IV - Mulher
Ela estava um pouco eufórica e aceitou o convite dele.
Assistira a uma pequena receção para onde fora convidada e descobrira, assim que chegara ao terraço envidraçado, que o grupo era mais restrito do que julgara. Apenas alguns senadores e todos veteranos. Da própria Coruscant, de Plexis, de Tangenine, Hosnian Prime. Dois representantes dos mundos das colónias, também velhos políticos. Os mais jovens eram ela, de Alderaan e por isso sentiu-se perfeitamente incluída por ser oriunda de um dos mundos do Núcleo, e Josh Amyrell, o único que vinha de um sistema da Orla Exterior.
Fora uma festa feliz, descontraída, onde ocorrera uma prova de vinhos e uma oferta variada de acepipes confecionados por cozinheiros especializados. Comida luxuosa, comida exclusiva. Tudo aquilo assemelhava-se mais a um dos lanches oferecidos por ocasião de um feriado de uma casa reinante da galáxia do que um colóquio entre senadores com interesses mútuos.
Pouco se falara de política, fora uma conferência informal entre pares, com muito requinte, sorrisos rasgados e falsa compostura. Leia ficara lisonjeada por ter sido considerada para vir até ali, mas no fundo não achara assim tão estranho, pois que era uma princesa e vinha de um mundo importante, a sua presença era mais do que natural. Quase obrigatória, impunha-lhe a sua presunção. E assim se portou, distribuindo o seu encanto e simpatia por todos que se deliciaram com as suas capacidades diplomáticas. Por onde andara, fora como se um sol ali tivesse passado, deixando uma esteira luminosa e agradável. Josh Amyrell estivera sempre com ela, beneficiando da sua influência.
Por momentos, ela pensou que era tudo por causa do seu nome. Organa. Deviam a amabilidade ao seu pai, Bail Organa, a Alderaan, depois. Se ela fosse um androide, ou uma das tias, ou mesmo Winter, dispensariam o mesmo tipo de atenção. O que interessava era bajular Alderaan, sem olhar para quem seria o interlocutor. Naquele caso era ela... Mas depois afastava essa insegurança perniciosa, que lhe roía a alma de vez em quando, deixando-a mais indecisa, para erguer-se nos bicos dos pés e crescer numa altura imbuída de orgulho inquebrável.
E que fosse por ser uma Organa! Era-o com toda a ostentação que conseguia congregar. Já tinha percebido que não estava num lugar fácil, que era preciso fazer uma gestão magnífica de várias questões, como um malabarista, e adorava o desafio diário que se colocava à sua pequenina pessoa.
Era baixa de estatura, mas nunca se sentira inferior por isso. Até apreciava que a considerassem frágil e delicada, como uma flor rara, para depois exibir-se na sua pujança total, atacar sem possibilidade de retribuição, experimentar o doce sabor de uma vitória inesperada. Era uma flor, sim, mas pertencia a uma planta carnívora.
Depois de saírem do terraço envidraçado, finda a pequena festa, ou quando acharam conveniente sair, Amyrell convidara-a a vir até aos seus aposentos e ela aceitara. Vinha de braço dado com ele e estava, efetivamente, muito feliz. Ria-se e fazia comentários pueris aos senadores mais velhos, especialmente aqueles que representavam Coruscant. Falava do Imperador Palpatine num tom jocoso, troçando da sua velhice, do seu aspeto acabado e enrugado, comparava-o ao dos senadores. Josh ria-se com ela e acrescentava alguns pormenores, mais relacionados com as características especificamente masculinas de um corpo humanoide, ou não, absolutamente escandalosos, e Leia dobrava o riso. Estiveram a beber cinco qualidades de vinho diferentes, pelo menos, tinto, branco, verde, rosé, espumante, repetira alguns dos cálices que apreciara mais e estava ligeiramente embriagada. Talvez se não estivesse tão tonta, não teria aceite o convite de Josh Amyrell, mas a parte sã da sua mente silenciava-se por conta do alarido que a parte mais selvagem fazia.
