Os astros dizem, 6: perceba!
Previsão do dia para o signo de virgem:
O amor está mais perto do que você imagina. Olhe ao redor com atenção.
♍️
O professor segue falando sobre Ciclo de Krebs, eu acho.
Minha atenção parece direcionada ao quadro negro cheio de suas anotações. Mas só parece mesmo. Estou olhando fixamente para as marcas de giz exatamente como um bom aluno faria, até deslizo o lápis pelo caderno fingindo anotar alguma coisa, para não deixar o senhor Lee perceber que eu estou, na verdade, viajando.
Ciclo de Krebs uma ova. Eu estou pensando é em outra coisa.
Gostaria de dizer que estou pensando no meu libriano secreto. Ele está apaixonado por mim, então seria bastante confortável começar a pensar nele dessa forma também.
Quer dizer, um dos medos de quem se apaixona por alguém é o medo de não ser correspondido, não?
Nesse caso, eu já teria a confirmação da reciprocidade.
Mas o que acontece é que, na vida, nem tudo segue o caminho mais fácil. Na verdade, o propósito parece justamente o oposto: algo poderia ser simples? Que tal... não? Vamos dificultar tudo!
E é assim que eu caio na pior armadilha do mundo.
Porque enquanto toco distraidamente em meus próprios lábios, eu penso no selinho que Jimin me deu.
Em anos de amizade, dentro de todas as nossas infinitas formas de demonstrar afeto um pelo outro, trocar selinhos nunca foi uma das possibilidades. Minha boca nunca tinha tocado a de Jimin. E eu sei que, ontem, ele não o fez com nenhuma segunda intenção. Eu sei que foi um gesto de carinho muito mais fraternal que qualquer outra coisa.
Mas a forma como eu estou me sentindo desde então não é fraternal. Não é mesmo.
No primeiro momento, acho que não me importei muito. Eu estava completamente imerso na intensidade de sentimentos provocados pela descoberta de que Jimin nunca tinha se cansado de nossa amizade e que nosso afastamento foi tão difícil para ele quanto para mim. Aquele foi um momento inteira, completamente devotado a nós dois como amigos.
Não poderia ser sobre outra coisa.
Quando cheguei em casa, por outro lado, contrariado por precisar ajudar meu pai, o rumo dos meus sentimentos se ramificou.
Parte de mim pensava em Jimin, em sua amizade, na forma como sua companhia me encheu de felicidade genuína mesmo tanto tempo depois.
A outra parte pensava em Jimin, em sua boca na minha e na forma como, com horas de atraso, as borboletas alçaram voo dentro de meu estômago.
Então dormi. Acordei. Saí um pouco mais cedo para poder comprar um dos chocolatinhos horrorosos que ele gosta, porque eu sempre gostei de comprar coisinhas para Jimin — como o porta retrato que, me surpreendeu ao descobrir, continua no mesmo lugar de sempre.
Achei que aquela sensação esquisita depois do selinho tinha sido superada, mas então eu o vi caminhando para fora do prédio sem me perceber, todo cabisbaixo, e tudo voltou com força total.
As borboletas no estômago. O nervosismo. A sensação dos seus lábios gordinhos apertando os meus no gesto mais carinhoso e intenso do mundo.
Eu precisei de alguns segundos, admirando-o em segredo, antes de guardar todos esses sentimentos no fundo do meu coração.
O que mais importa é nossa amizade, ainda tão desastrosamente fragilizada. Não quero fragmentá-la ainda mais com expectativas que não deveriam existir.
Por isso, agi como se o selinho nunca tivesse acontecido. No fundo, desejando que Jimin retomasse o assunto. Um — Ei... sobre ontem... — envergonhado, bastaria. Mas nada.
Nada durante nossa caminhada até a escola, menos ainda durante o almoço que compartilhamos juntos sob o olhar atento de Namjoon, que sentou em nossa mesa, e sob os olhares indiscretos de quatro amigos de Jimin sentados na mesa ao lado, jurando que estavam passando despercebidos quando na verdade davam um show de indiscrição a cada mínima interação que eu e ele tivemos.
Não foi difícil perceber os quatro marmanjos na mesa ao lado, sussurrando e trocando risadas.
— Básico, paciente e ponderado, cara! — Um deles, de cabelos tingidos de verde, gritou.
— Eles vão me matar de vergonha — Jimin disse, com o rosto explodindo em tons vermelhos quando parou de pé ao lado da minha mesa, segurando a bandeja com seu almoço.
