Capítulo 24
Atordoada com a resposta, Giuliana só conseguia encarar a senhora a sua frente. Após um longo silêncio para criar coragem, Giu conseguiu continuar a conversa
— O que quer dizer com 'a outra' eu?
A mulher sorriu amistosa, endireitou-se na cadeira e prosseguiu
— Exatamente isso. Uma outra você além da outra.
— Não entendo - questionou Giu
A entidade pegou um fio de linha branco do carretel que estava dentro de uma cesta de costura. Arrancou um bom pedaço e entregou uma das extremidades para Giu
— Segure, sim?
Em seguida, tirou da cesta um carretel de linha vermelha e arrancou um pedaço de quase do mesmo tamanho e entregou a Giuliana novamente, ficando a mulher com a outra ponta.
— Observe atentamente
A figura, que segurava uma ponta na mão esquerda e o outra na direita, esticou as duas linhas e Giuliana percebeu que a linha vermelha era maior que a branca mas pouca coisa. Depois, a mulher começou a puxar as linhas, tensionando-as.
— Continue segurando. Não solte. E observe - instruiu a entidade com o tom de voz calmo e falando pausadamente.
De repente, a linha branca se rompeu, restando um pedaço do fio muito pequeno nas mão de Giuliana. A mulher ainda tencionava o fio vermelho que, após alguns minutos, rompeu-se também mas ao contrário do branco, havia um comprimento maior.
Giuliana olhava para os pedaços que segurava. Um sentimento angustiante tomou conta dela, sentimento que ela não compreendia. Ao erguer os olhos para a mulher a sua frente, reparou que ela sorria enquanto recolhia as outras metades dos fios
— O que eu devo fazer com isso? Eu ainda não entendo o que quer me dizer...
— A linha branca permaneceu tensionada por doze minutos antes de romper. A linha vermelha permaneceu tensionada por onze minutos a mais até se partir. Duas linhas independentes, compartilhando uma diferença pífia antes de se quebrarem. O que daria para fazer para restaurá-las?
Giuliana franziu o cenho mas confusa que antes. Não estava entendendo o que as linhas tinham a ver com a sua vida ou o que andava fazendo. A jovem encarou os olhos da mulher e notou um brilho intenso , quase debochado, olhando-a de volta.
— Não tem como restaurar...Elas se partiram pra sempre, não tem como remendar
— Se é o que pensa, vou respeitar. Antes de terminar, me diga...O que é capaz de quebrar algo para sempre?
A jovem ficou muda novamente. Sua cabeça latejou e as imagens que havia visto anteriormente, voltaram com tudo. Eram borrões estranhos, com muitos rostos e uma atmosfera de medo, dor e solidão. Giuliana não conseguia discriminar nada do que via, seus sentimentos confusos também não a ajudava.
— A verdade já foi mostrada. Está em negação , por isso não consegue ver. Preciso ir. No momento certo, voltarei. Para avançar em sua busca, pegue o que tem e olhe para onde tudo começou
— Espere! - bradou ela, mas já era tarde
A mulher começou a se mover, fechando e abrindo os olhos, balançando a cabeça até se curvar para frente. Seus movimentos pareciam que ela estava a liberar a energia contida nela. Ou do espírito que a possuiu. Giuliana não sabia dizer. Raul apareceu logo em seguida para prestar assistência às duas.
— Tudo bem, Giu? - era Miguel, erguendo-lhe a mão para auxiliá-la ao se levantar
— Sim, eu acho - disse em voz baixa - Vamos embora, estou cansada.
Miguel concordou prontamente, envolvendo Giuliana em um abraço
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Cristiano socava o chão com violência, inconformado por ser enganado pela segunda vez. Na cova, estava uma gravação em um toca-fitas antigo com a voz da sua filha. A pessoa que havia feito aquilo pensou nos mínimos detalhes, inclusive nisso.
O rapaz se ergueu do chão pisando firme, xingando tudo e todos no caminho. De repente, sentiu o telefone tocar no bolso. Quando pegou, viu na tela que se tratava de um número desconhecido, hesitou em atender e preferiu deixar tocar até parar.
Continuou seu trajeto de volta para o carro. Estava transtornado demais para continuar com seu dia de buscas. Assim que entrou no veículo, o telefone tocou mais uma vez.
— Número desconhecido... - resmungou
Cristiano já preparava-se para desligar a chamada quando lhe ocorreu que poderia ser de um dos sequestradores. Motivado por essa ideia, atendeu
— Olá, senhor Paiva. Achei que iria me ignorar outra vez... Nunca lhe disseram que é feio deixar uma mulher esperando? - a voz riu
— Não quando ela é uma psicopata . Onde está minha filha? Estou cansado desses jogos estúpidos...Diga o que quer!!
