteador, principalmente com as mulheres bonitas como você, talvez ele ocultou o compromisso para não perder essa comunicação tão intensa que tem com o sexo feminino.
Nora caminhou até a geladeira para apanhar o que faltava para o sanduíche, e Sara ruminou.
— Não sei, Nora... — disse, quando a amiga voltou à mesa. — Fernando não me parece esse tipo de gente, sabe.
— Ai, Sara, por favor, não seja ingênua. As pessoas podem agir da pior maneira para conseguir as coisas, não confie tanto no ser humano, sim?
Sara respirou fundo e ficou em silêncio. Se pudesse contabilizar às vezes que a amiga a aconselhava o mesmo, certamente se perderia nos números. Possivelmente era demasiado ingênua ao confiar nas pessoas e não esperar o pior delas, mas assim era e ainda não havia descoberto uma maneira de mudar. Ainda a custava aceitar que Fernando pudesse haver ocultado a noiva para seguir cortejando mulheres, no entanto, na manhã seguinte planeja buscar o colega para esclarecer as coisas.
Depois que as amigas fizeram um lanche e conversaram sobre diversos temas, Sara assustou-se quando mirou para o relógio e viu que era quase uma da manhã. Era inequívoco que propositalmente decidira ir para a casa da amiga depois do horário laboral, afinal de contas, há muito o romance com o marido havia terminado e, quando ela chegava do trabalho, ele já estava dormindo há muito tempo com as filhas, e daquela vez não foi distinto.
Sara cerrou os olhos por um instante e respirou fundo quando adentrou o quarto e viu a José Alberto dormindo profundamente sobre a cama. Sentiu muita falta dos dias em que ele somente dormia depois de fazerem amor.
— Isso é porque você não sabe usar suas artimanhas para segurar um homem, Sara!
No dia seguinte, Sara não pôde escapar dos conselhos matrimoniais da mãe de Nora. Tinha que admitir que dona Joaquina era boníssima gente, sempre tinha a capacidade de a arrancar boas risadas cada vez que visitava a amiga em sua casa, mas algumas de suas palavras nem sempre deveriam ser levadas a missa.
— O homem necessita ser paparicado, se sentir querido, e se as coisas não estão bem, é sua obrigação fazer algo para reacender a chama do matrimônio.
— Por favor, Sara, não escuta a minha mãe! — falou Nora, adentrando a cozinha.
Sara riu.
— O que estou dizendo é a verdade! Como acredita que o seu pai e eu ficamos por tanto tempo? De verdade, você pensa que jamais enfrentamos uma crise, que ele nunca me enganou com uma mulher fácil? Claro que sim, filha, e muitas vezes, mas eu sempre tive algo que o fazia enxergar que o seu lugar era ao meu lado, e assim foi! — Aconselhou.
— Mas o que posso fazer, dona Joaquina? Sou uma excelente esposa, cuido da casa, cuido das crianças...
— Não falo de serviços domésticos, filha, falo de um momento há dois, algo romântico, provocativo. Algo que o faça se sentir muito estimulado.
— Creio que isso vou ficar devendo, pois, há mais de seis meses que José Alberto não me busca! — Pegou a xícara que estava sobre a mesa e tomou um gole de café.
— Acredita que ele tem outra? — perguntou Nora, aproximando-se.
— Não sei! — Deu de ombros e respirou fundo. — Eu nunca vi nada que me fizesse desconfiar ou incriminasse a ele, mas tudo é muito raro.
— Por que você não conversa com ele? — sugeriu Nora.
— Por favor, filha! — Joaquina riu. — Os homens não são criados para dizer a verdade. Se Sara quer descobrir algo, tem que investigar, e se quer reacender a chama do seu matrimônio, tem que fazer por onde, filhinha. Seja romântica, seja sexy, seja o que ele gosta que você irá ver o seu marido tão enamorado quanto da primeira vez que fizeram amor. — Sara assentiu com a cabeça e ruminou, será que valia a pena doar-se tanto para salvar aquele matrimônio?