Só assim eu percebi, cheio de surpresa, que ele estava aqui. Nem consegui sorrir, apesar de ter desejado sua companhia durante toda a manhã, enquanto lançava olhadelas para ele durante a aula e percebia que, em várias delas, Jimin já me olhava de volta.
Aí nós competíamos para ver quem desviava o olhar mais rápido.
Na hora de sair da sala, eu estava juntando coragem para perguntar se ele vinha mesmo almoçar comigo, mas ele foi mais rápido e me disse pra vir na frente.
Achei que não queria minha companhia, talvez me achando esquisito por olhá-lo tantas vezes durante toda a manhã.
Mas ele chegou. Eu fui ao céu.
Depois, recebi um abraço de deus, porque Jimin sentou ao meu lado, bem pertinho, tão pertinho que sua coxa ficou roçando na minha.
Ai, socorro...
— Discretos, eles — Namjoon disse, sentado em nossa frente, quando percebeu os quatro garotos ao lado ignorando a própria comida para deitarem toda a atenção apenas em nós. — Tão discretos quanto você correndo e gritando atrás de Mingyu. Muito bom o vídeo.
Claro que ele não deixaria passar a oportunidade de falar sobre esse vídeo.
Não vou reclamar porque eu também quero saber o que foi aquilo.
— Ah. — Jimin diz, misturando o arroz no caldo de legumes. — Ele estava xeretando nas coisas de Jungkook e eu fui tirar satisfação. Mas não foi nada sério, nem na maldade.
Eu faço que sim. Isso explica por que Mingyu ficou todo desconfiado quando eu cheguei na sala.
— Entendi. — É tudo que Namjoon diz. — Você é rápido.
— Muito treino correndo atrás de bola — Jimin responde, sorrindo um tanto desajeitado.
— Aliás... como tá o treinador? — Eu pergunto, sentindo um pouco de inveja por Namjoon não demonstrar sequer metade da minha hesitação em conversar com Jimin. — E o time?
— Se ralou todo. Mas tá bem. Vou ficar responsável pelo treino até amanhã, aí ele volta — Ele ri fraquinho, pegando uma porção de frango cozido.
Quando leva a porção de comida à boca, escorre um pouco de caldo pelo lábio inferior. Ele usa a língua e o superior para limpar, depois esfregou o próprio polegar, evidenciando ainda mais o quanto seus lábios são cheinhos.
A boca dele sempre foi assim?
Eu não consigo lembrar, pelo menos não de ter me sentido atraído, quase hipnotizado, por ela.
E meu coração... ele deu uma guinada quando percebi quanto tempo gastei olhando fixamente para seus lábios.
Deus... sou eu de novo... por favor, me leva.
Eu não acredito que estou completamente vulnerável à boca daquele que sempre quis como melhor amigo e nada além disso.
Tudo por causa de um selinho inocente.
Aquele gesto não teve, para ele, nenhum significado romântico. Para mim, não deveria ter.
Foi isso que tentei mentalizar durante todo o almoço que compartilhamos juntos. É isso que tento mentalizar até agora, durante a última aula do dia.
Eu fecho os olhos com força, frustrado pelo rumo de meus pensamentos, mas satisfeito quando a primeira dose de alívio é dada assim que o sinal indicando o fim das aulas ecoa pela sala.
Sem demora, logo começo a arrumar minhas coisas, parando por um instante para analisar o pequeno pedaço de papel ao lado de meu caderno.
O terceiro bilhete.
Ele estava em minha mesa quando voltei para a sala, de barriga cheia e coração mais cheio ainda.
"Para Jeon Jungkook, o virginiano" estava na parte externa do bilhete. Sem desenhos, dessa vez.
"Querido virginiano,
quando você está feliz, seus olhos brilham mais que o sol num céu sem nuvens. Espero ser alguém capaz de te fazer feliz nessa intensidade, sempre.
Ass.: um libriano qualquer"
Eu releio as palavras, percebendo que, dessa vez, não me causam a mesma sensação de euforia.
São bonitas e parecem sinceras, sempre infinitamente apaixonadas.
Mas é outro libriano quem me ocupa os pensamentos.
Eu estou com pena. O libriano secreto está caidinho por mim, completamente apaixonado, e eu aqui pensando em outro.
— Jungkookie — E aqui está ele.
