O rei dos elfos
As folhas secas caiam na floresta. Chegou o outono.
Flensburg, possuía colinas no entorno, e as entradas eram povoadas por fazendas. Oskar a contemplava do alto do morro. Os fazendeiros limpavam as pastagens dos búfalos para poder ceder a vagem ao solo. Os soldados esboçaram alívio ao ouvir o balir das ovelhas. Um som mais agradável do que os berros do inferno.
O alazão do general relinchou com poder. Fez as crianças perceberem a presença do exército e saírem das casas para vê-los. Os cidadãos acenavam com fervor o sucesso do general que os cumprimentava de mão erguida. Fazendeiros admiraram o retorno de vossos heróis. Atrás deles, carregavam a nova leva de escravos para servirem no campo até a morte. As mulheres contemplavam a imponência dos soldados. As crianças viam no pelotão o sonho de viajar ao redor do mundo.
O estrangeiro percebeu que estava sendo olhado com letargia e repulsa. A raiva na íris não o auxiliou numa boa recepção. — E quem diria que é seu desejo ter boas-vindas? — O rancor escancarado na face fez os religiosos perderem a fé por alguns minutos.
Ivarr puxava a corrente do garoto. O forçava a parar de encarar os cidadãos, como um cão adestrado. Em praça pública a população correu para conseguir se aglomerar próximo dos cavaleiros.
Eles desciam dos cavalos, e os cediam para escudeiros reais. Se preparavam para o momento mais esperado: a venda dos escravos.
Os derrotados são menos que humanos.
Ditos como — Acredito que aquele vale três moedas de ouro. Compro aquela mulher por dez moedas de prata. Essa criança deve estar saudável para cinco moedas de prata. — Não só atordoavam como também os amedrontavam.
Que espécime tão inferior de animais eles são que podem ser subjugados por seus semelhantes?
— Ivarr! — Oskar gritava ao subalterno que correu para correspondê-lo. — Jogue o estrangeiro na carroça junto do corpo da elfa morta, levaremos até o rei.
Eles gritavam pelo nome do general de feição sorridente e olhar morto.
"Esse lugar é um tédio" pensava o oficial, entrementes os acenos. Ele ordenou a um de seus homens para continuar a venda, enquanto acompanhou a carroça junto de Ivarr. O superior contemplou, como de praxe, a beleza humanística da cidade. Madeira clara e pedras raspadas compunham as casas simplórias, onde o teto era feito de feno.
O portão central do castelo concedia o avanço à carroça de Oskar. Os guardas faziam questão de não reverenciar o oficial de campo. Mantinham a soberba e orgulho aflorados — cavaleiros burgueses... — O oficial sussurrou a Ivarr — Não vão à guerra, mas tem poder por causa de dinheiro.
— Os detesto Oskar. — Ivarr mirou os cavaleiros com desdém. — Guerreiros que ficam presos protegendo suas bundas reais não devem entrar em Valhalla.
— Acalme-se Ivarr, eles nunca entrariam em Valhalla. Caso entrassem, faria questão de matá-los com minhas próprias mãos — ambos riram um ao outro.
Ao chegarem ao salão contemplaram a imagem apossada de poder. O rei. Eles se curvaram perante o nobre. Deixaram a carruagem e cavalo para trás dos atos de educação e misericórdia. O corpo do monarca era cansado e glutão. A coroa mal cabia na cabeça larga além de bagunçar o cabelo preto ressecado. As bochechas estavam sujas de gordura, e o nariz parecia ter sido esmurrado por algum valentão. O régio parecia mais uma criança suja e mimada do que um próprio suserano.
—Terei de te dizer quantas vezes para não trazer Gullfaxi para dentro do meu palacete!? — o régio se referiu ao alazão de Oskar. — Ele defeca toda vez que a conversa parece interessante.
— Perdoe-me milorde, retificar-me-ei de não trazê-lo numa próxima vez. — o general se manteve de cabeça baixa.
— Você me disse isto da última vez Oskar. — ele bufou. — O que trouxe para mim?
— Um estrangeiro carregava consigo o corpo de uma elfa. — Durante a fala de Oskar, o camarada descarregou o escravo e segurou no ombro o corpo da elfa morta.
— Me larga! Solte-a! — O estrangeiro gritou. Furioso, mesmo que ainda fraco. As pernas torneadas não aguentavam mais hastear o corpo esfomeado.
Ivarr o encarou, e com raiva, contrariou o pedido.
Os gritos furiosos do estrangeiro não impossibilitavam as ações ríspidas de Ivarr. O prateado arremessou a falecida como um pedaço de carne sobre a escadaria de mármore. A ira do moçoilo chamou a atenção do rei. O prisioneiro rastejou em direção a Ivarr com o ódio carregado nos dentes trincados. Não conseguia conceber o fato da aliada ter sido jogada no chão com tanta lamúria.
Queria destruir o baderneiro, como um Cão ensandecido. A cegueira da fúria foi, com rapidez, retirada pelo chute que levou no meio da barriga. Oskar fez questão de afundar o metal da bota na carne fragilizada do garoto, que voou com o impacto.
