Capitulo 15
Ester acordou e não viu o marido na cama. Estranhou tal atitude pois, pelo horário, ele deveria estar no banho. A mulher jogou as cobertas para o lado e foi conferir na cozinha.
Como imaginava, nem sinal de que ele tinha passado por ali, outra estranheza. Na geladeira , um bilhete escrito às pressas. Era do marido.
"Bom dia, meu amor.
Apareceu algo muito importante no trabalho e precisaram de mim o mais cedo possível. Desculpa sair sem avisar. Nos falamos em casa quando voltar. Cuide-se no caminho do trabalho e dê muitos beijos nas meninas por mim. Amo vocês. Cristiano"
Ester sentou-se a mesa com o rosto inexpressivo. Se fossem algumas semanas antes, ela não teria se incomodado tanto. Acharia as palavras finais do marido doces e carinhosas. Hoje? Parecem convenientes para manter a harmonia no lar. Mas Ester sabia que não havia paz. Não quando viu com seus próprios olhos a razão da ruína do seu casamento.
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— Tião, preciso que você me libere esse final de semana - disse Giu, sentando-se ao lado do senhor que separava as contas à pagar.
— O que anda aprontando? - disse sem titubear
— Assuntos pessoais...E então, posso?
Tião olhou para a jovem, tentando ler o que se passava com ela. Apesar da euforia dela ao te implorar pelo favor, seus olhos pareciam ansiosos e até temerosos sobre o que faria no final de semana. Após um longo suspiro, ele concordou com a cabeça e fez sinal para que ela o deixasse em paz com a contabilidade.
— Muito muito muito muito obrigada! Você tá salvando uma vida! - disse saltitante.
—Blá blá blá...Jovens e seus desesperos - ele revirou os olhos.
Giu se retirou, pegou o telefone e comunicou Cristiano das novidades.
"Tô livre. Já já apareço aí no escritório. Miguel vai me levar"
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Cristiano parou de contar os copos de café quando passou da quinta caneca. Estava com os olhos vidrados nos vídeos das filmagens do hotel de Damião e anotava em uma folha à parte, todas as figuras suspeitas que apareciam. Porém, tinha estranhado não ver Clarice em momento nenhum das imagens até o momento, nem mesmo na recepção do hotel.
— Talvez eu esteja procurando no intervalo de horário errado... - pensou em voz alta.
Na cabeça dele, pautado no que ouviu de Túlio e Giuliana, Cristiano deduziu que Clarice foi para o hotel depois do incidente com Túlio. Mas, pelo visto, ele estava enganado.
O delegado decidiu, então, ampliar o horário de busca. Mesmo que levasse tempo, teria que conferir tudo desde o início do dia em que Clair estava viva.
Dessa vez, teve mais sucesso. Logo de cara, com as imagens do saguão e estacionamento, Cristiano viu Túlio conversando com um rapaz em uma moto, que entregava uma bolsa dessas de esporte para ele. Não era possível identificar a fisionomia do motoqueiro pois estava de capacete e de costas para o enquadro da câmera. Mas, ao menos, Cristiano tinha o número da placa e o modelo da moto. Com isso, já poderia iniciar uma busca decente.
Outro fato curioso era o modo alterado que ambos conversavam. Não pareciam brigar entre si, mas sim, reclamar sobre um mesmo tema. O instinto de Cristiano tratou de deduzir que tema seria: Clarice!
— Filhos da puta ... - disse ríspido, os punhos fechados de raiva. Pausou o vídeo e deu uma volta pela sala para colocar as emoções no lugar. Quanto mais pensava, pior era o cenário e o sentimento que surgia dentro dele - Falando dela como se ela fosse propriedade deles....Uma coisa, um...um...um animal a ser domesticado. - Cristiano chutou a lixeira que ficava aos pés da escrivaninha, que foi lançada para o lado oposto do cômodo, fazendo um barulho estrondoso. Os papéis e restos de lixo estavam espalhados pelo carpete. Duas batidas foram ouvidas na porta.
— Senhor Paiva? - a voz de Verônica , abafada por estar do outro lado, parecia preocupada. Não era raro ela vir conferir se ele não estava surtando.
— Continue seu trabalho, Verônica. Me deixe aqui...
Cristiano recebeu o silêncio como resposta. Provavelmente, ela já teria voltado ao seu posto. E se não , não demoraria a fazê-lo. Pegou a caneca, se serviu do restante do café e bebeu tudo em um gole só. Depois, voltou a olhar as imagens.
