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9. Missões impossíveis

☆ Capítulo 9 | O Canto das Estrelas ☆

Na ausência do terceiro cavaleiro, Sir Luan — pois este fora obrigado a ir para a aula de reforço em pleno sábado à tarde — Pedro e Lucas saíram para mais uma missão. Durante os dias da semana, quando os meninos passavam a maior parte do tempo na escola, Pedro planejava a próxima aventura de sábado e domingo. Conforme os cavaleiros ganhavam experiência, mais as missões pareciam impossíveis. Mas, como o próprio Pedro dizia, nada era impossível para a Ordem dos Cavaleiros da Távola Triangular.

— Hoje, vamos ao Reino dos Dragões — Pedro anunciou enquanto pedalava pela rua de terra. — Na ausência de Sir Luan, que está em outra nobre tarefa, talvez a missão seja ainda mais penosa. Mas nada é impossível para nós dois, cavalheiros de honra e homenageados pela própria rainha de Paradise.

Lucas imaginava tudo o que o irmão descrevia, nos mínimos detalhes. Conseguia ver, em sua tela mental, a rua estreita em que passaram transformar-se em uma extensa ponte de pedras cinzentas; podia ouvir o rio passando por baixo e o som dos cascos de seus cavalos imaginários ecoando pelo bosque que os rodeava. Quando subiram a rua-ponte, chegaram a outra rua já conhecida por eles; porém, havia algumas mudanças: grandes canos de concreto espalhados pelas calçadas, assustadoras fendas no chão, terra e pedras em montes organizados e faixas de sinalização.

Os dois meninos frearam suas bicicletas e observaram a obra de saneamento interrompida. O silêncio era absoluto. Para Pedro, aquele era um ótimo cenário para construir o Reino dos Dragões, que faziam enormes buracos no chão para chocar seus ovos de ouro. Levando o dedo em riste aos lábios, o menino desceu da bicicleta e fez um gesto para que Lucas fizesse o mesmo. Obedecendo-o, o outro menino o seguiu. Pedro agachou-se e adentrou por um dos canos, e Lucas fez o mesmo.

Aqui, os Dragões Guardiões não vão nos ver — garantiu Pedro, sussurrando. Andaram de quatro por toda a extensão do cano, observando o outro lado. Havia um lote à venda à esquerda e uma casa de campo à direita. Pedro apontou para a casa. — Ali está o covil do chefe dos dragões. Lembre-se que estes não são os dragões do bem, e sim os bárbaros. Nossa missão é recuperar a coroa do príncipe, e não roubar os ovos de ouro!

Lucas assentiu, acompanhando-o por entre os canos; ocultando suas presenças heroicas. Então, saindo de dentro dos enormes cilindros de concreto, eles correram para o lote, escondendo-se atrás das árvores secas. Pedro sacou a faca de madeira que havia produzido e puxou o irmão, narrando o aparecimento de alguns seres alados com bicos de ferro — espécie de dragão não identificada — e lutaram bravamente. Ouvia-se apenas a sola de seus tênis amassando as folhas secas enquanto corriam por uma trilha. E então, de repente, Pedro gritou:

— Fui atacado! — o menino se jogou no chão, lutando contra o invisível. — Ajude-me!

Lucas estava tão envolvido na história e tão incorporado no personagem que, soltando um bramido, atacou bravamente contra um tronco caído, quebrando seus galhos secos com marcas escuras — provavelmente, haviam colocado fogo ali (talvez um dragão), matando o monstro imaginário com sua espada de madeira. Pedro olhava para ele e para o tronco estraçalhado, impressionado. Lucas puxou o irmão para trás de um tronco e observaram a casa de campo como se observasse um enorme e tenebroso castelo.

Você foi muito bem! Obrigado por me salvar — Pedro sussurrou sem olhar para ele.

Mapa — Sir Lucas falou tão baixo que, se não fosse pela proximidade dos dois, seria impossível que Pedro escutasse. — Precisamos...do mapa.

Igualmente envolvido pela história, Pedro não hesitou ao pegar o mapa que havia feito do Reino dos Dragões. O coração de Lucas saltitava, tentando se convencer de que fora por causa da adrenalina da batalha; e não porque havia falado com Pedro. No entanto, Sir Pedro não parecia nada surpreso. Ou, pelo menos, fingia não estar.