Assim que ouço seu chamado, eu rapidamente guardo o bilhete dentro do estojo, deslizando o zíper para fechá-lo antes de olhar para o lado e encontrar Jimin aqui, com um sorriso miúdo.
— Outro bilhete? — Ele pergunta.
— O terceiro.
— Hm... posso ir até sua casa depois do treino? Talvez hoje eu possa te dar mais uma fica sobre quem ele é...
— Já? — Meu questionamento é genuíno. — Ele não vai ficar bravo?
— Acho que não.
— Então — Eu fico de pé e coloco a mochila em minhas costas. Penso em dar um beijo na bochecha de Jimin, mas, diante dos meus pensamentos atuais, decido pelo não. Aí, digo: — Tá. Te espero depois do treino.
Jimin dá uma balançada com a cabeça, eu fico de pé, de frente para ele, e nós nos encaramos nessa esquisitice desconfortável por uns poucos segundos. De repente, para completar o show de estranheza, eu digo:
— Tchau. — E tento passar por ele para ir embora.
A minha surpresa é sentir os dedos gordinhos e pequenos envolvendo meu braço antes que eu me afaste. Aí eu viro para trás, curioso, e tenho a segunda surpresa quando Jimin se aproxima subitamente e me beija a bochecha, tão apressado e desajeitado que até me machuca.
— Tchau. — Então ele responde, já correndo para fora da sala enquanto eu continuo aqui, no mesmíssimo lugar, com os olhos arregalados, o coração acelerado e a maior certeza do meu dia.
Me. Lasquei.
Jimin não deveria ter feito isso. E eu não deveria estar me sentindo assim. Mas ele fez. E eu sinto. Logo, concluímos que: ferrou.
Eu quero a amizade de Jimin de volta, mas toda a situação já está tão delicada, tão complicada, que não posso me dar ao luxo de adicionar uma nova dose de dificuldade ao ter essa natureza de sentimento por ele. Não logo por ele.
Por isso, meu objetivo assim que chego em casa é muito claro: eu reúno os três bilhetes do libriano secreto, todas as pistas que tenho sobre ele e abro o twitter de Jimin, buscando, na lista de pessoas que ele segue, todos aqueles garotos que podem ser considerados suspeitos na investigação.
Eu quero descobrir de uma vez quem é o cara que foi capaz de fazer meu coração palpitar nos dois primeiros bilhetes. Talvez isso ajude a intensificar o interesse no terceiro.
No entanto, enquanto faço minha busca desesperada, tenho dois dificultadores especiais: um deles, é que Jimin disse que o tal libriano é tão bonito quanto ele. E não existe, na escola ou no mundo, alguém tão bonito quanto Park Jimin.
O segundo é a minha falta de foco desproposital.
Entre as linhas da investigação, meu pensamento se perde várias e várias vezes.
Jimin me deu um selinho. Nós nunca tínhamos dado um selinho antes. Então quer dizer que significou algo a mais?
Mas ele não falou nada sobre isso. Então foi só um gesto de afeto platônico?
Porém, ele me deu um beijo na bochecha. Era eu quem costumava dar esses beijinhos nele, que nunca foram muito retribuídos. Dessa vez, ele quem beijou. Então os sentimentos dele estão mudando?
Contudo, ele está determinado a me ajudar com um cara que obviamente está apaixonado por mim, então na verdade ele não se importa se eu ficar com outro?
Entretanto...
— Meu deus, que saco! — Eu praguejo sozinho, no quarto, quando bato minha testa contra minha bancada.
Sem sucesso em minha tentativa frustrada, eu me recosto em minha cadeira, que reclina um tantinho com o peso enquanto esfrego as mãos pelo rosto e me contento em esperar a nova revelação de Jimin para tentar descobrir quem é esse maldito libriano e dar um jeito de me apaixonar por ele.
Ansioso, eu pego meu celular para ver as horas e me surpreendo ao perceber que já é fim de tarde.
Deus do céu. Sento pra estudar e o tempo parece parar. Aí eu sento para fazer alguma inutilidade e, pá, voa feito passarinho.
Ainda surpreso, percebo que Jimin já deve estar chegando em casa.
Aí acontece o inesperado, aterrorizante e macabro.
Mal completo o raciocínio e sou subitamente teletransportado para um filme de terror no qual um inocente estudante do último ano do colegial passa a ser atormentado por gritos de horror nos corredores do prédio onde vive.
Assustado e sozinho em casa, eu ouço o primeiro grito familiar. Em seguida, estudo o segundo.
Antes do terceiro, percebo: não são gritos do além.
São os gritos de Jimin.
Os gritos que ele dá quando vê uma barata.
Pela potência dos pedidos de socorro, é uma barata voadora.
Desesperado porque sei que a essa hora não tem ninguém na casa dele, bem como sei que Jimin tem tanto medo de insetos quanto de panelas de pressão, eu levanto tão rápido da cadeira que tropeço no meu próprio pé e caio de quatro no chão, aí vou correndo assim mesmo até conseguir levantar de novo. E continuo correndo.
Antes de sair de casa, eu passo na área de serviço e pego o veneno em aerossol e uma chinela para levar na mão.
— Jungkook! — Assim que abro a porta do apartamento, vejo Jimin tropeçando para fora do seu enquanto grita pela quarta vez: — Ela voa!
— Calma, hyung! — Como um verdadeiro herói, eu afasto seu corpo da porta e passo para dentro. Dou uma agitadinha no veneno, com passos de predador enquanto olho ao redor em busca da bendita barata.
— Jungkook! — Jimin berra. — Ali!
O indicador miúdo aponta para algum ponto atrás de mim, então eu dou as costas para ele e me armo com o veneno em uma mão e a chinela na outra, pronto para vencer a guerra.
No entanto, eu não vejo a pequena criação de satanás em canto nenhum e não demora para que mais um grito de Jimin venha tão alto que provavelmente chegou lá no último andar.
— Tá na sua blusa! Jungkook! Em você! — Ele grita desesperadamente, histérico quando eu giro ao redor de meu próprio eixo, puxando o ombro e inclinando a cabeça para trás para tentar enxergar a barata enquanto Jimin choraminga e simultaneamente dá pulinhos no mesmo lugar, fora de seu apartamento. — Ela tá indo pra sua bunda!
Vamos lá.
Em tese, eu não tenho medo de barata.
Na prática, quando uma delas pousa em mim, a tese que vá se arrombar.
Com grunhidos de desespero, eu largo minhas duas armas e puxo a blusa por minha cabeça, sem virá-la do avesso, para arrancar a barata junto. Quando consigo, jogo a camisa no chão e vou logo pisando em cima para tentar esmagar o bicho, mas a encarnação de Belzebu consegue fugir por baixo do tecido e logo abre as asas, voando até bater na parede, onde parece pegar impulso para voar de volta em minha direção com a potência de um cometa.
— Deixa o apartamento pra ela! — Jimin grita, agarrando meu braço e me puxando para o lado fora.
Assim que estamos os dois aqui, ele fecha a porta e passa a chave no movimento mais rápido que já vi em minha vida, novamente me puxando pelo braço em direção ao meu apartamento. Aí, bate minha porta e passa a chave também, como se a barata pudesse abrir a sua, depois a minha e nos matar.
Lá no chão de sua casa, eu deixei o veneno, a chinela de meu pai e minha blusa novinha. Junto, deixei minha dignidade.
Seguro em minha sala de estar, Jimin apoia as duas mãos sobre o peito e solta o ar numa lufada de alívio que precede um primeiro sorriso.
Em seguida, vem sua tentativa de escondê-lo. Por último, a primeira risada.
— Eu nunca mais entro naquele apartamento — Ele diz, com a risada ganhando força a cada instante até se transformar numa gargalhada intensa.
O que mais eu posso fazer? Sem opção, é claro que começo a rir aos poucos, tão atordoado pelos segundos de terror que sequer consigo perceber que ter deixado minha blusa na sala de Jimin significa estar, preparem-se para o óbvio: sem blusa.
Em outras palavras, eu estou com o peito completamente nu, agora.
E é só quando a risada de Jimin começa a perder força, seus olhinhos se abrem e ele volta a enxergar é que meu ex-melhor amigo parece ter a mesma percepção tardia que eu tive.
Então seu riso morre ainda mais rápido, ele aperta os lábios, arregala os olhos e coça a garganta com um pigarro depois de murmurar um "caramba" impensado.
Nervoso, eu sinto que preciso dizer alguma coisa. E poderia pensar em dizer algo melhor, mas o que sai, é:
— Minha blusa era novinha...
Jimin me oferece um sorriso frouxo enquanto seu olhar oscila, incapaz de decidir entre entregar-se à análise de meu corpo e fugir dele.
Aí, pergunta:
— Usando blusa nova dentro de casa, Jungkookie?
Eu fecho os olhos por um instante, ao perceber que me entreguei.
Eu usei a blusa nova porque era bonita e porque eu sabia que Jimin viria me ver. E tentei lutar contra, ok?! Mas foi mais forte que eu! Eu não consegui controlar a vontade de, talvez, com sorte, parecer mais bonitinho e, quem sabe, fazer Jimin prestar mais atenção em mim e... me achar atraente... quem sabe...
Minha falta de jeito já ultrapassa a estratosfera, mas ainda cresce quando, sem ter a decência de me preparar, Jimin diz:
— Você cresceu bem, Jungkookie. Tá fortão.
Deus... você já sabe o que eu vou pedir... não quer, por um acaso, me levar?
Com uma risada nervosa, eu aponto para trás, por cima do meu ombro, na direção do meu quarto.
— Vou pegar outra blusa. Você vem?
Jimin sorri fraco, tão fraco quanto o movimento único que faz com a cabeça, simultaneamente olhando ao redor, sempre tentando não olhar para mim.
— Vocês reformaram a sala, não foi? — Do nada, pergunta.
— Ano passado — Eu respondo. Mentalmente, completo: lembro bem que sofri em dobro porque além de todo o barulho, foi bem na época do seu aniversário, durante o qual passei um total de vinte e quatro horas pensando se deveria mandar uma mensagem de parabéns, ou não.
Covardemente, escolhi o não.
— Ficou bonito. Gostei do lustre novo — Ele diz, vindo atrás de mim quando sigo até meu quarto. Eu não sei o que dizer.
Não quero conversar sobre o lustre novo da minha sala, não.
Assim que entramos no lugar no qual tantas vezes partilhamos noites em claro e dividimos nossas adoradas barracas de lençol e travesseiro, eu percebo que Jimin para ainda na porta.
Meu quarto continua do mesmo jeitinho desde a última vez em que ele veio aqui me chamar para assistir um filme de terror que parecia, e eu cito suas palavras: muito ruim, a gente vai amar!
Eu estava fingindo uma gripe repentina, porque seus amigos tinham marcado de ir a uma pizzaria e lá estava Jimin, recusando o convite para tentar ficar comigo num sábado à noite, assistindo filme ruim num esconderijo feito de lençóis.
Ainda acreditando que ele estava fazendo aquilo por algum sentimento de obrigação, eu disse:
— Não tenho mais paciência pra filme de terror — E essa foi a segunda mentira da noite. A primeira foi o resfriado inexistente.
— Tá... — Foi sua primeira resposta, cheia de confusão. — Podemos fazer outra coisa.
— Eu tô doente. Não quero fazer nada.
— Não precisa fazer nada. Eu faço. Quer uma sopa? Ou cafuné? Ou os dois?
— Eu só quero ficar sozinho. — Insisti, tão frágil em minha resposta que precisei deitar com as costas viradas para ele, ainda de pé ao lado de minha cama.
Eu só ser diferente. Ser mais sociável, gostar mais de sair, me dar bem com todos os seus amigos. Assim, eu poderia continuar a ser um deles.
Mas eu não era, aquele era meu jeito, e eu sentia que estava atrasando toda a vida de Jimin, então o desejo mais próximo de se concretizar era ele: o de chorar.
Eu só não poderia deixar vê-lo uma lágrima sequer, não daquela vez.
— Você está mesmo doente? — Depois de muito tempo de silêncio, ele perguntou. — Porque você nunca foi de pegar resfriado, agora pega um diferente todo fim de semana. E quando tá doente, você fica carente. Você ama receber cafuné e nunca rejeita minha sopa, mesmo que ela seja horrorosa. Isso tá muito esquisito, Jungkook.
— As pessoas mudam, Jimin.
Silêncio. Foram segundos devastadores de silêncio, quebrados quando ouvi meu já não mais melhor amigo fungando.
Mesmo sem vê-lo, eu sabia que Jimin estava chorando. E aí, escondido, de costas para ele, eu não aguentei mais. E chorei junto.
— É. — Ele disse. Eu ouvi seus passos quando ele foi até a porta. — Pelo visto mudam mesmo.
E ele foi. Depois disso, nunca mais voltou em meu quarto ou em meu apartamento.
Hoje, meu quarto continua exatamente do mesmo jeito que estava quando nossa amizade encontrou o fim definitivo naquela noite, com exceção de uma coisa: diferente de Jimin, eu escondi o porta retrato com nossa foto no fundo do armário.
Era sofrido demais olhar para ela, mas nunca tive coragem de jogá-la, então escondi detrás de várias e várias roupas para não precisar relembrar do que perdi sempre que olhava para o móvel da cabeceira.
— Que estranho entrar aqui depois de todo esse tempo... — Ele diz, deslizando os dedos pelo adesivo de "Não entre" colado à porta.
Foi um adesivo que eu coloquei durante uma curtíssima fase de rebeldia. Nunca adiantou. Meus pais entravam o tempo todo. Sem bater, ainda por cima.
— É — Respondo, inevitavelmente sorrindo com a lembrança de Jimin sentado em minha cama enquanto eu, com a franja cobrindo um olho (eu gastava um tempo indescritível arrumando aquele penteado), colava o adesivo. — Também foi meio estranho ir na sua casa ontem.
— Especialmente por conta da minha família — Ele ri, finalmente passando para dentro do quarto. — Espero que não tenha ficado traumatizado.
Eu nego suave e sinceramente.
Diferente da família de Jimin, a minha é muito mais silenciosa. Somos apenas três: meus pais, que são um tanto mais sérios, e eu, que também não sou um show de espontaneidade. Ainda assim, eu sempre gostei do contraste entre o silêncio do meu apartamento e a agitação do seu.
Sem dizer mais nada, eu pego uma nova blusa no armário e começo a vesti-la, de costas para ele enquanto me pergunto se essa sensação de estar sendo observado é coisa da minha cabeça, ou real. E, se for real, me pergunto também se é alguma assombração, ou Jimin.
Quando viro para ele novamente, confirmo: Era real. E era Jimin. No entanto, ele tenta disfarçar ao virar o rosto numa velocidade tão violenta que até faz uma careta pela dor.
Jimin estava... me secando?
Jimin me deu um selinho, agiu como se não significasse nada demais, depois me deu um beijinho na bochecha, saiu correndo e agora estava me secando?
Eu não estou doido, não, estou?
Por considerar a possibilidade que sequer quero nomear para não torná-la ainda mais real?
Ainda mais nervoso, eu fecho a porta do armário e vou caminhando até onde ele está. Sento ao seu lado na cama, encosto na parede e puxo um dos travesseiros para o colo. E aqui está ele. Indesejado, desconfortável, insuportável: o silêncio.
— Então... — Eu começo, numa tentativa meio desesperada para dar início a uma conversa. O problema é que não sei o que dizer a seguir.
— Então... — Jimin repete.
No instante seguinte, ele escorrega o corpo pelo colchão e apoia a lateral da cabeça na parede, usando as mãos para cobrir o rosto quando ri de nosso próprio desconforto.
— Quer falar sobre o que? — Ele pergunta.
Sobre o selinho. Você estava me secando? Acho que estou tendo sentimentos pouco platônicos por você.
— Sobre o libriano secreto — Apesar da minha verdadeira vontade, é o que respondo.
— Hm... sim, o libriano secreto. — Jimin aperta a língua entre os lábios, pensativo, e usa a unha de um polegar para brincar com a do outro.
Depois de uma breve distração em seu olhar, ele aperta os ombros para questionar:
— Você gosta dele, Jungkookie?
— Eu não sei quem ele é...
— Mas você acha que vai gostar dele? Ou... já gosta de outra pessoa? Aliás... — Ele vem falando desse jeito desconfiado, com reticências no tom: — Você gosta mesmo de meninos?
— Gosto. De meninos. — Respondo, meio nervoso sobre o complemento: — Mas eu não sei se vou gostar dele... e não sei se já gosto de outra pessoa...
A expressão de Jimin não é nada como o esperado. Ele parece incomodado, arrumando até mesmo a postura quando senta com a coluna ereta e os olhos semicerrados.
— Não sabe? Então talvez você goste de alguém? — Jimin dispara, parecendo bastante ansioso pela resposta. — Quem?
Você.
Eu acho.
Mas gostaria que não.
Ainda assim, lá vem... Selinho. Agiu como se não fosse nada demais. Beijo na bochecha. Estava me secando. Agora parece estranhamente preocupado sobre a possibilidade de que eu já goste de alguém.
A cada segundo, a quantidade de atitudes tomadas por Jimin carrega um peso muito maior para o meu lado esperançoso que quer acreditar que talvez eu não esteja sentindo essas coisas inconvenientes, sozinho.
— Não vou dizer. — Maior que o peso das atitudes dele, é o meu medo de estragar nossa reaproximação com um sentimento que talvez nem seja mesmo real. Por isso, essa é minha decisão.
