Capítulo 17
Gotas de suor escorriam no rosto de Giuliana que permanecia imóvel na sala restrita, olhando impaciente para os objetos que Ricardo lhe dera. Pensava sozinha quanto tempo demoraria até ele ou algum de seus amigos chegarem. Seu lado paranóico, teimava em dizer que seu pedido de socorro sequer chegou em quem deveria chegar. E sim, ela iria morrer ali mesmo em meio aos livros e aos segredos em torno de sua breve vida.
A jovem sentiu a garganta embargada, os olhos marejando devagar . Um leve riso de escárnio saiu de seus lábios por estar chorando diante do risco da morte. "Quando foi que me tornei tão mole?", recriminou-se. Giuliana já havia passado por situações piores. O risco da morte não era lá tão desconhecido para ela: infância difícil, andanças na rua, órfã, invadiu uma casa acompanhando um detetive meio doido, foi ameaçada, quase explodiu pelos ares. Giu não deveria estar paralisada de medo. Mas estava e não era pouco.
— Estou tão perto... - aquelas palavras saíram automaticamente, fruto do inconsciente que respondia à sua confusão emocional. Respirou fundo, contando até sete e esperou o coração desacelerar. Tinha de reagir, sai dali o quanto antes. Até agora, Giu havia tido a sorte de não ter sido encontrada. A jovem se recompôs e voltou até a área da biblioteca
Como bem imaginava ela, o atirador ainda estava no local. O barulho que fazia enquanto derrubava os livros das prateleiras e os móveis do ambiente, sinalizavam que a paciência dele não era das maiores. De relance, Giu notou que o homem estava em uma posição favorável para ela. Se fosse rápida o suficiente, conseguiria se esconder entre as prateleiras, contornar os corredores e sair. Plano simples e fácil de ser executado.
O atirador enveredou pela penumbra procurando sabe-se lá o que. Com a respiração irregular, Giuliana saiu de onde estava e deu passos largos para chegar no seu "safety point" .
Só mais três passos e você estará perto da saída - pensou. Então o inesperado aconteceu: seu telefone começou a tocar.
Giuliana congelou no lugar e sentiu o corpo pesar. Com as mãos trêmulas, vasculhava na mochila para achar o aparelho. As pernas pareciam ceder involuntariamente, como se quisessem se prostrar e pedir misericórdia ao atirador que, com certeza, não teria pena dela e de sua história.
De repente, achou o aparelho. No visor, estava o nome de Miguel.
— Isso é hora desse infeliz me ligar? - resmungou. Olhou ao redor e não viu sinal do assassino. Talvez, por sorte do destino, ele estava longe demais para ouvi-la. Giuliana apressou-se e se escondeu o mais distante possível da área em que estava o rapaz mascarado.
Agachou-se e se pôs a rezar para que a ajuda viesse logo.
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A conversa com a Doutora Izabel durou mais do que Cristiano imaginou. Sua situação não era das melhores e , com certeza, enfrentaria consequências enormes tanto na vida profissional quanto na pessoal. Seu mundo estava para colapsar diante dos olhos dele e a impotência que sentia, era incomoda demais.
— Veja, Cristiano... Você já foi longe demais. Sequer era pra ter iniciado essa reabertura. Isso era parte do nosso último acordo. Uma vez rompido, ainda mais com essas acusações contra você, não vejo outra alternativa a não ser prendê-lo por obstrução da justiça.
Cristiano fechou os punhos com força, não queria se descontrolar na frente de Izabel. Sentindo a cabeça latejar, massageou as têmporas. Precisava negociar sua liberdade.
— Se eu lhe garantir que tudo o que tenho feito, solucionará o caso Clair, você me ajudaria nisso e desistiria de me prender? - disse com firmeza.
Pega de surpresa pelo tom de confiança do rapaz, Izabel não conseguiu manter sua postura inflexível. Ela conhecia bem o caso, sabia da repercussão e do quão sortuda seria se ela fosse uma das investigadoras que desvendassem o crime. E, além disso, como mulher, Izabel empatizava com a história da jovem. Cristiano havia atingido em cheio seus pontos fracos: o apelo afetivo do caso e o prestígio profissional que ele carrega.