Para seu espanto, Clarice surgiu no tape do saguão. Usava um vestido claro, estampado com pequenas flores coloridas, de tecido fino e leve. Seu rosto estava abatido, como se houvesse chorado copiosamente no caminho e já estivesse melhor, ainda que ela limpasse as lágrimas teimosas que surgiam e escorriam em seu rosto. Cristiano pausou novamente o vídeo.
— Por que você está tão triste, Clair? O que eu perdi? - disse com pesar, encarando a imagem congelada. Ao olhar o horário, estranhou mais ainda a presença dela ali. Em tese, ela deveria estar em outro lugar.
Buscou na memória algo que o ajudasse a completar o quebra-cabeças, mas nada lhe ocorreu.
O homem deixou o vídeo correr novamente. Agora, Clarice olhava para o telefone diversas vezes. Em alguns momentos, levava o celular ao ouvido, realizando uma ligação. Mordendo os cantos das unhas, Clarice parecia rezar por entre dentes para que fosse atendida, mas o rosto decepcionado respondia por si só.
Uma jovem de cabelos pretos, mal cortado na altura do queixo, de aparência adolescente como àquelas rockeiras-góticas de meados de 2005 e, aparentemente, da idade de Clarice ou mais nova, aparece no saguão e a cumprimenta empolgada. Quando trocam olhares, Clarice volta a chorar. Ela gesticula bastante, passa as mãos pelo rosto tentando se recompor.
— O que aconteceu? Quem te deixou assim? - uma dor antiga começava a pulsar no peito de Cristiano. Ele sabia que estava esquecendo de algo, só não lembrava o quê. Fechou os olhos e se concentrou, pensando no horário e nas vestes dela.
— Antes disso ela estava...Ela estava... - Ao se recordar, foi tomado de um sentimento intenso, extravasado em um soco na mesa. Ele agora estava de pé, as mãos apoiadas no móvel, o corpo arqueado.
— Nós brigamos... - disse em desespero. Deu um novo soco, e outro, e repetiu o gesto até aliviar a raiva que estava sentido. Se ele não tivesse sido estúpido e egoísta. Sim, ele havia notado que Clarice estava diferente, agindo estranho durante a viagem. E ao invés de ser compreensivo e dar espaço para que ela o procurasse, ele decidiu ser um cuidador descontrolado. Quis cobrar de Clarice que ela voltasse a ser como antes, como ele a conheceu. Fosse quem ele queria ao invés de aceitá-la.
Foi naquele instante que ele percebeu que Clarice estava tentando dizer à ele, algo difícil até para ela mesmo. Ela estava perdida e angustiada. Até fez amizade com uma garota esquisita na cidade, coisa que ele sequer fazia ideia. Clarice precisava do apoio dele, não de seu julgamento.
Cristiano agora chorava em silêncio. Por isso ela estava tão arrasada. Por isso ela confiou cegamente em Túlio, na garota gótica esquisita e sabe-se lá mais em quem. Porque Clarice sentiu que ele, seu amigo e pessoa de confiança, não estava ao seu lado.
O rapaz pausou o vídeo, sentou-se e ficou olhando para a tela da televisão. A jovem de cabelos pretos estava puxando a mão de Clair, como se a guiasse até o quarto em que estava hospedada. Clarice , por algum instinto estranho, estava encarando a câmera. Parecia até que estava se certificando de ser vista, uma última tentativa de ser salva. Talvez, alguma despedida inconsciente para àqueles de quem ela seria tirada brutalmente.
Quantas vezes se é possível viver a dor do luto? De quantas formas algo pode te ferir tão profundamente, enquanto escancara, como um espelho, a mesquinharia humana e sua impotência diante do destino e da morte?
O apito da secretária eletrônica tirou Cristiano de seus devaneios. Sem muito se mover, atendeu a chamada.
— Giuliana está aqui, senhor. Posso liberá-la?
O delegado não conseguiu conter o riso amargurado com a coincidência. Desligou a tv e deu sua resposta.
— Claro, deixe que ela entre.
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— Então...Ricardo estará lá me esperando na rodoviária, é isso?
Cristiano dirigia em silêncio, tentando não descontar seu humor em Giuliana ou em Miguel, que estava com ela.
— Cris? Tá me ouvindo?
— Ah...Sim, estou... - ele ajeitou a postura no banco - Ele estará lá. Dei seu número. Ricardo deve ligar assim que der o horário de chegada do seu ônibus. Também deixei o dele na sua bolsa, caso precise.
Fez-se silêncio. Exatamente aquele que nos deixa desconfortável.
— Você está diferente hoje ..Aconteceu alguma coisa? - Giuliana indagou
— Estive trabalhando no Clair. Só isso.
— Ah... Entendi - disse encabulada - E você está bem? Quer dizer, não sei o que você encontrou mas por esse humor ...
Cristiano riu timidamente. Gostou do tom de deboche que ela usou ao se referir ao seu estado de espírito.
— Vou ficar bem. Preocupe-se com sua missão.
Em vinte minutos, estavam na Rodoviária Interestadual de Brasília. A arquitetura era simples mas remetia a uma espécie de asa delta. O local era bastante ventilado e ficava próximo do metrô e de um dos principais shoppings da cidade. Como se espera, havia todo tipo de pessoa e perfil de viajantes esperando embarcar. Mas nenhum deles, com um encargo tão pesado quanto o de Giuliana.
Os três saíram do carro e foram caminhando até a zona de embarque. Cristiano ia mais afastado, já que Miguel fazia questão de fazer ceninha de apaixonado com Giuliana. E, para Cristiano, já tinha passado por estresse emocional demais para se aborrecer com mais aquilo.
— Não esqueça! Ricardo estará te esperando e deve ligar assim que der o horário de chegada. Fique atenta ao celular. Não esqueça de... - orientava Cristiano.
Miguel então tomou à frente, interrompendo Cristiano.
— Me ligue quando chegar, ok? Vamos sentir sua falta!
- Quem "vamos" sentir, Miguel? - brincou Giuliana - Eu não conheço tanta gente assim. Além disso, são apenas três dias.
— Ora... Tião, Mariana... Eu...Mais do que eles, eu!
Giuliana sentiu as bochechas corarem, não sabia onde enfiar a cara. Em um breve mover de olhos, viu Cristiano franzir o cenho, interessado na cena. E, se bem o conhecia, não estava achando nada agradável. Giuliana quis repreender Miguel por fazer aquilo na frente de Cristiano, mas não entendia a razão. Qual era o problema de receber um flerte com ele presente?
Giuliana pigarreou e recobrou a consciência.
— Bem, você pode me ligar quando sentir muito minha falta. Eu vou gostar .. - sorriu simpática. - E você, vê se toma cuidado. As pessoas que nos envenenaram podem tentar algo.
— Pode deixar - ele tocou o rosto de Giuliana com carinho e depositou um beijo que pegou no canto da boca dela, deixando Giu sem jeito. - Quando voltar , estarei inteiro!
— Acho melhor se apressar - Cristiano disse de supetão, com a voz firme.
Giu concordou com a cabeça e deu um abraço em Miguel. Quando ia se despedir de Cristiano da mesma forma, travou. A jovem ficou olhando para o rosto dele, sem saber o que fazer. Estava tão desnorteada que não reparou quando Cristiano pegou em sua mão e deu um aperto firme.
— Se cuida!
Cristiano gostaria de dizer mais para Giuliana. Instruções, cuidados...Seus sentimentos, talvez? Mas não seria adequado. Ele estava tomando pelas sensações do passado e não se permitiria ser dominado por elas ali, na frente de todos.
Giuliana sorriu agradecendo, deu mais um tchau animado para Miguel e seguiu para o embarque.
Miguel e Cristiano ficaram parados, aguardando o ônibus partir, cada um desejando seus mais sinceros votos para Giuliana. Pairou-se sobre eles aquele clima de rivalidade. E, se fosse analisado de perto, rivalidade trivial e inútil, já que uma das partes, era casado. E a outra, não era oficialmente nada. Como se compete por alguém que sequer está acessível? Mas a lógica não se aplica na hora de avaliar as emoções.
Cristiano observou Miguel por um tempo. Era um cara normal, não muito atraente fisicamente mas, sem dúvidas, exalava certo charme. Arriscou dizer que o intelecto era o diferencial, fora o carisma. O rapaz parecia apreensivo também, o que chamou sua atenção. Obviamente, poderia ser pelas razões ditas à Giuliana: saudades, estar apaixonado...Não queria criar teorias de conspiração, mas parecia haver algo a mais ali. Então , decidiu perguntar
— O quanto você gosta dela?
Miguel, surpreso, virou-se confuso para Cristiano. De início, quis desconversar, rir da colocação do homem mas logo percebeu que Cristiano falava sério.
— Muito. Gosto demais da Giu!
— O suficiente para protegê-la? - retrucou Cristiano
— Sim. E muito além. Temo por ela nessa viagem depois do que houve conosco...Me desesperei ao vê-la empalidecer na minha frente - Miguel fitava o chão, estava desconfortável por se expor tanto. - Tive medo de não salva-la a tempo...
— Devia ter dito isso à ela
— Como?
- Isso que acabou de me dizer...O que sente, o que sentiu...O que quer ser pra ela... - a voz de Cristiano soava profunda e melancólica - Devia ter dito, assim ela se sentiria amada...E caso algo desse errado, ela saberia... Entende?
Miguel ergueu as sobrancelhas, surpreso pela fala do homem à sua frente.
— Acha que ela pode morrer?
— Não, de forma alguma. Ricardo é excelente no que faz... Foi só uma conclusão após uma lição que aprendi hoje - Cristiano tirou o celular do bolso - Tenho de ir. Peço desculpas por essa falação toda...Não estou tendo um bom dia. Até breve, rapaz! E se cuide. Giuliana vai querer te ver aqui para recebê-la
Cristiano já tinha começado a caminhar quando ouviu Miguel o chamar
— Você é aquele rapaz não é? Do Caso Clair...
O homem parou no lugar, sentindo um frio lhe subir pela espinha.
— Fiz uma pesquisa sobre você...Giuliana não sabe falar de mais nada depois que se encontram
Agora, virado para o jovem universitário, Cristiano percebeu um brilho diferente no olhar dele.
— Ela já viu alguma imagem da Clarice?
— Não - disse ríspido
— Então ela não sabe que você a está usando...Quando ela descobrir...
Em um movimento rápido, Cristiano empurrou Miguel pela gola e o colocou contra a parede. Com agilidade, ergueu um dos braços do universitário e o torceu na altura do tronco, para imobilizá-lo.
— O que está inferindo?
— Que você é um enganador sádico. Finge ter uma atenção toda especial com ela mas na verdade, está preocupado se, no final, ela te trará as respostas que busca.
Miguel sentiu seu corpo ser batido na parede e gemeu baixo com a dor.
— Você não sabe do que está falando, garoto... Nem do que sou capaz
— Ai que você se engana...Eu sei do que você é capaz. Sua ficha lhe precede. Pode mentir pra Giuliana ou pra quem mais quiser, mas não pra mim. Você desconfia das minhas intenções mas quem a está mandando pra um ninho de cobras é você. Pensa bem...A explosão, o envenenamento.... Não ficaria surpreso de ter sido você o responsável. Então, provavelmente, o assassino de Clarice...
Cristiano socou o rosto de Miguel, quebrando-lhe o nariz. O jovem caiu no chão semi acordado, vendo tudo ao seu redor girar. Transtornado, Cristiano arrastou Miguel e bateu sua cabeça violentamente no chão, alternado golpes por todo seu corpo.
Um dos seguranças da rodoviária, interviu na briga, mas foi difícil conter a força e fúria de Cristiano, que, mesmo sendo segurado pelos braços, deu chutes no corpo de Miguel, que não tinha conseguido se levantar
— Você acha que me conhece baseado na porra de uma pesquisa no Google, seu moleque? - ele era impedido de avançar pelo grupo de seguranças que apareceram.
Miguel, amparado também por um dos seguranças, tentava estancar o sangue que escorria do nariz quebrado. No rosto, um sorriso triunfante.
— Não preciso do Google. Sua atitude agora , é quem me mostrou quem você é. Quando Giuliana voltar, vou convencê-la a abandonar essa loucura, antes que ela seja a próxima numa vala.
Cristiano se desvencilhou do homem que o segurava e partiu para cima de Miguel mais uma vez. Os movimentos de Cristiano eram coordenados, batendo em pontos estratégicos para deixar Miguel debilitado. Quando ele já não mais se movia, colocou as mãos ao redor do pescoço do jovem e começou a apertar. As suas costas, pessoas tentavam puxá-lo ou desacordá-lo, mas sem sucesso
Miguel já não conseguia respirar, o rosto ficando vermelho cada vez mais rápido. Um tiro ecoou no local. Quando Cristiano deu por si, estava jogando de bruços sendo algemado. Ele sabia que iria ser preso.
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