A porta da sala de visitas se abriu para a entrada de Sara que se acercou ao seu advogado com as mãos algemadas. Em mais uma visita comum, o licenciado tratou de informar a cliente a quantas caminhava o processo, também informou que uma testemunha que vivia cerca a sua casa, alegou que uma vez José Alberto a garantiu que sua relação com a esposa havia chegado ao fim depois do nascimento de Francisco.
Sara não reagiu mediante ao advogado. Decidiu dissimular que não tinha ideia de onde havia surgido uma informação tão infame, porém, conhecia perfeitamente a razão da vizinha ter aquela crença. O advogado tratou de deixar mais uma vez em evidência o quão grave e complicado era o seu caso, que possivelmente jamais iria sair da cadeia, no entanto, ainda havia um detalhe que podia definir a sentença de Sara Sarlo.
— Inimputável — Sara juntou as sobrancelhas, descrente.
— Sim, com o resultado do exame que a senhora foi submetida podemos alegar facilmente insanidade ante o juiz.
Há dias, Sara havia sido submetida a um eletroencefalograma com mapeamento cerebral, um exame que permite que seja feito um registro das atividades cerebrais e tem como objetivo identificar anormalidades neurológicas que afetam o paciente, gerando imagens das regiões frontais, parietais, occipitais e temporais. E o laudo do exame de Sara foi bem preciso ao diagnosticar sérias lesões no lobo-frontal, área cerebral responsável por controlar as emoções.
Com isso, os doutores definiram que Sarlo possivelmente havia sofrido um surto e que por essa razão não recordava do que havia cometido, mas Sara não acreditava naquele diagnóstico.
— Perdão, senhor advogado, mas não! Eu não sou louca! Eu não cometi esse crime! Seguramente há uma pessoa muito poderosa fazendo de tudo para que eu saia culpada. — indignou-se.
— Senhora, estamos falando do resultado de um exame.
— O laudo de um exame pode ser perfeitamente manipulado, ainda mais com dinheiro. Eu sou inocente, eu juro!
O licenciado ficou em silêncio.
— Não acredita em mim, verdade? Como todo o mundo acredita que sou culpada, não é? — Defraudou-se. Para ela, já era terrível estar sendo acusada de um delito que não cometera, mas ter o seu próprio advogado duvidando da sua palavra a fez sentir mais sozinha que nunca.
— Senhora, estou aqui para fazer o meu trabalho. Se acredito em você ou não, creio que isso é o que menos importa no momento.
— Como o que menos importa, advogado? — Levantou-se, alterada. — Estou há uma semana te contando detalhadamente o que sucedeu naquela maldita noite, como era minha vida com os meus filhos e o meu esposo e, quando penso que tenho ao menos uma pessoa do meu lado, vejo que nem o dinheiro que Nora está te pagando é o suficiente para te fazer acreditar na minha palavra! — Irritou-se.
— Senhora... — Levantou-se na tentativa de um argumento.
— Sabe de uma coisa? Não me interessa a sua defensa, já não quero que siga trabalhando para mim, já tem muitas pessoas duvidando da minha palavra, não necessito de mais um!
Sara mediu o advogado com o olhar e chamou a guarda, que abriu a porta.
— Sara, por favor, me escuta. O seu caso não está totalmente perdido, eu...
— Já não trabalha para mim, não me importa a sua opinião! — retrucou, árida.
Sara saiu da sala de visitas acompanhada da guarda que no caminho a sua cela se permitiu dar a sua opinião.
— Eu não quero me meter na sua vida, mas fez muito mal em dispensar o advogado.
Ela riu.
— Fiz mal? Ele não tinha uma solução para o meu caso, como todo o mundo, ele acredita que sou culpada. Acredite, eu não perdi nada.
— Isso não importa! Não importa se confiam em ti ou não, o único que importa é comprovar a sua inocência, seja para ele ou para todo o mundo. — Aconselhou.
