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Feridas abertas

Dylan observou a cidadela do topo. Casas mantinham as luzes acesas. Famílias brincavam durante o jantar. Algo martelava a cabeça. Olhou para a espada, ainda desacreditado. Recordou do sorriso da falecida amiga.

"Estaremos sempre juntos." A voz dela ressoou nas memórias. 

Chorar não resolveria nada. Perdeu a oportunidade de gastar os sentimentos com a amada. Dylan respirou fundo, e embainhou a arma.

Velent notou a dor acumulada do garoto. Nada podia fazer. No horizonte, e abaixo de vossos corpos, não havia mais a cidadela. Só uma densa floresta. Ficou confortável para plainar. O brilho das asas, próximo a fluente do rio, iluminava a água. Predadores se afugentaram, mas insetos o rodeavam. Se alimentavam do pólen místico que caia das asas.

Recolheu as asas ao tocar o solo. Agachou para tomar água corrente. Olhou para o lado, e viu Dylan fazer o mesmo. O lábio ressecado do garoto mostrava há quanto tempo não sentia uma gota de água tocar a garganta.

— Cão, você não bebe água há quantos dias?

— Quatro dias. Lhe disse que meu nome é Dylan. — Assim que sentiu a barriga lotada de água jogou-se a grama.

— Não teve medo de voar desta vez. — O elfo tentou descontrair. Sem sucesso. — Por que desejava tanto retorná-la a Alfheim?

— Tsc! — pausou a fala. — Ela me pediu... só queria cumprir.

As respostas de um campesino. Velent sorriu.

— Só precisamos levar a espada para Alfheim. — Ele puxou a atenção de Dylan — A alma dela está dentro dessa arma que agora lhe protege. Dentro do meu lar pode soltá-la.

— Está dizendo a verdade, azulão? 

— Apenas preciso visitar uma pessoa antes, e viajaremos até Alfheim... — Velent conteve a fala. — Não vamos pensar nisto agora certo? Vamos descansar para voltarmos a caminhar amanhã. — Foi até uma árvore onde repousou o corpo.

— Vai dormir sem nada lhe protegendo?

— Rei elfo, detentor da natureza... não sinto esse frio que você sente. Venha dormir abraçado comigo para não adoecer.

A palma estendida convidava para dormir. Ele ignorou o elfo e voltou a contemplar o reflexo na água.

— Garoto. É a alma de tua amiga que está dentro desta espada. Pretende sujá-la com sangue de pessoas que não tem nada a ver com teu ódio?

— Você não sabe nada sobre a guerra, azulão...

— Hum... Talvez não saiba mesmo... — o elfo fechou os olhos — boa noite.

Recordou do corpo dela jogado no piso de mármore.

Olhos amarelos surgiram no escuro da floresta. Do outro lado do rio. Dylan o encarou. Pronto para atacá-lo. Um tigre de três metros emergiu das sombras. Rugiu. Expôs a mandíbula, e foi em direção à margem. O cão observava um tigre. Dylan não fez movimentos bruscos. Retirou a espada da bainha. O barulho do aço sobressaiu ao som do rio. Mirou a ponta para o tigre. Deu uma estocada e deixou o felino paralisado. A lâmina saiu de dentro da água, e nela um peixe. Ofertou para o tigre, mas o felino preferiu beber água. Assim que saciou a cede no rio esticou o pescoço para pegar a truta e bufou de volta a escuridão da floresta.

Ele dormiu sob o frio. O corpo não tinha forças para nada.

Nem pássaros. Tão pouco o som dos insetos pela manhã. Dylan ocupou esse espaço, com os gritos de dor. Os cortes infeccionaram. Ele sentiu agonia, e raiva, por não conseguir tocar nas feridas abertas. O pus minava sem parar. Sem forças não conseguia sair dos braços de Velent. O elfo cortou o pulso. Deixou o sangue cair, gota a gota, na grama molhada pela umidade presente do sereno.

— Você precisa beber! Se não tomar meu sangue não vai conseguir se curar! Estas infecções podem se transformar em algo que ficarei impossibilitado de ajudar.

Ele continuou a berrar. Recusava tocar a boca no sangue do elfo. O suor descia sobre o rosto, e a tontura havia lhe acertado em cheio. Não existiam alternativas. Velent levou o pulso à boca dele. Forçou a ingerir o sangue. Dylan degustou o doce na língua. Fraco, não recusou o sangue, apenas continuou a beber.

Desmaiou nos braços do elfo. Velent o jogou nas costas, e começou a carregá-lo pela floresta. Velent subiu o alto do desfiladeiro, e admirou a enormidade da floresta. No horizonte, distante, viu um reino de construção sombria. Nuvens pairavam sobre ele.

"Provável que este seja o rio de ligação entre os Corvos e os Abutres", raciocinou o elfo.

Ele avistou um vilarejo antes do castelo. Pequenos produtores de milho conversavam, enquanto cuidavam das ovelhas. O elfo pressentiu, inusitado, a presença de um conhecido.

— Desculpa Cão, ainda não lhe contei tudo, mas com o tempo saberá.

Ele desceu a colina. Carregava Dylan nas costas. Um camponês em específico reparou na presença do elfo. Além da súplica por ajuda. Os outros avançavam os trabalhos. Ignoraram o interromper dos passos do bigodudo com cabelo grisalho.

Adentro da casa do bigodudo. A caldeira estava acesa na lenha. Uma cama de feno, com cobertor de pele de urso, se faziam necessários para deixar o jovem descansar. A borbulha da sopa e o balir das ovelhas no celeiro ao fundo do abrigo eram os únicos sons ouvidos perante o silêncio dos dois homens.

— Vive bem fingindo ser humano. Angrod.

— Esse cabelo grande de nossa raça sempre me foi incomodo, mas pelos deuses, finalmente o aceito de bom grado. — O homem sentou a frente do azulado. Deu-lhe uma cumbuca de sopa. — Aqueles ferimentos não são profundos, mas estão bem infeccionados. Por que um jovem como ele está assim?

— Acredite ou não Angrod, ele estava defendendo a honra de uma elfa morta.

— Quem diria. — O elfo camponês olhou para o rosto inocente de Dylan. Iluminado pela luz da clareira. — Ainda existem humanos assim por aí.

— Angrod... — Velent estava ansioso. Ou pior, frustrado. Tinha medo de olhar o semelhante. — Me diga... O que houve enquanto estive fora?

— É triste te ver assim Velent. Tão sábio, mas tão perdido sobre suas decisões. Afundado em seus próprios desejos carnais que causaram a destruição daquilo que considerou um lar. — Palavras duras, mas o rei não as confrontou. — Quer mesmo ouvir tudo? Tudo que aconteceu?

O rei de Alfheim que havia — por razões desconhecidas — sumido do lar dos elfos. Para viver algo carnal. Pagava o peso das consequências. A violência sofrida pelo povo o maltratava. Doravante, fingir demência não era feitio. Ali começava a punição. Num semblante frígido e amargurado. Olhou para Angrod.

— Conte-me tudo. Quero saber os meus erros. O que aconteceu com Alfheim após eu ter ido embora?

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