Jimin massageia a nuca, cada vez mais desconfortável.
— É alguém da nossa sala? Do nosso ano? — Ele insiste.
Eu respiro com um tanto de dificuldade pelo nervosismo. E, de tão nervoso, não penso bem antes de me agarrar à pequena brecha:
— Eu respondo se você responder a mesma pergunta sobre o libriano secreto. Ele é da nossa sala?
Eu juro que Jimin está prestes a passar mal. Mesmo assim, ele consegue dizer:
— É.
Nervoso, quase estremecendo, eu revelo:
— O menino de quem eu talvez goste também é da nossa sala.
Jimin continua inquieto. Esfrega as mãos pela calça e quase deixa os olhos saltarem da própria cara quando me vê ficar de pé para pegar meu celular.
— O que você vai fazer? — Pergunta, desesperado.
— São quarenta alunos na turma. — Eu digo. — É mais fácil encontrar o libriano secreto, agora. As opções são muito mais reduzidas.
— Jungkook... tem que ser básico, paciente e ponderado, lembra? Talvez seja melhor não descobrir agora...
— Por que?
Jimin volta a massagear a nuca. Coça a testa. Hesita, tenta falar, desiste. Ao fim de toda essa preparação, ainda consegue gaguejar ao dizer o óbvio:
— Porque eu acho que ele gosta de você.
— É claro que ele gosta de mim, hyung.
Mais uma vez, ele esfrega as mãos pelo rosto. Leva alguns segundos de uma ponderação silenciosa até que ele diz, derrotado:
— É... acho que estava claro mesmo.
— Então? — Sem entender sua reação, eu insisto, com o celular ainda na mão. — Por que isso deveria ser um motivo para adiar a descoberta?
— Porque... porque não está na hora, ok?
Jimin está agindo muito esquisito, e não é de hoje. Ele sempre age esquisito quando o tal libriano secreto vem à tona.
Ele tem ciúmes?
De qualquer forma, ele parece prestes a ter um negócio no coração se eu me aproximar da resposta nesse exato momento, então resolvo ceder, por enquanto, e volto para a cama já desapegando da ideia. Ainda com o celular na mão, no entanto, eu decido fazer outra coisa.
— O que você está fazendo? — Ele pergunta, desconfiado.
— Pesquisa. — É o que respondo, arrumando meu corpo sobre a cama, até deitar com a cabeça em meu travesseiro.
— Que tipo de pesquisa? — Ainda com esse medo que não entendo, Jimin engatinha pela cama até deitar ao meu lado e poder ver a tela do meu celular. É constrangedor, mas eu não escondo.
"Como é o beijo de libra?", é o que digitei na busca do navegador.
— Eu ainda não sei se vou gostar do libriano secreto, mas eu posso saber se pelo menos vou gostar do beijo dele. — Explico, tentando não morrer de vergonha.
Ao meu lado, Jimin finalmente fica em silêncio, e é difícil me concentrar na leitura da página quando continuo sentindo seu corpo aqui do lado, tão perto.
O que está acontecendo?
Nunca foi assim.
Nós deitávamos juntos o tempo todo. Nos tocávamos o tempo todo. E eu nunca senti... isso. Essa vontade de tocar ainda mais.
Eu estou enlouquecendo. É isso. Estou tão carente, há tanto tempo sem beijar, que estou descarregando toda a minha carência na última pessoa que deveria ser vítima dela.
— Está dizendo que o beijo de libra é um dos melhores — Jimin diz baixinho, lendo a frase em destaque da matéria sobre o beijo de cada signo.
— É... — Eu concordo, sem força. — Diz que é calmo e apaixonado...
— Aham...
Eu acabei de dar um tiro no meu próprio pé.
A ideia era desvendar o beijo de libra para despertar minha vontade de beijar o libriano secreto. Mas o efeito é devastador, porque a vontade que sinto é a de beijar o meu libriano favorito.
— Parece certo. Meu beijo é assim, Jungkookie...
Não. Não, não, não, não, não. Não. Não. Não. Não, não, não, não, não, não, não, não. Nããããão. Não. NÃO.
Por que ele está fazendo isso comigo?
Com o coração prestes a dilacerar minha caixa torácica para sair correndo por aí pedindo socorro, eu viro minha cabeça até poder olhar para Jimin, sem saber que seu rosto ficaria tão próximo do meu.