- Oh, querido...Eu não quero nada. Não sigo suas ordens mas sim as dele. E ele pediu para que eu me divertisse um pouco enquanto mantenho você longe de tudo. Inclusive da sua pequena garotinha...Oh, Cristiano...Você sempre persegue a distração enquanto o lobo mau sai para caçar
— O que está insinuando, sua vagabunda? - vociferou Cristiano
A mulher do outro lado gargalhou com força
— Ora, que você não é tão esperto quanto diz ser. O tempo todo, todos os sinais, todas as pistas sempre tão visíveis mas você ignora. Fez isso com a Clarice. Ele me contou como fez com ela...A sedução, a amizade. Você nunca reparou. - riu novamente - Para você, o perigo é sempre externo, culpa dos outros.Erro fatal, caro delegado. Pense bem em todos os casos de violência contra mulheres... Sequestros, mortes... O que todos têm em comum?
— Para de jogar enigmas e fala logo!
— O inimigo não está oculto. Pense nisso. - fez um breve silêncio, como se ela falasse com outra pessoa - Mas parece que é seu dia de sorte, senhor Paiva. Parece que meu chefe está contente hoje e promete te dar uma boa notícia
Antes que pudesse responder, a ligação foi interrompida. Cristiano se xingou por não ter pensado em rastrear a ligação de alguma forma ou até mesmo ter avisado Izabel sobre as novidades. Tentando restaurar sua calma, respirou fundo e acelerou rumo a casa de sua sogra. Precisava ver Ester
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Miguel se certificava de que Giuliana estava bem a cada cinco minutos. Seu rosto estava pálido e ela quase não respondia às suas perguntas
— Está tudo bem mesmo?
Giu sequer notou a intervenção de Miguel. Foi preciso que ele parasse e segurasse seu rosto.
— Quer parar de fingir uma vez na vida, por favor?
— Não estou mentindo ou fingindo. Eu estou bem...Só não me sinto eu mesma - respondeu ela
— Sabia que não era uma boa ideia vir aqui. Este lugar afetou sua cabeça. Não sei o que você ouviu mas esqueça, tá legal?
— Fácil para você dizer...Não é sua vida que está em jogo.
Miguel suspirou e abraçou Giuliana
— Acho que sei do que você precisa.Vou te levar em casa, ok?
Giuliana concordou e permitiu ser conduzida até o veículo de Miguel, que dirigia tranquilamente. Os dois quase não conversavam pois Giuliana estava séria demais observando a paisagem pela janela. Seus devaneios foram interrompidos ao notar um carro com película nos vidros andando muito próximo do carro deles.
— To ficando paranoica - sussurrou, chamando a atenção de Miguel
— Algo errado?
— Hmm. Acho que tem alguém nos seguindo...Mas não sei, minha cabeça tá mal hoje.
Miguel assentiu e continuou dirigindo e Giuliana, ainda olhava pelo retrovisor a movimentação do carro. Miguel fazia o trajeto completamente indiferente ao que se passava mas Giu não. Nem foi preciso observar muito para ter certeza de que estavam sendo seguidos.
— Miguel - disse em voz alta - Temos de parar em um lugar antes de ir pra casa
— Por que?
— Olhe pra trás, no retrovisor
Miguel fez o que Giuliana pediu e viu que o mesmo veículo que chamou a atenção da jovem, estava cada vez mais próximo.
— O que faremos?
— Não entra em pânico. Mantenha a velocidade e faça exatamente o que eu pedir.
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O caminho para a sogra parecia maior do que se lembrava Cristiano. Para se distrair, ligou a estação de rádio e, na medida do possível, tentou curtir alguma música. Enquanto dirigia, pensava no que a sequestradora tinha lhe dito e temia descobrir a surpresa que ela e seu chefe prometeram a ele. Se tratando de criminosos, o juízo de valor sobre bom e sorte eram bastante relativos
Cristiano não reparou quando a música foi interrompida por uma notícia inesperada. Só se deu conta quando escutou um nome familiar
Desesperado, fez questão de aumentar o volume
"A polícia acaba de receber novas informações sobre o desaparecimento de Maria Paiva, filha de um ex-delegado conhecido da região. Neste momento, equipes de buscas, paramédicos e demais profissionais estão se dirigindo para o local que uma denúncia anônima indicou como sendo o cativeiro. A polícia ainda não descarta a hipótese de..."
Cristiano desligou o rádio e acelerou. No trajeto, acabou passando por algumas viaturas e desconfiou de que estavam indo para as buscas. Mesmo que não usasse a comunicação oficial há muitos anos, decidiu sintonizar a frequência do seu aparelho para receber as mesmas orientações dos oficiais. Graças a isto, Cristiano teve conhecimento do provável paradeiro de Maria.
O jovem refez sua rota com tamanha rapidez e de modo brusco que quase causou um engavetamento. Mas ele não se importava com isso agora e sim com sua filha
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— Tem certeza de que vai dar certo? Eles ainda estão na nossa cola!
— Não sei, ok? Mas foi a única ideia que eu tive. Se chegarmos próximo de onde Cristiano trabalha, podemos pedir ajuda de lá. O condomínio é fechado mas eles vão nos dar guarita. Cristiano deve ter minha entrada liberada
— Quem garante que será suficiente?