Um pouco de loucura não faria mal nenhum, considerava. Primeiro, confiava em Josh Amyrell. Depois, devia entreter o senador e ser sua amiga, bastante sua amiga, para manter o feitiço que estendera sobre ele. As negociações sobre o apoio de Alderaan à proposta de lei relacionada com o comércio entre os mundos da Orla Exterior e os mundos do Núcleo estavam terminadas e Leia considerava que tinham sido um sucesso. Conseguira convencer Amyrell do preço a pagar pelo apoio de Alderaan, obtivera vantagens económicas para Alderaan, fizera tudo sozinha sem a opinião ou a intervenção do pai, tendo conseguido com incrível sucesso que Bail Organa desconhecesse por completo no que ela estivera a trabalhar com tanto afinco nas últimas cinco semanas. Winter aconselhara-a a contar ao pai, Leia considerara que estava tudo a correr conforme o planeado e que não queria ter a sombra de Bail Organa naquele acordo político. Iria provar a todos, incluindo ao pai, a Winter, às tias, aos jornalistas maldosos, a todos os demais senadores, de que ela não estava ali a brincar ao faz-de-conta, que era uma princesa com outras habilidades para além de saber desfilar e de saber receber.
Estava tão contente com o que conseguira fazer sozinha que se sentia perfeita.
Aceitara que Amyrell também estava satisfeito com os progressos das negociações e principalmente com a sua vitória, uma vitória pessoal, pois iria por fim ver o seu projeto converter-se em lei que iria mudar a vida a milhões de pessoas. Devia ser revigorante, uma massagem ao ego, vermos um trabalho nosso concluído. Para Amyrell era algo prolongado, vinha do seu primeiro mandato, provavelmente era uma daquelas aspirações que nasciam da alma do menino que sonhava com a política, ainda em tenra idade. Então, ela revestira o convite do senador dessa gratidão devida aos aliados.
Havia um fogo, todavia, uma chama que a queimava por dentro. Ela dizia que era felicidade. Era uma mulher e gostava da atenção dos homens, de se saber admirada, amada, cobiçada. De se saber a fantasia de outrem.
Dias antes tivera um sonho esquisito com Josh Amyrell. Era em tons de vermelho e havia muito calor no quarto apertado onde ela se encontrava. Estendia as mãos e tocava nas paredes. O quarto era tão estreito que não conseguia esticar os braços que ficavam com os cotovelos dobrados. Ela fazia força e não conseguia aumentar o espaço. Ela arfava, ela sentia-se acossada. Precisava de acalmar aquele fogo. Dentro de si, dentro do quarto. Depois descobria que Amyrell estava ali com ela, abraçava-a e ela não ficava mais sossegada. Ao invés disso, o fogo era atiçado ainda mais, a temperatura subia até fazê-la suar e sufocar, as paredes ficavam húmidas e o que escorria por estas era viscoso e igualmente quente, com um odor potente a ferro. Sangue. Leia despertara com um grito mudo.
A interpretação do sonho não lhe interessava e nem procurou obtê-la. Também não contou sobre o pesadelo a Winter. Era uma mulher que não se dava a crendices ou a superstições. Tinha sido um sonho estranho, pintado de vermelho, nada mais. Uma qualquer invocação colorida do significado de calor. Nesse dia entrevira a passagem do Imperador Palpatine que fora assistir a uma das sessões magnas da grande assembleia dos senadores. A procissão solene que escoltava o grande líder galáctico pelos amplos pórticos do edifício era marcada pelos guardas pretorianos, seres mudos e esguios, trajados completamente de vermelho. Leia interrogara-se se o seu sonho teria algo que ver com a opressão imperial, personificada naqueles guardas pretorianos, naquela cor violenta... Talvez. A seguir não pensou mais naquilo.
À porta dos alojamentos do senador de Jelucan, o seu estômago começou a fervilhar, tinha uma ligeira cãibra nas coxas. Sorriu para Amyrell, procurando acalmar os seus níveis de ansiedade. Eram inéditos, eram despropositados. Estava ali a convite de um amigo, de um aliado político. Não havia segundas intenções. Ou ela estava a reagir assim porque as tinha? Estranhou-se. Ela não era leviana, não era impulsiva. Mas existia uma certa curiosidade que a empurrava para a beira do precipício, para espreitar o que existia lá abaixo e que toda a gente conhecia, menos ela...
Josh perguntou-lhe num tom insinuante:
- Tens a certeza sobre isto, Leia?
Ela olhou-o nos olhos, de forma penetrante. Acariciou-lhe a face com as costas dos dedos. Resolveu ser prática, sacudir a tensão com um agitar de ombros. Um arrepio percorria-lhe o corpo, arrefecia-a. Ela não iria fraquejar. Iria olhar até ao fim e perceber que o abismo não escondia trevas, mas brilhos.
- Estou segura ao teu lado, senador Amyrell – respondeu-lhe, provocadora.
- Estamos seguros em Coruscant – devolveu ele, enigmático. – O lugar mais seguro da galáxia.
Pressionou o mecanismo no painel lateral e a porta abriu-se.
Os alojamentos do senador de Jelucan eram muito semelhantes aos seus, notou Leia que entrou com um passo firme, mãos atrás das costas, analisando subtilmente o sítio. Não queria parecer desconfiada, não queria parecer ansiosa, não queria parecer curiosa. Principalmente, não queria parecer inexperiente.
Na verdade, ela não sabia muito no que tocava a assuntos amorosos. Crescera com uma proteção cerrada sobre si, enformada numa educação rígida onde não havia folgas, nem acasos. Os pais, depois as tias, prepararam-na para uma vida sem sobressaltos e sem a necessidade de improvisos. Para uma ação havia uma reação, a uma decisão seguia-se uma consequência. A sua natureza clamava por mais liberdade, mas ela não dispensava a segurança de ter vivido dentro da redoma dourada da realeza de Alderaan. Quanto a namorados ou mesmo paixões juvenis não tivera nenhuma, porque não privava com rapazes e aqueles que lhe eram apresentados vinham sempre em comitivas oficiais que visitavam o palácio. Talvez tivesse olhado de forma diferente para dois ou talvez três rapazes, cuja harmonia do porte, do rosto, ou mesmo a conversa mais elucidada e inteligente a tivessem cativado. Globalmente, ela não estava interessada em encetar uma vida amorosa que seria sempre controlada pelas suas obrigações enquanto princesa. Nunca haveria amor, haveria apenas benefícios. Uma contraparte política. Se pensava em apaixonar-se? Estava muito longe das suas ambições naquele momento. Quisera ser senadora para satisfazer a sua sede de liberdade, de estar sozinha, de ver com olhos desimpedidos dos regulamentos régios impostos pela sua condição privilegiada. Poder descobrir sem peias.
Regressando aos alojamentos. Uma sala pequena e mobilada frugalmente, com poucos móveis de linhas sóbrias, constituía o compartimento ao qual se acedia passando o limiar da porta, que se fechou devagar nas suas costas. Era um local amplo, num canto havia um balcão para preparação de refeições simples, no lado oposto existia uma mesa e uma cadeira, estantes, um recanto de trabalho. Por detrás dos sofás existiam dois degraus e acedia-se a um átrio onde estavam três portas, uma correspondente ao quarto de dormir, outra ao quarto de higiene e a terceira levava aos arrumos onde se guardavam documentos, roupas, o que se quisesse. Ela fez a inevitável comparação e os seus alojamentos eram somente um pouco maiores, com uma disposição diferente. O acesso ao quarto de dormir fazia-se do lado direito em relação à porta de entrada e tinha uma varanda à sua disposição, à qual se acedia através de umas portas envidraçadas junto à cozinha. O apartamento de Josh Amyrell era mais acanhado e reservado, sem varanda, apenas duas janelas compridas junto à mesa de trabalho, que uniam o chão ao teto em faixas que mostravam as imensas luzes da capital.
Leia estacionou junto ao balcão e viu Josh servir dois copos de vinho, do lado de dentro da pequena cozinha, com um sorriso enviesado. Ele era bonito, muito bonito. O seu coração bateu mais depressa e ela sentiu calor.
Fizeram um brinde curto. À emoção das vitórias, sussurrou ele e ela concordou. Molhou os lábios no líquido e ele teve o à vontade de passar os dedos pela sua boca, para limpá-la. O contacto deixou-a elétrica.
Rapidamente girou e sentou-se no sofá. De costas direitas, pernas unidas, uma mão sobre o joelho. Na outra mão tinha o copo e bebericou um pouco mais de vinho. Josh também se veio sentar no sofá, mas teve o decoro de se afastar. Recostou-se, descontraído e desabotoou o casaco soltando um breve suspiro.
- Confortável?
- Bastante. Este vinho é ótimo... reconheço a casta – disse ela. – Alderaan, uma colheita especial. Julgo que existem garrafas na adega do palácio.
- Adivinhaste.
- Onde o adquiriste? Aqui em Coruscant?
- Foi um presente.
Ela lembrou-se do pai. Lembrou-se do acordo comercial e corou. O assunto ainda estava em segredo. O senador Amyrell tinha-lhe pedido que não o divulgasse ainda, pois precisava de acertar algumas cláusulas e de gerir algumas suscetibilidades relacionadas com aliados mais sensíveis. Ela compreendera as suas razões, a política era um jogo de equilíbrios. Por isso nada contara a Bail Organa e achou-se incomodada com a possibilidade de o pai ter sabido do seu feito por Josh e não por ela.
Ele percebeu o seu constrangimento.
- Foi um presente de um amigo que passou recentemente por Alderaan – explicou. – Um grande amigo corelliano, que conheci fora do Senado. Não, não se trata de um senador, daí talvez a nossa amizade seja diferente. Arrisco a dizer que seja mais verdadeira, pouco interesseira.
- A nossa amizade é classificada como interesseira? – cortou Leia. Baixou o copo de repente.
- Ah, não, minha cara Leia! Não quero que penses isso! Aprecio-te como amiga e considero-te uma verdadeira amiga. Admiro-te. Fiquei surpreendido com a tua acutilância, com a tua sagacidade, com a tua inteligência. Também com o teu encanto pessoal. Deixas-me... absolutamente fascinado.
- Oh!...
- Quero que me vejas como um aliado político, mas quero também ser... teu amigo. Aprecio bastante a tua companhia e creio que sou correspondido. – Inclinou-se e piscou-lhe o olho. Leia remexeu-se no sofá. – Voltando ao meu amigo de Corellia... Ele é um mercador de especiarias, mas também negoceia com bebidas espirituosas. Vinhos caros, vinhos de casta superior. É um passatempo, chama-lhe ele... Só entra no negócio quando tem em vista um lucro considerável. E por vezes, envia-me de presente uma garrafa que ele considera extraordinária. Diz que só um senador tem ocasiões dignas para beber um vinho dessa categoria.
- Sinto-me honrada que quisesses partilhar esse vinho magnífico comigo.
Ele agarrou-lhe na mão pousada sobre o joelho, envolveu-a. Leia estremeceu.
- Uma amiga encantadora. É uma ocasião digna. São os requisitos...
Um calor brutal acometeu-a e ela bebeu o conteúdo do seu copo de uma vez só. Levantou-se depressa com a ideia de pedir mais vinho, uma desculpa plausível para afastar-se do contacto súbito, mas em vez de se voltar para a direita e ir até ao balcão, foi para o sentido contrário e topou com a mesa de trabalho. O tampo estava impecavelmente arrumado. Um holopad, várias pastas eletrónicas numa pilha ordenada, canetas de apontamentos virtuais alinhadas, alguns papéis antiquados rabiscados, também meticulosamente postos num canto. Dois intercomunicadores dentro de um cesto redondo de acrílico.
Josh seguiu-a, retirou-lhe o copo vazio da mão.
- Mais vinho? – perguntou-lhe com uma voz sedutora.
- Sim... Sim, por favor – gaguejou ela. Estava ruborizada e muito quente.
Ele deu-lhe um beijo na boca. Provou-lhe os lábios demoradamente com os seus, sugando-os levemente. Leia recuou e apoiou-se na mesa de trabalho. Agarrou-se a esta com as duas mãos. Respirava depressa.
- Um excelente vinho... Bebido assim, notamos ainda mais a sua excelsa qualidade. O meu amigo tinha razão quando me disse que esta garrafa só podia ser aberta durante uma comemoração inesquecível.
- Bebido assim?
- Na tua boca.
- Senador... por favor...
- Leia, trata-me por Josh. Não fiques tão melindrada... Estou a ir demasiado depressa?
- Não... Quero dizer, um pouco. Uma comemoração inesquecível?
- Vamos ser famosos!
- Vamos?
- Bem, tu já és famosa. És princesa... Mas eu sou apenas o filho de um inventor louco de um planeta desconhecido da Orla Exterior.
- És ambicioso...
- Sou! – exclamou ele quase como num berro, erguendo o copo para firmar a sua resposta. – Sou ambicioso. Há algum mal nisso?
Leia demorou um pouco a responder. A explosão fora despropositada e assustara-a. Acontecera ali uma qualquer alteração que ela não conseguiu apurar convenientemente. Subitamente, o calor tornou-se insuportável. Humedeceu os lábios.
- Não, Josh... Não existe mal nenhum em ser-se ambicioso. A proposta de lei sobre as rotas comerciais com os mundos do núcleo... é um excelente primeiro passo. E estamos a comemorar essa vitória... essa pequena vitória inesquecível.