Naquele momento, não era Lucas que estava ali. Não era o menino que não falava — aquele que mal conseguia levantar a mão ou segurar um cartaz — e sim Sir Lucas, aquele que havia destruído o monstro que queria matar seu irmão e melhor amigo. Sentia-se tão corajoso, tão imponente! Seria capaz de atravessar aquele bosque, saltar as muralhas que rodeavam o castelo e recuperar a coroa do príncipe — que, mais tarde, ele descobriria ser ele próprio. E foi isso que fizeram: fingindo entrar na casa de campo, lutaram contra os inimigos e recuperaram a coroa de ouro. De volta à Paradise, Pedro fez a revelação planejada por ele durante toda a semana:

— Filho perdido da rainha! — Pedro ergueu a coroa feita de papelão, surpreendendo a todos os personagens invisíveis; inclusive, o próprio Sir Lucas. — Sua missão está completa. Subiu mais um nível da Ordem e a sua identidade foi revelada!

Pedro colocou a coroa de papelão, produzida por ele mesmo, na cabeça do segundo cavaleiro — o Príncipe, filho da Grande Rainha de Paradise. O menino sorriu para Pedro, sentindo-se o ser mais poderoso do mundo. Ele podia ser o Príncipe, mas Sir Pedro seria para sempre o seu líder.

— A sacerdotisa do bosque um dia lhe disse... — Pedro ajeitou a coroa, que ficara perfeita na cabeça de Lucas: — Lembre-se de quem você é!*

★★★

Depois daquele dia, Lucas conseguiu driblar a ansiedade e, aos poucos, se comunicar com Pedro e Benício. No começo, eram apenas sussurros no ouvido do irmão — não revelando a sua verdadeira voz; aquela que soava em alto e em bom som. Ele disfarçava o timbre com o sussurro; que ficava cada vez mais alto. Ben e Miriam, notando a evolução de Lucas, fingiam que não estavam vendo o menino falar no ouvido de Pedro — eles agiam normalmente, como se nada de mais estivesse acontecendo. Com o padrasto, entretanto, foi um pouco diferente.

Sentado próximo a Ben, enquanto este tocava piano, o menino começou a murmurar as primeiras notas que aprendera. Era apenas um som baixo e abafado, vindo das profundezas de sua garganta, mas era um som que já revelava muito de sua voz. Benício repetia as notas no piano conforme o menino emitia os sons com a boca fechada. Aos poucos, percebendo que Ben não estava reagindo, o menino foi entreabrindo os lábios.

— Matriculei-me na Faculdade de Música — Ben revelou de repente, esticando os dedos e acariciando as teclas brancas do instrumento. — Porém, havia tomado essa decisão muito antes de alugar a nossa casinha... Aliás, por causa do meu desejo de estudar Música, é que eu e Pedro decidimos nos mudar de casa e recomeçar em um novo ambiente. A possibilidade de seguir aquilo que eu verdadeiramente amo... Nos fez encontrar vocês! Isso não é incrível?

Lucas murmurou um unhum, sorrindo para Ben. Não entendera muito bem a lógica dele; mas sabia que, por se tratar de Benício — que era o homem mais inteligente que o menino conhecera — provavelmente estava correta. Foi assim que o padrasto começou a se dedicar à Faculdade de Música, largando o escritório de advocacia. Miriam apoiou o marido em sua decisão, prometendo que, qualquer que fossem suas dificuldades, passariam por elas juntos. Porém, Ben não ficou sem uma renda por muito tempo — ele tinha conhecimentos demais e era um ótimo professor.

— Quero trabalhar dando aula de música, porém, acredito que meus conhecimentos históricos e filosóficos podem ajudar muitos alunos preguiçosos do fundamental! — ele olhou para os meninos — Quem será o meu cobaia?

Luan fugia rapidamente para o quarto, ligando o computador para se aventurar em seus jogos virtuais. Pedro, que não precisava de reforço algum para nada, preferia refugiar-se no tapete da sala para ler um livro de fantasia. Então, sobrava Lucas, que não estava nada bem em História naquele ano. Assim, Benício passou a dar aulas particulares para ele, treinando sua didática e ajudando a aumentar as notas de Lucas naquela disciplina. Aqueles momentos a sós permitiu que o menino se soltasse mais com ele, perguntando coisas sobre a matéria — que, com Ben, não parecia tão chato quanto na escola.

