Capítulo Quarenta e Três
Marlon Shipka:
Eu me senti sendo sugado para dentro de uma escuridão profunda, uma vastidão sem forma nem fim. O vazio me envolveu completamente, e por um instante, perdi a noção de onde eu estava. O pânico começou a se espalhar por meu corpo, fazendo meu coração disparar e meus pensamentos se desordenarem. Queria gritar, mas nenhum som saía da minha garganta. Queria me debater, mas meus braços e pernas estavam imobilizados, como se algo invisível me segurasse ou puxasse cada vez mais para o fundo.
As sombras ao meu redor pareciam ganhar vida, distorcendo-se em figuras amorfas que se moviam lentamente, como predadores esperando o momento certo para atacar. A sensação de sufocamento aumentava, e o ar ao meu redor parecia pesado, denso demais para respirar. Meu corpo inteiro tremia de medo e desespero.
Lutei para me libertar, para escapar daquela prisão escura, mas cada esforço parecia em vão. A força que me segurava era implacável, fria e inabalável. Era como se as trevas estivessem sussurrando para mim, chamando-me para desistir, para ceder e ser consumido por elas. Um frio gélido percorreu minha espinha, e comecei a sentir que estava perdendo o controle, como se minha mente estivesse sendo arrastada junto com meu corpo.
Por um momento, achei que tudo estava acabado, que eu estava condenado a cair para sempre nesse abismo sem fim. Mas então, algo dentro de mim reacendeu. Uma pequena faísca, uma lembrança da luz e do calor que eu havia experimentado momentos antes, ao lado de Otto. Era frágil, quase imperceptível, mas foi o suficiente para me dar forças para lutar.
Fechei os olhos e me concentrei, tentando ignorar o medo esmagador que tentava me dominar. Concentrei-me naquela pequena faísca, deixando que ela crescesse, que se expandisse dentro de mim. Aos poucos, comecei a sentir uma leve resistência contra as trevas. Meu desejo de escapar, de voltar para a realidade, de não me deixar consumir, deu origem a um novo tipo de força.
— Eu não vou sucumbir a isso — murmurei, mesmo que fosse apenas para mim.
Senti a pressão que me prendia começar a ceder, ainda que fosse apenas um pouco. A escuridão ao meu redor parecia hesitar, como se estivesse sentindo a minha determinação. Aproveitei esse pequeno momento de fraqueza e empurrei com toda a força que me restava, tentando romper as correntes invisíveis que me seguravam.
De repente, um clarão brilhou à distância, cortando a escuridão como uma lâmina afiada. Instintivamente, estendi minha mão em direção à luz, desesperado para agarrá-la. Com um último esforço, senti algo se romper, como se eu tivesse finalmente quebrado as amarras que me prendiam. A luz cresceu, engolindo toda a escuridão ao meu redor.
E então, num instante, tudo se dissipou. Meus olhos se abriram com um sobressalto. Eu estava de volta ao quarto, o coração ainda acelerado e a respiração pesada. O calor do corpo de Otto ainda estava ao meu lado, e o som suave da chuva batendo na janela trouxe-me de volta à realidade.
Otto murmurou algo em seu sono, ainda alheio ao que eu havia acabado de experimentar. Eu, por outro lado, sentia o suor frio escorrendo pela minha testa, enquanto tentava acalmar minha mente. Aquilo não foi um simples sonho, foi algo mais profundo, mais real. As sombras que haviam tentado me prender pareciam ecoar em algum lugar distante, como uma lembrança que eu não podia ignorar.
Mas, por enquanto, eu estava aqui. Seguro, ao lado de quem importava. E isso, mesmo que temporariamente, era o suficiente para afastar o medo que ainda tentava se agarrar ao meu coração.
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Voltei a me deitar, tentando encontrar conforto ao lado de Otto, mas o sono não trouxe a paz que eu esperava. Ao fechar os olhos, fui novamente sugado para um lugar diferente, como se uma força invisível me puxasse para longe da realidade. Desta vez, porém, não era uma escuridão vazia; me vi atravessando o plano das almas, um espaço etéreo onde espíritos vagavam, esperando sua vez de reencarnar ou encontrar descanso em outras dimensões.
O ambiente ao meu redor era ao mesmo tempo belo e perturbador, com luzes suaves dançando como espectros ao vento, criando trilhas cintilantes no ar. O chão parecia feito de névoa sólida, oscilando como ondas em um oceano fantasmagórico. Podia sentir as energias de incontáveis almas passando por mim, seus murmúrios e sussurros formando uma sinfonia distante, como um lamento antigo.
Mas havia algo errado. A harmonia desse plano, normalmente serena, estava contaminada por uma presença que não deveria estar ali. Ao longe, vislumbrei uma figura solitária. Inicialmente indistinta, sua forma foi se tornando mais clara à medida que se aproximava, ou talvez eu estivesse sendo atraído em sua direção. A figura tinha uma postura relaxada, quase casual, mas havia algo profundamente sinistro em sua aura.
Quando ela finalmente se levantou e limpou as mãos em suas calças, um calafrio percorreu todo o meu corpo. A simples ação parecia carregada de algo maligno, uma premonição de perigo. A escuridão ao seu redor era densa, como se estivesse devorando a luz e a esperança que normalmente permeavam aquele lugar.
Enquanto eu a observava, a sensação de pavor cresceu, como se uma mão invisível estivesse apertando meu coração. Aquele ser, seja o que fosse, não era uma alma comum. Havia uma malevolência, uma consciência distorcida que se infiltrava nos confins do plano das almas, perturbando seu equilíbrio natural.
A figura então se virou, e, mesmo à distância, senti seus olhos cravados em mim, como lâminas atravessando minha mente. O semblante era indistinguível, envolto em sombras densas demais para serem dissipadas, mas a intenção era clara: aquela entidade sabia que eu estava ali. Ela me reconhecia.
Tentei me mover, fugir daquele olhar aterrorizante, mas meus pés pareciam presos ao solo nebuloso. O pânico começou a tomar conta de mim, a sensação de ser uma presa encurralada diante de um predador implacável. Mesmo sabendo que aquele plano era destinado a almas que buscavam renascimento, essa presença estava ali por uma razão completamente diferente. Era um invasor, uma anomalia que distorcia o fluxo natural da vida e da morte.
Então, como se quisesse confirmar minhas suspeitas, a figura deu um passo à frente, e sua voz ecoou em minha mente, suave e gélida:
— Você não pertence a este lugar... ainda. Nem a mim.
O tom era sereno, quase gentil, mas a ameaça implícita era clara. Eu sentia que, se permanecesse ali por mais tempo, algo terrível aconteceria, algo que poderia me prender naquele limbo entre a vida e a morte para sempre.
Reunindo toda a força de vontade que ainda me restava, tentei me desconectar daquele plano, forçando minha mente a voltar à realidade. Senti a resistência daquela presença, como se tentasse me arrastar de volta, mas, com um último esforço desesperado, rompi a conexão.
Meus olhos se abriram de repente, e eu me vi de volta ao quarto. Meu peito subia e descia rapidamente, o suor frio escorrendo pela minha testa. Otto ainda dormia ao meu lado, alheio à batalha silenciosa que eu acabara de travar. A chuva continuava a bater contra a janela, mas o som agora parecia distante, abafado.
Fiquei ali, respirando com dificuldade, tentando processar o que havia acabado de acontecer. Aquele plano das almas não era um lugar novo para mim, mas nunca o havia sentido tão contaminado, tão... ameaçador. Quem era aquela figura? O que ela queria? E por que me senti tão vulnerável diante dela?
Sabia que isso não poderia ser ignorado. Algo, ou alguém, estava mexendo com as fronteiras entre as dimensões, e aquilo trazia uma ameaça que eu ainda não compreendia completamente. Mas, por ora, precisava me recompor e recuperar minhas forças.
Eu sabia que a próxima vez que encontrasse aquela entidade, não seria apenas um espectador.
***********************
Quando Otto finalmente despertou, ele se levantou com um bocejo preguiçoso e começou a se arrumar para sairmos. Eu já estava pronto e decidi ir na frente, mas assim que passei pela porta do quarto, ouvi seus passos apressados atrás de mim. Antes que eu pudesse reagir, ele alcançou minha mão, entrelaçando seus dedos nos meus com uma firmeza terna.
— Para garantir que você não vá muito longe — disse ele com um sorriso leve, mas o brilho preocupado em seus olhos ainda estava lá.
— Preciso admitir, você está com um medo bobo de que eu desapareça novamente — brinquei, mas logo mudei o tom. — Na verdade, preciso te contar algo importante.
Antes que eu pudesse continuar, fomos interrompidos por um grito de surpresa vindo da recepção.
— Meus santos! — Lila exclamou, com os olhos arregalados, enquanto Lopes olhava boquiaberto.
Quando chegamos à entrada da pousada, a cena à nossa frente era realmente inesperada. Gurokishinia, com suas asas brilhantes e elegantes, estava sentado de forma descontraída no topo da carruagem da realeza, suas asas abertas como um leque reluzente sob a luz fraca do amanhecer. Ao lado da carruagem, Dorōru, o gigante de quatro braços, estava de pé, sua presença imponente quase bloqueando completamente a visão da entrada da pousada. Sua postura rígida e o tamanho colossal atraíam olhares de qualquer um que passasse por perto, criando uma atmosfera de tensão no ar.
Lila e Lopes não conseguiram esconder o choque. A visão de um gigante intimidante e um férrico alado ao lado de uma carruagem real não era algo que se via todos os dias, e o contraste entre a realeza sutil e a força bruta deixava claro que algo fora do comum estava prestes a acontecer.
— O que está acontecendo aqui? — Lopes perguntou, ainda tentando processar a cena. — Esses são...?
— Sim, são eles — confirmei, dando um passo à frente. — Gurokishinia e Dorōru. Eles decidiram se juntar a nós, pelo menos por enquanto.
Otto me lançou um olhar curioso, e eu sabia que ele estava tentando ligar as peças do quebra-cabeça. A noite passada e a minha ausência repentina começavam a fazer sentido para ele.
— Eu não diria que isso foi o que esperávamos ao sair pela manhã — Lila comentou, ainda sem desviar o olhar do gigante que, apesar de sua aparência ameaçadora, mantinha-se em silêncio, como uma estátua viva.
— Sei que é um pouco inesperado, mas eles têm algo a oferecer. Se queremos realmente lidar com Matteo e Theorban, vamos precisar de toda a ajuda possível — falei, tentando manter o tom firme. Ainda mais aquele possível aliados que deve estar ajudando eles.
Otto ainda segurava minha mão, mas agora com uma expressão mais séria.
— Eu confio em você, mas precisamos ter certeza de que essa aliança é segura. Sabemos o que está em jogo.
Gurokishinia, com um sorriso enigmático, deslizou suavemente do topo da carruagem e pousou com uma leveza surpreendente para alguém com asas tão grandes.
— Não viemos causar problemas — disse ele, sua voz melodiosa, mas carregada de um respeito calculado. — Estamos aqui porque, assim como vocês, buscamos algo maior. E talvez, ao fim disso tudo, possamos encontrar o que procuramos.
Dorōru apenas assentiu, seu olhar sério, mas sem qualquer hostilidade.
— Não somos seus inimigos — afirmou, sua voz grave como trovões distantes. — Mas isso não significa que será fácil ganhar nossa confiança completa.
Lila e Lopes se entreolharam, claramente ainda desconfiados, mas estavam prontos para aceitar a minha palavra por enquanto. Sabiam que o caminho à frente seria árduo, e qualquer vantagem poderia fazer a diferença.
— Vamos partir agora? — perguntei, voltando minha atenção para Otto, que finalmente soltou minha mão, mas não sem antes apertá-la levemente, como se ainda quisesse garantir que eu não sumiria de novo.
— Acho que não temos escolha — ele respondeu com um meio sorriso. — Mas, por favor, sem mais surpresas pelo caminho.
Subimos na carruagem, com Gurokishinia posicionando-se elegantemente no topo mais uma vez, e Dorōru caminhando ao lado, como uma muralha viva que parecia feita para proteger. Enquanto nos afastávamos da pousada, sentia a tensão no ar, mas também uma nova sensação de determinação. A estrada à nossa frente era longa e cheia de incertezas, mas com novos aliados — por mais incomuns que fossem — talvez tivéssemos uma chance maior de alcançar o que buscávamos.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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