Sara deu uma risada.
— Não há pessoa no mundo que conseguirá comprovar a minha inocência, disso estou segura — asseverou.
**
— Mais um café, por favor!
Mônica nem havia terminado a terceira xícara quando pediu ao garçom do estabelecimento a quarta. Nas mãos, segurava um periódico que trazia em mais de três páginas, informações sobre o caso de Sara Sarlo, e na TV o tema informado no noticiário não era distinto.
— O caso Sara Sarlo segue sendo uma incógnita para os investigadores que ainda trabalham para descobrir se Sara Sarlo cometeu o brutal crime contra a família sozinha ou com a ajuda de algum cúmplice.
O garçom levou o pedido de Mônica a mesa, e ela agradeceu sem quitar os olhos do televisor.
— Apesar de muitas testemunhas terem alegado que o casal passava por uma crise matrimonial, hoje, em depoimento, uma testemunha que vivia cerca ao casal, alegou que há meses o matrimônio deles era somente uma farsa imposta por Sara Sarlo. Também vale lembrar que a acusada pediu uma liberação para participar do velório e enterro dos filhos e marido, mas o juiz não a concedeu esse direito!
— Descarada! — resmungou Mônica, raivosa.
— Falou comigo? — perguntou o garçom que, como ela, estava interessado no noticiário.
— Não, nada. Estou pensando alto, nada mais. — Voltou a ler o periódico, desejando encerrar o tema.
— Escuta, a senhora que é uma advogada com muitos anos de carreira e já aprendeu a identificar delinquentes e psicopatas, acredita na inocência de Sara Sarlo?
— Para nada! Para mim, ela é uma dessas mulheres que não suportam uma traição ou o rompimento do matrimônio e decidem matar o marido, só que ela também decidiu matar os filhos e intentar suicídio, mas lamentavelmente ela resultou ser uma inútil quando teve que acabar com a vida de merda que tinha! Por mim, essa aí iria para cadeira elétrica sem direito a auxílio caso algo saísse errado.
O garçom ficou atônito a reação de Monica. Era certo que há muito tempo conhecia aquela mulher e estava inteirado do seu caráter forte e de sua postura um tanto polêmica ao condenar a delinquência e a bandidagem, porém, nunca havia a escutado mencionar a alguém com tanta raiva e repulsa.
Para quem não conhecia a Mônica Carvarral completamente, estranharia o tanto de sentimento que ela utilizou para se expressar de Sara, mas quem estava inteirado de quem ela realmente era detrás da máscara de advogada justiceira, compreenderia que quem sempre opinava sobre aquele tema não era a Mônica profissional, e sim a mulher que era mãe de solteira de uma menina e que sozinha criou o irmão desde a morte dos pais quando ela ainda era uma jovenzinha.
Quando Felipe decidiu ir embora com outra mulher deixando a Mônica com uma filha de três anos, ela por um momento se sentiu incapaz de dar conta da filha. Acreditou que, por mais que tivesse conseguido seguir com o irmão adolescente para criar, com a menina não seria tão fácil, ainda mais quando haviam destroçado o seu coração.
Porém, como sempre, Mônica logrou a estar muito bem e as dificuldades pareceram pequenas mediante a garra de leoa que sacava todas às vezes que tinha que lutar por aqueles que amava, por isso, tinha tanta repulsa por Sara. Hoje, a sua pequena era a luz de sua vida e a amava mais que tudo no mundo, e não conseguia decifrar como uma mãe era capaz de fazer dano aos seus próprios filhos.
Exausta de pensar naquele tema, Mônica colocou o periódico sobre a mesa e tomou um gole de café.
— Ainda interessada neste caso?
Mônica ergueu a mirada e viu o namorado.
— Olá, meu amor. Não te vi chegar! — Sorridente, ela levantou-se e cumprimentou o namorado com um selinho.
Ele era Fernando Luna, o eterno cortejador de Sara Sarlo.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro