Capítulo 1
Giu saltou na cama assustada ao perceber que tinha excedido o tempo "soneca" do despertador. Ela sabia que estava atrasada, mesmo o trabalho ficando a 30min de casa. Ela se repreendeu mentalmente por ter cedido à tentação do sono em plena segunda-feira. Mas não teve culpa, virou a noite estudando até tarde.
Jogou as cobertas para o lado e quase esmagou Juju, sua gata, na hora de sair da cama. Correu para o banheiro, jogou uma água no rosto e escovou os dentes. Vestiu o uniforme às pressas, pegou a mochila, jogou batom e rímel dentro e desceu as escadas do bloco A do prédio Bello Solare. Na portaria, montou na bicicleta e partiu para a cafeteria
O cabelo ondulado tingido de vermelho escuro brilhava intensamente com o efeito da luz do sol. Era algo que chamava a atenção de quem passava, sobretudo com a velocidade com que Giu pedalava. Virou com tudo na rua que descia pela quadra da QI 31. Sabia que sairia bem próximo do Pólo de Modas, local onde ficava o estabelecimento.
Estacionou derrapando na parte de acesso exclusivo aos funcionários. Jogou a bicicleta de qualquer jeito e foi empurrando a porta. Sebastião, o dono, já se preparava para dar um puxão de orelha mas Giu foi se adiantando nas explicações.
— Eu sei, Tião.... Tô atrasada de novo! Desculpa...Prometo botar o despertador mais cedo! - disse enquanto prendia o cabelo em um coque e cobria com a redinha.
— Foi o que você disse semana passada - repreendeu
— Eu sei, eu sei....Mas, Tião é que tem os meus...
— Os estudos... tá, tá... Melhor atraso por estudo do que por vadiagem
— E o que tem pra mim hoje?
— Atenda a mesa 5 e a 7. Quando terminar, limpe as mesas desocupadas
— Sim, senhor! - e deu um beijo estalado na testa de Sebastião que não teve outra opção a não ser rir e suavizar a cara de irritação
— Essa garota ainda me mata do coração.... - comentou consigo
Giu vestiu o avental, pegou seu bloquinho e foi iniciar seu expediente.
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— Ricardo?
— Sim, quem fala?
— Cristiano
Ricardo ficou em silêncio por um instante, processando na cabeça quem diabos era Cristiano.
— Que trabalhou no caso Clair com você uns anos atrás...
Aquele nome atingiu o estômago do ex-delegado como um soco. O caso mais difícil e cruel que presenciou em anos no cargo. Imediatamente, lembrou-se de quem se tratava o rapaz. À época, era recém empossado no cargo de delegado e demonstrou uma súbita vontade de contribuir no caso, mesmo não sendo da sua diligência. Segundo o rapaz, contando 28 anos naquele tempo, era para adquirir experiência de campo. Ricardo não teve como recusar
— Pois não, meu filho. O que você deseja?
— Estou estudando novamente o caso. Queria rever o material completo do inquérito, o que tenho não é suficiente. Gostaria de saber se pode me ajudar.
Ricardo ficou pensativo do outro lado da linha. Por mais que entendesse as motivações do ex-pupilo, não achava prudente remexer o caso.
— Por favor, mestre...Eu não te pediria se não fosse importante.
O delegado aposentado bufou insatisfeito. Sabia que, profissionalmente falando, não poderia. Mas seu coração mole, cedeu ao apelo de Cristiano. E conhecia bem o trabalho do rapaz. Logo, se ele estava tão interessado em reavaliar tudo, era por um bom motivo.
— Vou ver o que posso fazer por você.
— Muito obrigado. Aguardo sua resposta até o fim da semana.
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Cristiano esperava ansioso pelo amigo de longa data aparecer. Apesar de incomum, tinha de dividir suas suspeitas com alguém que vivenciou o mesmo que ele. No fundo, Cristiano sabia que não estava alucinando. Havia realmente uma semelhança absurda entre a garçonete e sua amiga. Mas sabe como são as emoções: podem enganar o melhor dos olhos e o maior dos céticos.
O tempo parecia não passar, o que deixava o rapaz mais preocupado ainda. Odiava os atrasos e sumiços de Eduardo. E Cristiano havia avisado que se tratava de um assunto importantíssimo. Não teve outra opção a não ser mandar mensagens e ligar incessantemente.
A moto de Eduardo apareceu no campo de visão de Cristiano cerca de 15min depois. Com a expressão leve e despreocupada, estacionou na primeira vaga que achou e desmontou do veículo. Guardou o capacete na parte traseira e foi na direção do amigo
— Mas você não relaxa nunca hein, Cris!
Cristiano expressou seu desconforto ao ouvir o apelido. Sempre detestou a mania das pessoas de o apelidarem. Mas aquelas quatro letras tinham uma carga negativa maior do que qualquer outro apelido recebido. Teve de retrucar
— Cristiano, por favor! Você sabe.
— Já se passaram anos....Você devia superar - cumprimentou com euforia o amigo dando um tapa intenso na palma de Cristiano antes do aperto de mão - Mas que assunto urgente é esse que te fez me perturbar a manhã toda?
— Preciso que veja essa foto e me diga o que te parece.
Cristiano desbloqueou a tela do celular e mostrou a foto salva na galeria. Eduardo empalideceu e encarou o amigo com os olhos arregalados de incredulidade.
— De quando é essa foto? - a voz do motoqueiro saiu trêmula
— Hoje de manhã - respondeu Cristiano em tom baixo.
— Você tá brincando comigo né? - ele ria histérico - Você tá me sacaneando, fez uma montagem....Diz aí!
— Não, Eduardo. Eu falo sério. Tirei essa foto hoje pela manhã
— Mas que porra é essa, irmão?
— Eu também não sei, por isso precisava te perguntar. - Cristiano aproximou o celular do rosto de Eduardo - E ai, quem você acha que é?
Eduardo se recusava a dizer o que achava. Racionalmente falando, era impossível. Mas ali estava a prova contundente do ponto em que Cristiano queria chegar
— É a Clarice... A mina nessa foto é a Clair!
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Caixa fechado, Giu conferia os lucros do dia, batendo com as comandas e as anotações de sua agenda. Apesar de não fecharem o dia no vermelho, o lucro não havia sido tão significativo assim. Repassou os valores para Sebastião e foi para a cozinha, ajudar na organização.
— Como foi de gorjeta? - perguntou Mariana, sua única amiga no trabalho.
— Bem, até...Considerando que cheguei tarde... - sorriu
— Você tem de ser mais responsável, Giuliana!
— Eu sei....
Continuaram as duas lavando e jogando conversa fora sobre a vida, os sonhos e planos futuros. Ao terminarem, se despediram do patrão e foram a pé até o ponto de ônibus onde Mariana sempre pegava sua condução.
— Você não tem medo de voltar sozinha de bike?
— Não? - Giu riu com gosto - Nada que uma carreira não resolva. E essa bichinha aqui - deu um tapinha no banco dela - nunca me deixou na mão
— Hum...sei! Bem, de toda forma, eu não teria coragem de subir essas quadras todas até em casa.
— Você acostuma. E eu tenho uns conhecidos por aí que ficam de olho em mim caso sei lá, mexam comigo!
Mariana olhou desconfiada pra Giu mas não quis entrar em mais detalhes. Ela sabia que a amiga tinha uma vida bem privada que não partilhava com muita gente, nem com ela. Claro, Giu tinha um temperamento muito afetuoso e caloroso com as pessoas, mas temas mais profundos sobre sua história, pouco era comentado. Segundo a própria amiga: "nem eu conheço meus segredos...".
Giu acendeu um cigarro enquanto esperava com Mariana. Era um daqueles cigarros mentolados. Não era um dos melhores, mas gostava do gosto a mais além do tabaco e nicotina.
— Não disse que ia parar?
— É, mudei de ideia ... Não é como se eu temesse a morte ou alguém daria pela minha falta. Então... - deu de ombros. - Vou acender mais um pra ajudar você!
— Como assim?
— Veja e aprenda
Giu tirou o maço do bolso e pegou um novo cigarro. Acendeu e foi para a ponta do pista, como se estivesse esperando por um ônibus também. Deu duas tragadas longas e demoradas, aproveitando bem o objeto do seu vício. Nem mal deu o terceiro trago, o ônibus de Mariana vinha ao longe.
— Viu só? - sorriu - Nunca falha
Mariana deu sinal
— Vou me lembrar dessa tática da próxima vez - riu - Tchau, até amanhã! - a moça subiu os degraus do ônibus - E vê se aparece no horário!
— Pode deixar!
Ao ver a amiga partir, Giuliana subiu na sua bicicleta e pegou um atalho para chegar mais rápido em casa. Identificou-se na portaria, guardou a bicicleta acorrentando-a no alambrado e subiu para o apartamento.
Assim que entrou, Juju veio lhe cumprimentar passando entre suas pernas, miando engraçado. Giu abaixou-se e fez carinho no topo da cabeça da bichana
— Tá com fome, meu amor? - fez um pspsps para dengar Juju - Deixa eu pegar comida pra ti
Foi até o armário e pegou um punhado bom com as mãos e despejou no potinho que ficava na área de serviço. Aproveitou que estava perto da cozinha e preparou um pouco de chá mate para beber, seu favorito. O tempo da água ferver era o tempo para ela tomar um banho frio.
Saiu ainda enrolada na toalha quando terminou de preparar o chá. Colocou quatro pedras enormes de gelo no copo para esfriar um pouco a bebida e não queimar a língua. Como quem buscava se distrair, caminhou para a pequena varanda do apartamento para observar o movimento da rua. Seus olhos absorviam tudo e todos: os motoristas apressados, os moleques andando em bando rumo à algum Bomba pra comer um podrão, os trabalhadores descendo para casa. Foi então que Giu reparou em algo entre as árvores que enfeitavam a calçada do lado oposto ao seu prédio. E percebeu que o tal algo, olhava para seu apartamento.
Praguejou mentalmente nunca ter ido ao oftalmologista para uma consulta e resolver o problema da miopia, que estava aumentando gradativamente. Não conseguia identificar o que ou quem era. Escondeu-se entre as cortinas, procurou pelo celular dentro da bolsa jogada no sofá e o pegou.
— Quem não tem cão.... - e deu zoom na tela para ver se capturava alguma coisa relevante da figura estranha que a observava. Ajeitou as configurações de câmera o melhor que pôde para ter alguma imagem de boa resolução.
Ficou insatisfeita porque era óbvio que não sairia como o esperado. Mas não ficou de toda brava pois, ao menos, conseguiu pegar um detalhe que considerou importante da vestimenta dele: o relógio de tom acobreado que tinha no pulso.
Independente da razão daquele estranho, provavelmente cheio da grana, estar nos arredores da casa, Giu sabia o que precisava fazer. Terminou de beber o chá, apagou as luzes, vestiu seu pijama e foi dormir. Amanhã era outro dia.
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