- Perfeitamente!
Ele foi até ao balcão para voltar a encher os copos. Ria-se e completava o seu monólogo sobre o que ele considerava sobre a fama. Estava alegre, estava inspirado. Era um discurso descontraído, quase num tom jocoso. Pegou nas invenções do pai, nas suas evidentes ambições e misturava tudo enquanto vertia o líquido vermelho nos copos. Ela voltou-se para a mesa e agarrou no primeiro objeto que os seus dedos alcançaram – um dos intercomunicadores. Brincou com ele, mexendo-o de um lado para o outro dentro da mão meio fechada, a imitar uma bola. Escutava-o sem atentar demasiado nas palavras dele. Tinha um qualquer alarme a soar dentro de si a dizer que visse os sinais. Que sinais? Todos! Mas havia aquele beijo e os calafrios de prazer sobrepunham-se a todo o bom senso. O abismo era tão tentador... O mergulho no desconhecido, o abraço da escuridão morna.
Tocou inadvertidamente no botão e ligou-o. Surgiram duas figuras holográficas azuis, pequenas, com cerca de trinta centímetros-padrão. A imagem vibrou sobre a mesa, era uma gravação. Ela paralisou. Acedera sem querer à memória do intercomunicador. Procurou o botão para desligar aquilo. Josh calou-se.
No silêncio espantado dele, atrapalhado dela, escutou-se uma das figuras dizer:
- "A princesa mordeu o isco, ela julga que vou aceder ao seu pedido e que iremos incluir Alderaan no contrato. Mas nada temas, amigo. O único beneficiário será sempre Corellia, como combinado. As taxas cobradas serão milionárias e ficaremos ricos".
Leia gaguejou:
- Desculpa... Não queria...
- O que estás a fazer? Estás a espiar-me? – acusou ele pousando os copos cheios no balcão.
- Espiar? Não, foi um acidente. Liguei-o sem querer...
Então, ela compreendeu o que estava a ouvir. Ficou alerta e olhou para o holograma. Uma das figuras era Josh Amyrell, o outro ela desconhecia, mas pelo aspeto era alguém com posses. Tinha os trejeitos típicos de quem não se preocupava com dinheiro, de quem comprava o que queria, bastava desejá-lo, pensá-lo. Usava o emblema de Corellia na lapela de um casaco comprido feito de couro de juyjuy, uma peça muito cara.
Ela ligou os pontos.
- Desliga isso imediatamente! – ordenou-lhe o senador, zangado.
O amigo de Corellia que fizera a oferta do vinho de Alderaan. Para que Josh o bebesse com a ingénua princesa que entrara no jogo com a melhor das intenções e que fora indecorosamente usada. Amyrell disse mais, na gravação, a voz metálica, respondendo a uma pergunta do outro:
- "Ela não sabe, claro que não sabe. É uma idealista, acredita que estou a fazer isto para resgatar milhares da pobreza nos sistemas da Orla Exterior. Acredita mesmo nesta proposta de lei. É demasiado crédula, muito fácil de enganar! E Alderaan estará fora, não te preocupes. Já te garanti isso. Seremos só nós, tu e eu. Nem Jelucan receberá um crédito desta... parceria estratégica comercial. Tu, eu e Corellia".
Uma gravação clandestina. Uma espécie de apólice de seguro para que, se algo corresse mal, o senador de Jelucan pudesse ter provas do conluio e evitar desistências por cobardia. A chantagem seria possível... O seu estômago embrulhou-se.
O intercomunicador foi-lhe arrancado da mão e o holograma sumiu-se com um zumbido. Josh Amyrell estava zangado, possesso. Agitou o punho, lá dentro tinha a peça que guardava a revelação incómoda e asquerosa.
- Já tens o que querias?
Leia encarou-o. Não cogitou pedir mais explicações, não tentou compreender as razões dele para, eventualmente, avançar para um compromisso em que haveria desculpas, perdões, uma reconciliação. Fora enganada, fora traída. Por aquele... por aquele miserável! Desde o baile inaugural que preparara cuidadosamente o plano. Falara da proposta de lei. Talvez até tenha influenciado aquela avaliação negativa da imprensa para espicaçá-la, fazê-la vir ter com ele. Fora tão atencioso, tão profissional, tão... perfeito. Ela deveria ter desconfiado. A perfeição não existe, muito menos numa galáxia imensa a sucumbir sob a garra impiedosa de um regime político autoritário, cego e déspota.