— Muito bem , Sr. Paiva, conseguiu minha atenção. Agora , precisa me convencer. Conte-me o que sabe e eu direi se aceito sua proposta - respondeu Izabel fechando sua pasta.
— Antes, preciso ter acesso ao meu celular. Se seus olhos não te convencerem do que está prestes a ver, então minha sentença já está dada.
Com um leve sinal, Izabel sinalizou ao agente de segurança para que buscasse os itens pessoais de Cristiano.
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Dois homens, com cara de poucos amigos em uma Kombi antiga, discutiam sobre os erros que os levaram a cometer um erro enorme que custaria o sucesso do trabalho para o qual foram contratados.
— Como diabos você conseguiu a proeza de se envolver em uma confusão logo hoje? - recriminou o rapaz de meia idade, barba por fazer e um hálito insuportável de cachaça.
— Eu não imaginei que trombaria com um idiota, tá legal? As pessoas andam surtando por pouca merda hoje em dia. Ele estourou minha cara na porrada sem nenhuma razão - respondeu o jovem
— Se estivesse focado no seu trabalho ao invés de ficar indo atrás de rabo de saia, já estaríamos em vantagem... No mínimo, é um dos clientes da sua puta de luxo....Mas foda-se, vamos ao que interessa. O chefe já sabe se a fedelha atrevida está em Montes Claros?
— Sim, já está há algumas horas...Porém, nem se você dirigisse mais rápido, chegaríamos a tempo. Uma de nossas fontes acaba de informar que a garota está pretendendo investigar sozinha o convento ainda hoje.
— Puta que pariu, mulher tem pacto com o cão mesmo. Quando elas querem algo, conseguem na marra...E nem duvido que a putinha vai achar alguma pista daquela freira descarada...
— E é isso que temos de evitar. O coronel está louco com isso.
— Se de carro não é mais possível, o que faremos?
— O coronel tem helicóptero, jatinho ou essas coisas todas , não tem?
— Sei lá, deve ter. Gente rica sempre tem... - comentou o mais velho deles, bebendo do seu cantil com água ardente
— Vou ligar para ele. Adiante o serviço e já toca essa caçamba de lixo para o terreno do chefe. Chega de perder mais tempo.
— Pode deixar!
Após um silêncio de dez minutos, o homem alcoolizado volta a pertubar seu colega.
— Tua garota não vai estranhar seu sumiço? O pessoal lá da tua faculdade?
— Não...Ela não estará na cidade, ela tem coisas para resolver, se é que me entende. E quanto aos meus colegas...Hum, idiotas demais para darem pela minha ausência - disse ele rindo maliciosamente - Agora pare de falar sobre minha vida pessoal e acelera
— Ok, senhor nerd. Você quem manda !
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O clima na biblioteca ainda era tenso e o calor abafado do ambiente, não ajudava em nada Giuliana. O cheiro de gente morta que começava a tomar conta do espaço, fazia o estômago da jovem torcer de nojo. Apesar disso, estava feliz de ter concluído a primeira etapa do seu plano. Se ela desse mais duas voltas no corredor, estaria livre à tempo de escapar do homem.
Por algum instinto estranho, Giu decidiu enviar mensagem para Cristiano, dar notícias e contar o que se passava. Ele brigaria com ela, claro. Falaria o quão burra e imprudente estaria sendo por ficar trocando mensagens com ele enquanto alguém armado circula na biblioteca. Para não passar pelo mesmo sufoco, pôs o celular no silencioso e digitou uma mensagem breve para o amigo detetive.
Querendo não perder tempo, averiguou o perímetro e não viu sinal de movimentação.
— Hora da parte dois... - disse ela. Após contar até três, andou com cuidado e rápido o suficiente para se esconder no setor à sua frente. Quando chegou, sentiu o celular vibrar. Era Miguel novamente. Revirou os olhos e desligou a chamada.