— Para de teimar comigo e segue em diante.
Miguel cortava o trânsito, pegava atalhos, fazia de tudo para despistar o carro mas ele estava muito em cima. Ao ultrapassarem a passarela da Candangolândia, Miguel notou que mais um carro havia se juntado ao anterior
— Droga!
— O que foi?
— Mais um carro...Eles vão nos encurralar
Giuliana arregalou os olhos surpresa com a informação. De imediato,virou o corpo para trás a fim de confirmar as falas de Miguel e, para sua decepção,era verdade.
— Se segura, Giu.
Antes que ela se desse conta, foi arremessada para o painel por conta da manobra brusca de Miguel. Diferente do que ele vinha fazendo antes - temeroso e com receio de andar rapidamente no trânsito - , Miguel sabia exatamente o que fazer. Seus olhos mal saiam da estrada exceto para conferir o movimento atrás de si.
Já estavam na altura do viaduto do Aeroporto quando um terceiro carro integrou a comitiva. Miguel soltou um palavrão imenso ao reparar
— Esses filhas da puta não vão nos deixar escapar
— Não tem problema, só precisamos chegar até o condomínio. Não estamos tão longe.
— Não vamos para lá
- O que? - resmungou indignada - O que pensa que está fazendo?
Antes que ele respondesse, Giuliana viu Miguel apalpar a base do porta-luvas atrás de alguma coisa e Giuliana quase infarta ao ver uma arma
— Salvando você! Ninguém encosta em ti. Não sob minha supervisão
Apavorada com a cena, Giuliana se sentia indefesa como nunca.
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O bloqueio policial estava triplamente fortificado. A área isolada era muito maior do que o recomendado e Cristiano supôs que aquilo era alguma medida nova para impedir a imprensa de urubuzar o caso. Quando estava se aproximando do certo, se identificou com o oficial que, para seu azar, não podia permitir sua entrada
— Sou o pai da menina. Por favor, me deixe ajudar
— Sinto muito, camarada. Ordens são ordens
Cristiano segurou a vontade de esmurrar o homem mas não achava prudente.
— Algum problema, oficial?
Cristiano se virou e viu Izabel. Aliviado, abraçou a velha amiga
— Obrigado por estar cuidando disso também...Estou no meu limite . Por favor, me deixa entrar ali, eu imploro.
Izabel assentiu com a cabeça, conversou brevemente pelo telefone com algum superior que, em minutos, já tinha repassado o comando para o oficial em frente a eles.
— Muito bem. Estão autorizados a entrar
Cristiano seguiu Izabel pelo caminho e adentraram campo. Pelo o que conseguia ver aquela hora do dia - já eram quase oito da noite - parecia um antigo parque de recreação utilizado pelos condôminos mas que não estava sendo usado mais. A equipe de busca farejava um pequeno labirinto baixo feito de tijolos de barro, na altura de uma criança de oito anos.
Sempre seguindo os oficiais, acabaram entrando no labirinto e chegando a uma casa de bonecas. Não era tão pequena, cabia perfeitamente um adulto de pé.Apreensivo, Cristiano aguardou o movimento do primeiro oficial que, com um chute, abriu a porta
Todos entraram mas ficaram bastante confusos como que viam. Sem dúvidas, a menina esteve ali pois havia sinais de comida, lençóis e outros utensílios recém utilizados. Porém, para além daquelas evidências, só restava um enorme recado escrito com giz no quadro preto no centro da construção
ESTOU EM CASA, PAPAI
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Ester estava na cozinha preparando seu quinto chá de camomila. Sua mãe lhe fazia companhia em silêncio, bebericando o café que tinha feito durante a tarde. Michele estava na sala, vendo desenho na maior altura mas Ester não tinha forças para discutir com a menina. Ela já não estava com o melhor dos humores e Michele não sabia lidar com a frustração de estar sozinha sem a irmã
— Vou tomar um banho e me deitar - disse Ester colocando a xícara sobre a poa - Peça a Michele para não dormir tão tarde hoje
A mãe de Ester concordou em silêncio enquanto observava a filha se encaminhar para o quarto. Quando estava para cruzar o corredor principal, Ester escutou a campainha tocar. Confusa, preferiu ignorar. Podia ser algum vizinho curioso ou a imprensa. Continuou seu caminho solitário
A campainha tocou novamente, dessa vez com um pouco mais de insistência. Irritada, Ester foi até a porta contrariada, destrancando e abrindo-a com toda força
— Vai embora, não tenho nada a declarar - disse a mulher automaticamente até notar quem estava na porta.
— Eduardo?
Os olhos de Ester encheram de lágrimas ao ver a filha no colo do amigo. Ela estava fraca e bastante pálida. Eduardo não parecia bem também, estava coberto de escoriações e um grave machucado no braço
— Precisamos levá-la ao hospital imediatamente - disse ele desesperado - Chame a ambulância, não acho que temos tempo.
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