Leia encarou-o. Fechou as mãos. Empinou o nariz e declarou:
- Espero que te afogues no vinho de Alderaan de casta superior, senador. A nossa relação de cordialidade ou de sociedade política ou de qualquer outra natureza terminou, sem possibilidade de um reatamento. Enganaste-me da maneira mais vil! Nunca mais te quero ver!
A sentença saiu-lhe disparada através dos mesmos lábios que ele beijara há tão pouco tempo. Sentiu-se suja. Fez uma careta e num ato reflexo limpou a boca com as costas da mão. Passou por ele, dirigiu-se à porta.
Nisto, ele arrependeu-se e chamou:
- Leia, espera!...
Mas ela não quis esperar. Abriu a porta e saiu para o corredor andando tão depressa que quase corria. Estava afogueada e indignada, bufava como um gundark ferido.
Nunca mais queria ver aquele amaldiçoado e esperava poder reparar o erro que cometera. Um erro a todos os níveis! Ainda bem que o seu pai não tinha tido conhecimento de toda aquela embrulhada, daquele sórdido esquema, daquela sua vergonhosa ingenuidade. Se antes era uma lei promissora, uma conquista pessoal da qual se podia orgulhar, um primeiro ato político que marcaria a sua agenda de forma indelével, agora era um embaraço e um logro. Fora a única coisa certa, talvez, que fizera no meio da atitude censurável. Não contar nada a Bail Organa.
Mas fora ludibriada! Mas fora traída!
Abanou a cabeça. Não, sem desculpas. Assumiria o erro, confessaria a Winter que cometera um deslize. Precisava de descobrir uma maneira de sair daquele conluio gizado por Josh Amyrell que a envolvia num esquema intrincado de corrupção. Uma lei supostamente ousada seria aprovada pelo Senado Galáctico com o aval de Alderaan, mas tudo seria sabotado para que apenas Corellia, que se mostrara reticente oficialmente, iria administrar, porque os verdadeiros beneficiados seriam o senador de Jelucan e um corelliano qualquer que nadava em dinheiro. Amyrell devia ter gravações suas, hologramas comprometedores, deveria estar preparada para a extorsão, para lutar contra aquele jovem ambicioso e egoísta que a enredara na sua teia de mentiras.
Oh! Extorsão! Palavra terrível! Leia apertou a cabeça entre as mãos e gemeu, assustada e magoada. Não podia crer que começava a sua carreira no Senado com um engano tão monstruoso! As tias... O que diriam as tias? Já imaginava as suas observações rancorosas. Nós bem que te tínhamos avisado. Devias procurar um marido, não um lugar como senadora! Começou a chorar e, sem se aperceber, chorava alto num lamento esganiçado. Obrigou-se a cerrar os dentes para impedir os sons lastimosos. Limpou as lágrimas das faces com as mãos, esfregando-as na pele, tornando-a ainda mais vermelha.
O calor. O vermelho. Lembrou-se do sonho...
Sacudiu a cabeça. A tensão estava a baralhar-lhe a mente.
Uma porta abriu-se no corredor, mesmo no lugar onde ela tinha parado. Tinha parado? Só se via agora ali estacionada, como uma idiota, a chorar como uma menininha... Não. Erros atrás de erros.
Uma baforada de fumo saiu pela porta e estava um vulto enquadrado na moldura, de pernas afastadas, uma mão no quadril, na outra fumegava um charuto cigarra. Leia engoliu em seco. Estava rígida como uma coluna de durasteel. Não iria dar satisfações ao desconhecido e foi para recomeçar a andar quando um braço a puxou e ela viu-se dentro de um segundo alojamento, ao lado de um homem magro, vestido com um roupão casual. Por debaixo do roupão estava um pijama florido e ele estava descalço. Só então levantou os olhos para o rosto do homem, para exigir-lhe satisfações por aquele rapto e reconheceu o senador Heskey. Melena cinzenta desgrenhada, papos debaixo dos olhos azuis, a soprar uma baforada do charuto. A porta tinha-se fechado.
- O que é que se passa? Por que razão estou aqui?
- Estavas a chorar no corredor – explicou ele calmamente.
Ela indignou-se. Mordeu os lábios e espetou um dedo:
- Vou regressar ao meu quarto. Com licença!
O corpo dela ganhou balanço para avançar sobre a porta fechada. A voz de Heskey continuava irritantemente calma:
- Então, já descobriste? Finalmente... Sabia que o irias fazer, mais cedo ou mais tarde.
Algo explodiu dentro do seu peito. Veio uma dor, sentiu-se dormente, a sua visão afunilou. Seria raiva, despeito, repulsa. Berrou:
- E tu sabias que eu estava a ser enganada pelo Amyrell?! E nada fizeste?
- Fiz, sim – retorquiu ele, arqueando os sobrolhos, espantado com o drama, como se não houvesse drama algum. – Tirei-te do corredor onde estavas a chorar.
- Oh! Isso é... isso é...
Rugiu e apeteceu-lhe esmurrá-lo. Heskey seria excelente para descarregar toda aquela fúria. Ele disse:
- De nada. Fico contente por poder ajudar, nem que seja num pequeno momento em meio a toda esta... comédia. Não diria tragédia, acho que é uma palavra demasiado forte. Não concordas?
- Comédia?! – vociferou ela. – Fiz um papel estúpido perante todo o Senado...
- Todo o Senado, não. Perante Josh Amyrell. Mas eu tentei avisar-te no baile inaugural. De qualquer maneira não deves ficar tão afetada com o que aconteceu, afinal ele esperava essa prestação da tua parte. Não o desiludiste, se é que ainda tens em consideração o que ele pensa sobre ti...
- Nesse baile também disseste que irias proteger-me! Que o tinhas prometido a Bail Organa!
- E tu disseste que não precisas de proteção.
- Ah... E a minha palavra tem mais peso que a palavra do meu pai?!
- És crescidinha. Não precisas de seguir sob a sombra do teu pai eternamente. Se errares, assumes essa responsabilidade. Creio que foi isso que te ouvi dizer... Por outras palavras, mas basicamente essa foi a ideia geral. Ora aqui se apresenta uma excelente ocasião para fazeres jus à tua afirmação.
Ela bufou, revirou os olhos.
- Eu assumirei o meu erro, claro! – resmungou.
- Chorar não é solução para nada.
Leia abanou a cabeça para replicar. Ele interrompeu-a com um gesto. Colocou-lhe as mãos sobre os ombros, o charuto cigarra fumegava junto à sua orelha.
- Acalma-te.
- Não me toques! E tira isso de ao pé de mim! Odeio esse cheiro!
- Certo.
Ele apagou o charuto no balcão da cozinha, sem se importar com o leve chiado que provocou sobre a superfície de plastoid. Ela reparou, então, numa série de pequenas crateras negras, provavelmente outros charutos que ali tinham sido extintos. Heskey pediu-lhe, sem ser persuasivo:
- Por favor, fica. Precisas de te acalmar.
- Posso acalmar-me nos meus aposentos.
Não sentira que ele queria efetivamente que ela ficasse, por isso ia fazer-se de difícil. Na realidade até ficaria ofendida se ele fosse persistente e chegasse a implorar, em nome do respeito que tinha com Bail Organa, ou algo parecido. Nem mesmo por causa da sua lealdade a Alderaan ou outra treta fundada nos volúveis alicerces da política. Naquela fase, ela pouco se importava com o que estivesse fora da esfera pessoal. Estava a ser egoísta e queria sê-lo, sem remorsos.
O sentimento de traição era ferida funda, aberta, a sangrar.
Sim, queria chorar e fazer uma cena. Estava no seu direito. Era uma mulher, era uma jovem de dezoito anos, com todas as funções vitais em ebulição. O vermelho acometeu-a, velou-lhe o olhar. Estava demasiado transtornada para explicar-se ou defender-se. Tinha de se ir embora. O calor inundou-a outra vez.
- Nos teus aposentos não terás disto...
No braço que Heskey lhe estendia estava um copo esguio com uma bebida azulada e borbulhante. Leia reconheceu-a e apontou, desdenhosa.
- Licor de gojyriana.
- Certo. Licor de gojyriana – concordou o senador.
- Queres embebedar-me! Também tu? – acusou-o, com o sentimento de ter escapado de uma armadilha para outra pior. Encurralada, sentia-se pronta para atacar. Começou a andar de um lado para o outro, a fixar a porta de saída.
- Não te quero embebedar – explicou Heskey tranquilo. – Quero acalmar-te.
- Com uma bebida alcoólica? Já bebi demasiado por esta noite!
- Esta vai fazer-te bem, acredita.
- Irei cair.
- E se caíres e dormires? Não será uma boa ideia? Pelo menos esqueces-te do que está a acontecer. E acalmas-te, de certeza!