Giuliana estava pronta para se mover novamente, mas percebeu o assassino no caminho. Ela teria de esperar por ele antes de continuar. Conferiu o aparelho que Ricardo havia lhe dado mas nada além da mesma mensagem: "código de segurança solicitado. Aguarde no local".
O telefone vibrou pela terceira vez. Mesmo com raiva, Giuliana decidiu atender. Se ela desconversasse e encerrasse o assunto logo, não haveria necessidade de uma nova chamada. Ainda de olho no salão principal, Giuliana atendeu Miguel.
— Oi, o que você quer de mim, Miguel? - disse aos sussurros
— Isso é jeito de tratar seu quase futuro namorado? - Giu ouviu a voz dele soar mais baixa que o normal. Provavelmente, pelo sinal fraco da ligação dentro de um ambiente tão fechado e isolado. - Desse jeito, vou pensar que não me quer por perto... - disse fingindo mágoa.
Em outra circunstância, Giu acharia até divertido fazer esse teatrinho, mas não naquela hora. Atenta ao seu redor, Giuliana observava o atirador que, agora, estava agachado próximo à pilha de corpos
— Como está sendo a viagem? Já encontrou algo de interessante?
— Bem, sim e não...Estou tentando resolver parte da situação nesse exato momento - disse pausadamente, para que suas palavras não ecoassem no silêncio sepulcral da biblioteca.
— Estou te atrapalhando?
— Não muito... - disse para disfarçar. Mesmo que estivesse sendo bem inconveniente, não queria deixar Miguel preocupado. - Mas preciso de foco senão, posso arruinar tudo.
— Claro, cada ação conta muito para um desfecho feliz nessa história, não é?
— Sim...Conta mesmo - os olhos de Giu não saiam de cima do atirador. Ela estava começando a ficar intrigada pela falta de ação dele. O homem estava parado fazendo nada de relevante. Ao menos, era a impressão que ele causava.
— Pena que não posso te ver... É o que eu mais desejo nesse momento
— Mas vamos nos ver, tenho fé!
— Tenha cuidado, Giu. Não quero que se machuque. Eu te...
Por algum descuido enquanto falava no telefone, seu rosto acabou acionando o auto falante da ligação. As últimas palavras de Miguel retumbaram como uma colher caindo de madrugada no chão da cozinha, avisando à mãe que tem gente acordada aprontando. O atirador se levantou e virou-se na direção de Giuliana, com a arma em riste.
A primeira bala ricocheteou próximo à orelha de Giuliana. O zunido quase a fez cair no chão. Desesperada, saiu correndo para qualquer lado a fim de se esconder novamente. Enquanto estivesse exposta, seria um alvo fácil.
O homem continuava atirando. Após um tempo desnorteada, reparou que ele não estava fazendo o mínimo esforço de atingi-la. Ele estava se divertindo com ela. Obviamente, Giu não se deixou levar por essa dádiva do divertimento porque: um, ele era capaz de matar com a mesma facilidade de alguém que acorda pela manhã e boceja; dois, ela não sabia por quanto tempo duraria o bom humor dele.Por essa razão, continuou correndo e se escondendo até que ele não estivesse mais em sua cola.
Demorou, mas o atirador cedeu à Giuliana a oportunidade de descansar. Seu coração batia forte, a pele vermelha pela corrida desenfreada da perseguição. Só após respirar fundo e notar as mãos molhadas de suor que ela reparou que a ligação com Miguel ainda estava ativa. Seu rosto empalidece ao imaginar que ele , provavelmente, ouviu tudo.
— Miguel? Alô? Tá me ouvindo? - ela dizia em voz alta. Já não importava mais o tom de voz já que quem determinava a dinâmica do momento, era seu perseguidor.
Giuliana ouviu a voz de Miguel sair entrecortada, como se houvesse alguma interferência no sinal. Rezou para que ela tivesse acontecido já desde o instante em que o atirador executou o primeiro disparo contra ela.
