Treze
Nem se passava pela minha mente qual era o lugar preferido de Ward Carter, entretanto tentar adivinhar a localidade se tornou meu passa-tempo durante o percurso de carro.
Primeiramente paramos em meu prédio, onde a senhora Liliam me esperava com uma mala pronta. De início me assustei, pois nunca lhe dei a chave do apartamento. Contudo o meu amigo me explicou tudo: Após ver um milhão de filmes e séries americanos e levando em consideração que eu sou de Los Angeles, a chave provavelmente estaria de baixo do tapete. Dito e feito, a vizinha sob o pedido de Ward destrancou a porta e preparou uma mala de viagem para mim.
Vendo a mochila que Liliam arrumou rezei para não demorar muito nessa jornada, já que com certeza muitas coisas desnecessárias estavam em minha bagagem. Odeio que façam minhas malas, afinal de contas toda vez que viajo, pesquiso o que levar e penso em uma possibilidade de organização que atendam a todas as necessidades da viagem e uma distribuição de roupas que possa caber melhor. Não são todas as pessoas que possuem hábitos como os meus e Liliam com certeza era uma dessas sem noção!
Tentei não ligar para o fato de ela ter entrado sozinha em meu apartamento e nas possibilidades de ter fumado lá dentro. Nada disso seria útil em um momento como este, mas mesmo assim não deixei de ter dó de minha pia que talvez estivesse suja de pó de café, derrubado pela idosa.
Também paramos na casa do piloto para que ele tivesse a oportunidade de pegar sua mala e a jogar no banco de trás. Ward dirigiu por um bom tempo na zona urbana do país, mas tudo melhorou quando se deslocou até a área rural.
Eu me sentia bem com ele dirigindo, era um clássico motorista. Daqueles que conseguem prestar atenção nos eventos internos e externos do carro, desse modo podíamos conversar durante o percurso.
Porém o diálogo cessou assim que liguei o rádio e nos deparamos com uma música do Elton John, tinha conciencia de que se tratava do cantor favorito do meu amigo. Então peguei os óculos escuros em formato de coração que ele usou no julgamento e coloquei em minha face.
Confesso que o acessório era um tanto quanto ridículo, todavia não me importei. Apenas ajeitei o cachecol mostarda e comecei a cantar com emoção usando de minhas habilidades - quase nulas - de teatro para fazer caretas. Ward me olhava com o canto do olho rindo um bocado do que se passava, ele abriu meu vidro e os nossos cabelos se balançaram com o vento trazendo um efeito de cinema.
Não foi somente o ar que invadiu o automóvel, o frio realizou o mesmo processo. Portanto meus momentos de diva do rock com madeixas voando durou pouco, mas não retirei o óculos.
Fiquei com o objeto precioso de meu melhor amigo e iniciei uma imitação fajuta do mesmo. Me limitei a dizer coisas do tipo: "Você é impossível, Catherine Turner" seguindo seu tom de voz mais grave que o meu. Óbvio que ele riu, Ward era a pessoa que mais ria da minha cara, sem dúvidas!
- Eu não falo assim - O piloto protestou observando minha clara ironia ao copiar seus atos.
- Fala sim!
- Do jeito que está me imitando parece que sou ex presidiário!
- Quem me garante que não é? - Questionei o pondo em xeque - Já compareci à um julgamento seu.
Ward bufou e revirou os olhos indicando que caiu em minha brincadeira e que não via um pingo de graça nela. Paramos em um posto de conveniência um pouco depois e enquanto meu amigo ia abastecer o carro e comprar salgadinhos fiquei apreciando a paisagem que estava fora do veículo.
As árvores em formato de cone tinham atingido a cor branca, segundo os padrões era para o inverno estar acabando nessa época do ano. Todavia se prolongou um pouco além do esperado para minha tristeza e alegria de Ward Carter. Não entendo até hoje como essa era a estação que mais o agradava, sem um pingo de calor!
De fato ele era estranho, não era esse seu único gosto peculiar. O rapaz também se divertia muito vendo meu desespero assim que encontrava um móvel sujo e certas vezes até me ligava falando que seu quarto estava do avesso. A primeira coisa que eu fazia era xingar ele por estar me telefonando somente para dizer aquela calamidade, contudo no outro dia lá estava eu o ajudando a arrumar tudo.
Ele voltou com um pacote de salgadinho de queijo e duas latinhas de Coca-cola, os quais devoramos no caminho. Me surpreendi ao notar que Ward não disse mais nada, não estava na programação dele permitir que isso acontecesse.
Após alguns minutos me incomodando com o silêncio dele não aguentei, perguntei "Tá pensando no que falar?".
- No que não, mas como.
- Anda fala logo!
- Tem coisas que se falarmos de qualquer jeito, perde o verdadeiro sentido.
Depois dessa fala que poderia muito bem ser um Twitter motivacional ou uma frase de caneca brega, a curiosidade tomou posse de mim. Além de aguentar partir em uma viagem com o piloto sem saber o destino, teria de me contentar em esperar a boa vontade dele de me contar alguma coisa.
Assim que o tédio de não me comunicar e não fazer nada me atingiu, pensei novamente nas possibilidades do local onde estava indo. Talvez fossemos esquiar, pouco provável pois nenhum de nós levava o equipamento. Ou talvez estivéssemos indo no encontro direto com o fim da civilização, no ponto mais gelado do globo.
Embora Ward fosse meio maluco acho que não chegaria nesse nível, pelo menos era o que eu esperava.
- Estou dirigindo para te apresentar uma pessoa - Ele finalmente falou - Eu imagino que ela vá te encher de perguntas constrangedoras semelhante às de Lia.
Oh não! Como poderia aguentar outro ser com a mesma essencia de minha adorável vizinha idosa?
- Ela vai questionar nossa amizade e observar cautelosamente seu modo de agir - Ward Carter continuou - Mas não deixe que isso te abale, hoje irei te apresentar à minha mãe.
***
Quando conhecemos a mãe de alguém é o mesmo que ir de encontro à parte mais pessoal do indivíduo. É que mãe está constantemente atrelado à criança que fomos um dia.
Fiquei inexplicavelmente nervosa ao conhecer a mãe de Ward, ela morava em uma casa de campo agradável semelhante à daqueles filmes de fazenda. Uma enorme porteira marcava o início do terreno por onde meu amigo passou com o carro em meio de muito mato.
Os animais do local eram diversos, desde pássaros até cavalos e galinhas. Haviam também pessoas provavelmente já esperando ansiosamente a chegada do piloto.
Ele me contou no pedacinho final de nossa viagem que tinha passado sua infância inteira naquele sítio, observando pela televisão pessoas como meu pai pilotar. Era estranho pensar que um dia ele levou uma vida simples, quer dizer a casa atual do meu patrão é tão luxuosa que nem parece que já morou na área rural. Se bem que a fazenda era grande, possivelmente a maior da região.
Uma mulher com uma longa saia e blusa xadrez veio nos receber no carro. Assim que abrimos a porta ela estava lá, com uma ansiedade visível nos olhos.
- Filho! - Dona Inês cumprimentou o abraçando, em seguida olhou para mim de cima a baixo e perguntou - Então você é Catherine Turner?
- Ela mesma! - Ward respondeu por mim.
- Ouvi falar muitas coisas sobre você!
- Mãe... - Ele interveio envergonhado.
Logo a mãe de Ward nos disse para pegarmos nossas bagagens e a seguirmos. O filho se ofereceu a levar para mim, mas não achei que seria necessário e continuei carregando a mochila.
O rapaz sugeriu que eu me acomodasse no quarto dele visto que lá tinham duas camas, porém Inês não permitiu que isso ocorresse. Então me abriguei no cômodo ao lado que era tão confortável quanto o dele.
A casa por fora parecia grande e por dentro parecia enorme. Toda feita de madeira, a propriedade quente me fazia crer que não deveria sair dali, contudo a mãe de Ward me convidou à um almoço na mesa do quintal. Peguei outro casaco, pus sobre o meu e fui.
Ela era simpática e me lembrava muito ele, especialmente no modo de agir. Ambos tinham uma áurea soberba que me encantava, pessoas que de fato sabiam seu valor. A comida, simplesmente deliciosa, foi devorada por nós em um pequeno espaço de tempo, onde consegui absolver bastante informações a cerca do piloto. Soube que seu primeiro amor na verdade foi uma amiga imaginária que chamava de Manteiga.
Manteiga segundo a mãe de Ward tinha um gênio difícil e ficava sempre na mente dele, atrapalhando sua educação. Depois vi as fotos de quando ele era criança e não pude deixar de rir ao me deparar com a clássica foto do bebê na banheira. Afinal por que os pais tem essa mania de tirar fotos de suas crianças nuas? Acho que só saberei quando tiver a minha.
Então, a senhora começou a me fazer perguntas. Visto que já tinha falado de mais sem ao menos saber algo sobre mim; contei como conheci o filho dela e como ele era insuportável certas vezes, instantaneamente Inês concordou pois era mesmo.
- Ele sempre teve esse jeito, desde que o trouxe pra cá!
- O trouxe pra cá? - Perguntei confusa, achei que o rapaz nascera ali, mas aparentemente estava enganada.
- Não contou a ela?
- Não senti necessidade - Ward respondeu sério como nunca costumava ficar - Sou seu filho e você é minha mãe, de onde vim não significa nada.
Jamais diria que ele era adotado, isso nunca passou pela minha mente. Pareciam idênticos tanto em aparência quanto em personalidade, mas trata-se de um acaso os traços físicos. Agora o amor, o amor era pura obra em conjunto.
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