- Dormir no teu quarto?
- Domes onde quiseres. Até pode ser no chão, não me importo.
- Dormir aqui?
- E se quiseres chorar até adormeceres, pois chora!
Leia agarrou no copo e emborcou-o para dentro da garganta. Engoliu o líquido de uma vez e o estômago explodiu numa vaga de fogo. As entranhas incendiavam-se. Mais vermelho. Heskey contemplava-a com uma curiosidade apática.
Veio uma sombra, a ânsia de fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Precisava de retirar de si toda aquela amargura. Podia ter-lhe dado para chorar, prolongar o choro que sustivera no corredor, mas não. Atirou-se a Heskey, enlaçou-lhe os braços no pescoço, puxou-o para si e beijou-o. Primeiro colou apenas os lábios, não sabia fazer de outra maneira, a seguir abriu a boca. Era um convite. E o homem aceitou-o. A língua molhada e grossa invadiu-lhe a boca. Ela não sabia como corresponder e deixou-o fazer tudo. Aos poucos enrolou a sua língua na dele e o vermelho acentuou-se, assumiu um tom mais escuro.
Que se danasse! Ela não iria resistir.
Deitou-se no sofá, Heskey por cima dela a beijá-la, a morder-lhe o pescoço, a passar as mãos sobre os seios que a roupa protegia. Ela abriu a blusa, rebentando com os botões, exibiu-lhos para delícia dele que impou de luxúria. Heskey começou a sugar-lhe os mamilos e a gemer enquanto o fazia. Ela achou aquilo engraçado, causava-lhe uma pressão mais abaixo, no ventre. Uma sensação de urgência mais abaixo ainda.
Sabia que devia continuar a oferecer-se, Heskey estava a gostar bastante de a ter naquela posição. Era uma espécie dúbia de poder. Ela nunca tinha feito aquilo, mas de repente sentia que queria fazê-lo e perder, de uma vez por todas, o pudor e a timidez. Pois que se danasse...
Enquanto ele continuava a chupar-lhe os mamilos, ora um, ora outro, enquanto ele passava as mãos aflitas pelos seios, pelo seu colo, ela abriu o fecho das calças e puxou-as ligeiramente, para libertar as ancas do cós lasso. Ele percebeu que ela se desnudava e ajudou-a. Com as mesmas mãos cheias de pressa tirou-lhe mais essa peça de roupa. Abriu o roupão, puxou pelo seu pénis. Leia nunca tinha visto o sexo masculino e entreabriu os lábios. Era grande, túrgido, escuro, uma cabeça arredondada rosada espreitava dos dedos dele que apertavam o grosso falo e andavam para cima e para baixo, para estimulá-lo mais. Um mastro que em breve se tornou teso e potente.
Ele não sabia que era a primeira vez dela e penetrou-a com uma única estocada. Ela gritou e agarrou-se às costas dele, fincando-lhe as unhas. Heskey disse-lhe qualquer coisa ao ouvido. Babava-se, murmurava, cria ela, o seu nome.
- Leia... Oh, Leia... Carinha bonita!
Doía-lhe, mas ela não se queixou. Deixou-o fornicá-la.
Ela merecia a desonra.
Não houve prazer, nem outra sensação do que aquela que estava a ser rasgada por dentro. Heskey não pretendia ser bruto, ele apenas não sabia que ela estava a impor a si mesma aquilo. Deixou-o fazer-lhe tudo. Não foi muito mais do que um vai-e-vem rápido sobre ela, dentro dela. Experimentava os baques nos ossos da bacia e contorcia-se para tentar encontrar uma posição confortável.
Com um estremecimento e um gemido que se prolongou trémulo no ar, Heskey acabou com as estocadas. Leia conseguiu perceber que tinha algo quente a escorrer de dentro dela quando ele retirou o pénis que vinha húmido e brilhante, meio flácido. Havia sangue também e ela afastou o senador de cima de si. Apanhou as suas roupas do chão e encaminhou-se para o quarto de higiene. Queria lavar-se rapidamente e sair dali. A blusa estava estragada, mas iria cobrir-se com o casaco que fecharia até ao queixo.
Ele deve ter reparado num qualquer pormenor. Balbuciou:
- Querida...
- Nem uma palavra, senador.
E foi sem uma palavra que ela deixou os aposentos de Heskey. Muda, magoada, exausta, mas estranhamente lúcida.
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