— Perdoem-me pela intromissão, rei — o general caminhou em direção ao estrangeiro. — Queria colocá-lo dentro de meu pelotão, mas vejo que tal ódio seria venenoso a nosso reino. — Oskar pôs a cabeça do garoto contra a carroça e desferiu uma joelhada violenta contra o rosto. O fez expelir sangue pelo nariz e boca. — O matarei aqui e agora.
— Não o mate Oskar. A maior punição para alguém que perdeu tudo é permanecer vivo. Leve-o para a prisão. — O rei levou a mão em direção ao jarro dourado a esquerda. Pegou a taça para continuar se embebedando. — Enquanto a elfa, faremos do sangue e pele dela uma nova espada mística.
Mal conseguia ficar acordado. O estrangeiro, arrastado pelos cabelos, cedeu ao cansaço do corpo. Ele desmaiou enquanto pedia para que nada fosse feito a ela.
— Há um prisioneiro aqui dentro da carruagem também, levá-lo-ei com Oskar, milorde. — Ivarr o reverenciou.
— Faça como bem-quiser. — O monarca fungou fundo o ar respirável dos aposentos. — Guardas! Tratem de limpar a merda de Gullfaxi! Toda vez esse cavalo defeca aqui!
O espanto acordou o estrangeiro. Ele sentou o corpo, impaciente e afoito, com as mãos preparadas para o combate, mas tudo que viu foram barras enferrujadas. A prisão tem um toque gosmento, e fedia a ninho de barata. Tentou ficar de joelhos, mas sentiu uma dor aguda no quadril. Ele voltou a repousar. Via um rato comer pedaços de algo pútrido no canto da cela. O roedor fugiu após a encarada do Cão. O rapaz agarrou nas barras de metal. Tentou puxá-las uma oposta a outra com a força das mãos. Um esforço inútil, porém continuo.
— Se matará tentando ultrapassar aquilo que enjaula sua fúria garoto?
— Quem... — Ele buscou a voz no canto da cela. Viu num tapete de feno uma figura coberta de trapos que iam até o sombrio dos olhos azuis. — O que lhe importa? — O garoto o ignorou. Insistiu na força contra as barras de ferro. Todo o esforço, esboçado nos gemidos, era inútil perante o material resistente.
— Por que quer tanto atravessar as grades? Caça a liberdade? — Questionou o prisioneiro. — Não creio que a alcançará através da fúria. Qual são os motivos para ladrar com tanta voracidade sem que ninguém o ameace? Você parece um Cão.
Ele desistiu dos esforços precários contra o enclausurar. Socou por consecutivas vezes a parede. Deixou o sangue descer pelos dedos. Gradativamente, desistia da fuga.
O companheiro de cela o olhou fixo na busca efetiva de que ambos se encarassem. Ele estendeu a mão. Tentou cumprimentar o estrangeiro que o ignorou.
O rapaz se virou para repousar. Fechou os olhos num sono profundo na confiança que o prisioneiro ao lado não fosse um assassino.
As horas passaram na mesma intensidade que os pássaros diminuíram os cantos. O resplandecer da noite emergiu a luz da lua adentro da cela escura e fedorenta. Despertado do sono. O garbo se assentou sobre o chão. Percebeu que o companheiro de cela o olhava como uma sentinela.
— Tsc! Que saco. — ele sussurrou. Encostou os joelhos no peito.
— Gostaria de conversar agora? — O desconhecido se mostrou animado.
— Não.
— Por que tanta raiva?
— Não lhe interessa.
— O apelido "Cão" lhe parece interessante advindo de um amigo?
— Não somos amigos.
— Por que ladra tanto?
— Cala boca! — o estrangeiro vociferou, mas logo retraiu a feição raivosa do rosto. — Eles pegaram minha amiga, e eu preciso levá-la de volta para casa.
— Ela está perdida?
— Está morta. — a fala secou na boca. — Aqueles desgraçados fizeram-na tocar no chão, e ela me pediu para só deixar seus pés tocarem o solo de sua casa.
A fala do cão fissurou o prisioneiro a ponto de deixá-lo em silêncio perante a exclamação do estrangeiro. Não cumprir o desejo da amiga pareceu ser mil vezes pior do que morrer.
— Ela é uma elfa? — o prisioneiro questionou sem desejar uma resposta. Apenas ficou de pé. — Só um elfo pediria para ser enterrado em casa. — As falas dele ficaram mais sérias. — Cão, se erga! — ele tirou as luvas. Mostrou o azul da pele. Com a unha cortou parte do pulso. Deixou o sangue minar. — Beba de meu sangue e recupere-se! Levaremos sua amiga de volta a Alfheim! Ou não me chamo... — ele tirou o capuz e a bandagem ao redor do rosto. Mostrou o cabelo branco, majestoso e flutuante. — Velent! O rei dos Elfos!
O garoto se levantou. Deu um tapa no pulso ensanguentado do aliado. Evitou tocar no sangue dele. — Cala a boca e destrua essas barras! Precisamos agir rápido!
— Cão... Como desejar.
— Meu nome não é Cão. — Pela primeira vez, se olharam com o mínimo de apoio — É Dylan.
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