Fragilizado, desesperado e sem saber o que fazer com minha vida, eu pergunto:
— É?
Ele balança a cabeça uma vez só. Junto, diz bem baixinho:
— É...
Selinho. Agiu como se não fosse nada demais. Beijo na bochecha. Estava me secando. Agora parece estranhamente preocupado sobre a possibilidade de que eu já goste de alguém. Está me olhando como se quisesse me beijar.
No silêncio dos segundos que se prolongam em nossa troca de olhares, eu me pergunto... e se?
Em outra situação, eu nunca faria isso. Eu nunca colocaria nossa amizade fragilizada em jogo. Mas eu não penso. Irracionalmente, apenas ajo.
Eu estico minha cabeça. Quebro a distância mínima entre nós dois. E roubo de volta o selinho que Jimin roubou ontem.
Me afasto no instante imediatamente seguinte. Meus olhos estão certamente arregalados, talvez ainda mais que os olhos bonitos de Jimin.
Diante de minha própria ação, eu estou mais surpreso que ele.
— Jungkookie...
— Desculpa. — Eu disparo, repentinamente em pânico. Fico sentado sobre a cama, depois de pé. — Desculpa, hyung. Meu deus, desculpa mesmo, eu não sei o que eu estava pensando.
Jimin também fica sentado. O rosto está explodindo em vermelho, as mãos tremem um pouco e ele até cambaleia ao ficar de pé, ou talvez seja minha visão turva pelo desespero.
— Eu acho que... — Atordoado, ele gesticula na direção da porta. — Minha mãe chegou.
Sem que eu tenha tempo de dizer qualquer coisa, Jimin vira tão rápido para sair que até bate o joelho na madeira da ponta da cama, mas não para nem mesmo para reclamar pela dor. Ele simplesmente vai embora.
Parado no mesmo lugar, eu sinto que estraguei tudo e simultaneamente sinto que tem algo de muito estranho em tudo isso.
Quando não ouço a porta de casa ser aberta para que Jimin saia, minha sensação ganha força.
Com o coração pulsando forte como nunca antes, eu vou silenciosamente, quase como um invasor em minha própria casa, até a sala. E vejo. Jimin ali parado, com uma mão e a testa apoiadas na porta ainda fechada e os dedos tocando os próprios lábios.
Ele continua assim por vários segundos. Eu continuo observando-o em silêncio por tempo equivalente, durante o qual, sem que precise de esforço para isso, as peças do quebra cabeça vão cada uma encontrando seu lugar.
Meu coração acelera.
Todas as últimas atitudes de Jimin. Ele saber quem é o libriano secreto, que estuda em nossa sala. Dizer que o libriano secreto é bonito como ele. O primeiro bilhete assinado por meu libriano favorito.
Falta apenas uma peça para que eu tenha a imagem completa. E ela parece ser encontrada no momento em que Jimin afasta a testa da porta e vira o rosto em minha direção.
Seu olhar sustenta o meu por breves segundos. Ao fim destes, sem dizer qualquer outra coisa, ele abre a porta e vai embora.
Para trás, ele deixa o quebra cabeças montado.
E sozinho em minha sala, diante da imagem final, percebo.
Meu deus, eu sou muito burro.
O meu libriano secreto é o meu libriano favorito. O meu libriano secreto é Jimin.
☆☽☀☾☆
Demorou, mas ele percebeu! Deixemos aqui nosso FINALMENTE, SENHOR!
Serase agora vai? Serase não? Serase vai piorar a situação toda?
Um spoiler do próximo capítulo: o próximo bilhete vai ser escrito pelo virginiano, não pelo libriano
Sigo perguntando: gostaram desse capítulo? Ele é um dos meus favoritos ): espero que vocês tenham gostado também
Aliás! O beijo de libra já passou de 50k, gente???????? Socorro, to muito feliz de ver o quanto vcs tão gostando dela. Repito que pra mim também tá sendo muito gostoso!!
Agora ): eu precisei trazer essa fanart pra cá porque quase CHOREI de fofura. A @luvwithjkk (lá do twitter) desenhou o porta retrato que o Jimin descreveu no capítulo passado, olhem que coisa MAIS LINDA:
Inclusive, O beijo de libra mesmo sendo shortfic tá ganhando tanto mimo de vocês que eu nem sei como agradecer. Obrigada mesmo mesmo mesmo!!
Agora já passamos da metade da história. Até quarta ou até a #LibrianoFavorito <3
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