Quando estava desligando o celular, Giuliana sentiu seus cabelos serem puxados para trás. Com a guinada repentina, seu pescoço estalou, gerando uma dor insuportável. O atirador a arrastava com calma e paciência para o centro do saguão da biblioteca.
Mesmo com dor, Giuliana começou a se debater e a se agarrar nos móveis que estavam ao seu alcance no caminho com as pernas ou os braços. Isso fez com que algumas prateleiras caíssem em efeito dominó.
Ironicamente, a cada metro arrastado, um estrondo era ouvido. Como um cronômetro em contagem regressiva, a biblioteca informava que o tempo de Giuliana estava se findando.
Quando chegou onde queria, o homem soltou Giuliana. Aproveitando o momento, a jovem se ergueu num salto e partiu para cima do seu algoz, que prontamente derrubou Giu no chão e montou sobre ela, imobilizando-a
O mascarado pressionou vagarosamente o antebraço na garganta de Giuliana, apreciando a visão de ter uma mulher sob ele, sufocando até a morte.
Giu, por sua vez, tentava atingir o rosto do homem, machuca-lo de alguma forma para que pudesse sair da posição de presa. Com as mãos, arranhava, socava e beliscava o homem. Usava as pernas para deslizar a ponto de escapar do estrangulamento, mas não conseguia.
Nessa hora, todas as emoções do dia romperam em lágrimas. A cena , na cabeça de Giu, era mais do que patética: morrer chorando enquanto vê seu assassino sentindo prazer em mata-la. Os olhos dele estavam brilhantes de excitação. Foi quando ela notou a vermelhidão no globo ocular esquerdo, o que conferia à expressão dele um ar sanguinário.
Quando ele se cansou de esgana-la, tirou a arma do coldre e posicionou na testa dela e preparou o disparo. Apesar da piora do cenário, aquele pequeno gesto de liberá-la, deu à Giuliana a vantagem de que precisava. Lembrando-se do golpe que Cristiano a ensinou, Giu girou a mão do homem de modo a torcer o braço dele para mudar a rota do tiro, que atingiu o teto do prédio.
Com a distração que Giuliana causou no atirador, ela o empurrou para longe e seguiu para a porta de saída. O homem tentou novamente prende-la mas Giu estava com sangue nos olhos de ódio e cansaço, então não se permitiu ser dominada pela segunda vez.
Percebeu que, enquanto ele estivesse em sua cola, ela não conseguiria sair com facilidade. Tinha que acabar com ele antes que sua vantagem terminasse. Lembrou que em sua mochila tinha seu esqueiro. Livros e fogo seriam salvação. E na pior das hipóteses, seu inferno.
Giuliana correu até as prateleiras caídas e iniciou o pequeno incêndio. Enquanto o fogo ganhava força, ela ia alimentando-o com mais e mais livros. Em pouco tempo, as chamas ganharam altura. Ela só tinha de correr até a saída
Sem perder tempo, Giu usou o resto de força que tinha para escapar da sua prisão. O calor do incêndio crescia às suas costas e o barulho do fogo trepidando parecia dar mais impulso ao andar de Giuliana.
Feliz e aliviada, saiu pela porta como o sobrevivente do labirinto do Minotauro. Prestes a fechar a porta, sentiu a mão do homem lhe agarrar. O toque quente fez seu corpo saltar de pavor. De repente, sentiu gotas sobre si. Olhou para o topo e viu que o mecanismo de incêndio havia sido acionado.
Em minutos, o corredor do convento foi sento tomado de pessoas. Giuliana sabia que estava salva e agora só precisaria se cercar de alguma autoridade. O pior havia passado
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Izabel saiu pensativa do encontro com Cristiano e bastante tentada a ajudá-lo. Porém, por precaução, prometeu responde-lo em uma semana. Para finalizar sua sindicância, Izabel foi até o pronto socorro para colher o depoimento de Miguel.
Na entrada, identificou-se e pediu as informações de que precisava. Com a resposta que teve, compreendeu melhor a desconfiança de Cristiano
— Desculpe senhora, mas este paciente não deu entrada aqui neste local.
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