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O Inferno cristão.

Província Colônia, 10 anos depois.

Mais uma pilhagem era feita. A fumaça ascendeu os céus. Casas não passavam de cinzas e carvão gasto no solo sujo. Choro e grito não eram ouvidos. O silêncio desolador sucumbiu ao poderio militar.

Oskar, dez anos mais velho, possuía fios grisalhos na barba loira. Além do cabelo mais acinzentado. O general, amante da desgraça paisagística, observava a aproximação do Baderneiro.

Ivarr caminhava debilitado. Segurava uma flecha presa na costela, e outra no ombro. Ele babava sangue, mas estava sorridente e esbaforido. Pela asa ele arrastava uma valquíria morta. Levou para o centro da rinha de bárbaros.

Os vikings berravam em êxtase. Os corpos dos aldeões estavam jogados ao redor.

Oskar iniciou uma salva de palmas para Ivarr. O baderneiro caminhou em busca do tratamento com os escudeiros.

— Quem é essa? — Viðga saiu de trás dos corpulentos homens de Oskar até chegar ao general. Ele possuía diversas cicatrizes no pescoço. A armadura permanecia pouco suja e bastante brilhante no preto e no aço.

— Essa é Gunnr. Uma das valquírias mais importantes de Odin. — O general sorriu perante a vitória.

Uma visão que fez Viðga ficar receoso.

— General! — Um homem gritou. — Este ex-combatente de guerra quer falar convosco!

Um morador sobrevivente. Regente de desolação e derrota. Se apresentou no meio dos adversários. Ele estava bastante machucado. Equipado com capacete, manoplas, e duas machetes. Os vikings riam dele. Do desespero. Da audácia. Do corpo engordado e barriga exposta.

— Quero lutar contra o campeão pelo corpo da Valquíria. — Mesmo viril em falas, tinha pânico nos movimentos.

— Sinto honra em ti, homem de barriga amostra, mas ao contrário eu não possuo essa virtude desprezível. Mataremos você, ganhando ou perdendo. Como odeio meu campeão, não farei questão. — Ele virou para os vikings. — Tragam-me a coleira!

O viking magricela se prontificou. Arrastou uma corrente grossa e enferrujada. A coleira prendia uma besta poderosa, ou um monstro mítico dos deuses. Talvez uma feras das trevas.

Não.

O aldeão mal podia crer na barbárie. As mãos tremiam, não por medo. Sim pela crueldade.

A criatura estava imunda. O cheiro pútrido de sangue exalava dela, mas não era o próprio. As vestes estavam rasgadas. Algumas partes. — como ombro direito, manopla esquerda e botas — se mantinham como armadura.

O resto era pano grudento. Os olhos buscavam o abismo. Mais medonho que a morte. O prisioneiro parecia estar morto havia anos. Na boca uma espécie de focinheira de ferro com pontas viradas contra os olhos.

Viðga o viu há muito tempo. Não tão sujo quanto agora, e mais falante. Por mais que possuísse objetivos na guerra era difícil olhar o prisioneiro.

Dylan. O cão adestrado.

O general corvo tirou dos bolsos uma pequena chave e o desvinculou da corrente. Deixou a mercê de si na rinha feita pelos vikings que iniciavam as apostas.

O aldeão hesitava em tomar qualquer ação.

Dylan parecia débil. Olhava vazio. A boca semiaberta, de lábios ressecados, deixava um pequeno filete de baba descer.

Um viking pôs na mão de Dylan uma espada quebrada. Riu da cara do prisioneiro.

— O que espera? — Oskar olhou para o sobrevivente. — Lute contra ele.

— Ele pode até não ser mais uma criança, mas está débil, é um ser infeliz. Não posso atacá-lo.

— Almeja motivação — Oskar sorri. — Ataque, Cão.

Dylan tomou uma postura selvagem. Berrava. Ele segurava a espada quebrada como um Neandertal.

O aldeão viu o rapaz tomar à dianteira. Tentou terminar rápido com a luta. Girou os machetes contra o galês.

Falho foi.

O Dylan usou a lama para deslizar até as costas do oponente. Cortou a panturrilha dele. O músculo excretou junto ao sangue jorrado, como o estripar de um boi.

O aldeão ajoelhou perante a dor. Dylan aproveitou a brecha para golpeá-lo nas costas. Com o aço podre utilizou da força para ferir a carne do aldeão.

Os homens gritavam animados. Cada perfuração, sangue, músculo e ossos expostos, sujavam o escravo e deliciavam os soldados presentes. O aldeão quase-morto, desesperado, deu uma cambalhota. Dylan desprendeu das costas machucadas dele.

O aldeão levantou apesar das dores do corpo. Eles digladiavam as lâminas. O choque do aço deixava os vikings eufóricos. A machete passou rente ao pescoço de Dylan. Fez um corte superficial. Ele esquivou como um ladino. Os movimentos não eram modestos e nem sofisticados. Uma besta que almejava sobreviver.

O gordo girou as machetes. Rodou os pés pela lama. O ataque tirou um tufo do cabelo de Dylan, mas ele conseguiu desviar no último instante

Não saiam palavras compreensíveis da boca de Dylan. Podia ver a baba acumular na focinheira e cair pelo transbordar.