No final da aula, Ben presenteava-o com biscoitos açucarados — exclusivos da padaria no bairro — e Lucas se deliciava com o açúcar refinado grudados em seus lábios. Constatou, sentindo-se um pouco culpado, que preferia a companhia do padrasto do que a do pai. Alberto estava cada vez mais estranho e distante, ligando vez ou outra para os meninos e levando presentes no natal. Eram raras às vezes que se encontravam pessoalmente. O menino tinha a impressão que o pai não gostava nada de Benício.

Ele teve a certeza disso quando, um dia, quando Ben buscava os meninos na escola a pé — pois prometera que tomariam sorvete após as aulas — Alberto apareceu com um velho carro, estacionando-o na rua do colégio. Lucas reconheceu seu rosto na janela de imediato. Nessa hora, Lucas e Luan seguravam as mãos do padrasto para atravessar a rua, enquanto Pedro os seguia carregando sua mochila.

Alberto buzinou, um som rouco e desagradável que chamou a atenção de todos ao redor.

— Filhos! — ele tentou dar um sorriso, mas a sua expressão não estava nada agradável. — Vim buscá-los hoje! Consegui sair mais cedo do trabalho.

Quando Alberto saiu do carro, Luan analisou-o dos pés à cabeça. Camisa social nova, sapatos lustrosos e um belo relógio de pulso. Alberto nunca tentou parecer elegante; mas agora, até a barba estava feita.

— Nós vamos tomar sorvete hoje — o caçula foi o primeiro a responder.

— Vão a pé? — o pai questiono-o, incrédulo.

— Muito boa tarde, Alberto! — Ben sorriu, estendendo a mão. — Prazer em conhecê-lo... Finalmente! Sou o Benício.

— Eu sei — Alberto hesitou ao descruzar os braços e apertar a mão do outro homem. — Gostaria de levar os meus filhos para tomar sorvete.

Eu não quero ir com ele — Luan sussurrou para Ben, que apertava a mão do pai.

Alberto escutou o sussurro nada discreto do filho mais novo, franzindo as sobrancelhas. Colocou a mão sobre o capô do carro, de um vermelho reluzente, como se o protegesse.

— Tudo bem! — ele olhou para Lucas e Luan. — Querem ir a pé? Então vão. Não vou mostrar para vocês o meu carro novo!

— Essa lata-velha? — Luan franziu o nariz. — Até o meu Hot wheels é mais legal!

— Luan, não seja tão indelicado, meu querido — Ben acariciou os cabelos castanhos do mais novo. — É um belo carro, Alberto. Mas, hoje, prometi aos meninos que tomaríamos sorvete de Blue Ice com confetes e ficaríamos um pouco na praça. Poderá combinar com eles outro dia, se eles não quiserem ir hoje...

Lucas sentiu o olhar de Ben sobre ele. O menino olhou para o padrasto e, apenas com o olhar fixo nos dele, o homem compreendeu: ele também não queria ir com Alberto. O pai não disse mais nada, apenas assentiu e entrou no carro. Deu partida, acelerando abruptamente e desaparecendo pela esquina.

Hot wheels! — Ben riu, retomando a caminhada com os meninos pela calçada. — Você não existe, Mini Lu!

Alegres e esquecendo-se daquele tenso episódio, as crianças deliciaram-se com o sorvete azul com confetes coloridos e brincaram um pouco na praça. No balanço, Pedro olhou sério para o irmão e perguntou; sem conter suas dúvidas:

— Seu pai parecia nervoso. Ele é legal?

— Queria que fosse tão legal quanto o seu... — Lucas respondeu; e, sem perceber, deu um sorriso triste.

— Ele nem olhou pra mim. Fiquei curioso para conhecê-lo. Você não se parece nada com ele! — Pedro reparou. — E... ele não gostou muito do meu pai, né?

— Acho que não — Lucas murmurou, balançando a cabeça. — Queria que eles fossem amigos.

— Eu também — o outro menino concordou. — Mas acho que ele é do reino inimigo. É a única explicação.

Rindo, Lucas começou a balançar mais forte, e Pedro fez o mesmo. No impulso de suas pernas e sustentados pelo balanço, o vento batia-lhes no rosto e os meninos tinham a sensação de estarem voando. Não se importavam, naquele momento, com as inimizades do reino — pois aquela seria mais uma missão impossível; que já não dependia deles.

Por hora, os jovens e nobres cavaleiros só queriam se divertir.

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*Referência a uma frase dita por Mufasa ao filho Simba, no filme "O Rei Leão".

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