— Servi a Thor por trinta e cinco ciclos. Entrando e saindo de campos de batalha. Vendo coisas inimagináveis..., mas você jovem, é o espírito mais entristecedor que vi em toda minha vida. — O aldeão tentou ajustar a postura. Ignorou a dor — A ganância dos homens trará a ruína há todos vocês! Em especial pelo que fizeram com esta alma! Valhalla nunca os aceitará!

Oskar riu tímido, e aumentou a entonação gradativo. Deixou o adversário constrangido.

— Não viemos entrar em Valhalla. Meu caro servo de Thor. Estamos aqui para destruí-la.

Dylan saltou no aldeão. Cortou o corpo exposto de modo brutal. Os machetes batiam contra a espada quebrada. Dylan se defendeu. Sem forças para matá-lo. O aldeão deixou que o escravo o atacasse.

Ele afundou a espada no rosto do aldeão. Rasgando-a e sujando-se de sangue.

O último ato do aldeão foi um abraço em Dylan com o resto de força que possuía.

— eu te perdoo. — As palavras machucavam o âmago do galês. Espantado com a gentiliza.

Ele encarou o corpo que assassinou. Não com raiva. Via irracionalidade.

Oskar o prendeu na corrente sem nenhum esbravejo de reluto. Deixou os vikings levarem a fera domesticada.

— Para onde eles levarão o escravo? — Viðga se aproximou do general. Ambos olhavam o aldeão desfigurado

— Quem sabe... Partiremos amanhã, aproveite a estadia, príncipe. — O corvinal caminhou até uma casa. Uma das restantes.

— General! Isso é certo? Tudo que aquele escravo passa, é correto? — Viðga ficou confuso.

— Você é neto do rei demônio, príncipe. Busque em ti mesmo o conceito de certo e errado. Além do mais, matou pessoas para estar em meu pelotão, ou me equivoquei? Moralidade não é do feitio corvinal.

O príncipe a brisa nos cabelos. Ergueu à ponta do queixo. Vislumbrou o cenário nublado e escuro. As nuvens estavam aceleradas. Pensou na hipótese dos deuses estarem irritados com as atitudes dos vikings. Com a dele também. Recordou dos vagos momentos íntimos e escassos que possuiu com a mãe onde ela rezava a Odin.

— "Por que rezamos a Odin mamãe?" — Indagou a criança nas ilusões mentais do príncipe.

— Para agradecê-lo e pedir proteção quando ocorrer o Ragnarok, Viðga.

— Você vai me proteger também?

— Posso não estar mais contigo filho, mas o protegerei com certeza. — O sorriso da mãe era a única coisa que permanecia presa a mente.

Viðga soprou o ar gélido do anoitecer. A assassinada Valquíria não saia da mente dele. Junta as outras mais que conseguiram derrotar. O meio qual tentava alcançar o objetivo se apresentava irracionais. Também demonstrava ser o único caminho.

"Ah! Mãe... Desculpe-me por trair Odin."

Lhe restou comer e beber. Fingir que nada que havia ocorrido. Não podia incomodar Oskar. Antes de entrar no casebre ouviu o açor dos abutres e o grasnar dos corvos. As aves começavam a picotar o corpo do aldeão. Olhos e dedos eram iguarias privilegiadas. Viðga os assistia com paciência. 

"Então são esses os pássaros fortes para Oskar... Os deleitados sobre a tragédia."

O príncipe seguiu rumo até a morada. Lá dentro os soldados brindavam e riam. Aquecidos próximos à lenha que assava a carne dos porcos e ovelhas.

Ivarr estava alcoolizado ao ponto de desmaio. Os ferimentos dele estavam enfaixados. Oskar se isolava no canto. Mexia em mapas e tomava a caneca de cerveja. O oficial tinha etiqueta e cordialidade real. 

Viðga sentou a frente do general — que não deu atenção. — Oskar deu um gole mais largo em na caneca.

— Me serve. — Oskar estendeu o copo.

Viðga pegou o jarro na mesa e o serviu. Pôs um pouco no caneco vazio próximo a mão. — Para aonde iremos?

Oskar o olhou com desdém. A inocência do príncipe não compreendia a soberba na face do general. Ele bufou antes de explicar — Vamos encontrar um leão.

— Leão?

— Não. — Oskar fechou o mapa, e coçou a cabeça. — Não um leão de verdade, é a casa de Welf. Acredito que vamos determinar os rumos dos domínios de Ravensburg.

— Chegar a Valhalla parece mais distante a cada mês que passa. — Viðga tomou um gole de cerveja. Ele disse com sarcasmo, mas o olhar sinistro do oficial não teve graça.

— As valquírias rasgaram o véu místico que separava o mundo de nós mortais, com os vikings escolhidos por Odin. Você tem certeza que quer chegar até Valhalla? — Oskar apontou para os homens. — Todos aqui acreditam ser um lugar resplandecente. De batalhas onde o sol ilumina cada pedaço de aço e cada morte parece ter sentido. — Eles se entreolharam. — Ouviu falar no conceito cristão de punição? O chamado inferno... Bem, se eu pudesse definir Valhalla pelo mínimo que vi, seria isso. — Voltou a tomar cerveja. — Tome cuidado com o que almeja garoto.

— Sendo sincero senhor. — Viðga observava os vikings. — Com tudo o que fazemos, não é de admirar que estejamos nos arrastando para lá.

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