"O rapaz inclinou-se para mais perto de mim, suas lágrimas pingando no solo e matando toda a grama na qual encostavam. Ele parecia algum tipo de estatua grega, o corpo estático enquanto as lágrimas rolavam por sua face angelical. A melancolia que o acompanhava, servia somente para deixa-lo ainda mais belo e surreal. Eu queria guardar sua face em minha mente, como uma antiga fotografia de recordação. Queria tocá-lo, sentir a vibração de sua pele contra a minha. Como se fosse possível...
Seus dedos estavam a poucos centímetros de minha bochecha e eu via a dor e frustração em seus olhos negros cortantes. Engolindo em seco, ele soltou um suspiro pesado e cobriu o rosto com as mãos, soluçando freneticamente. Eu queria dizer-lhe para não chorar, queria faze-lo sentir que estava tudo bem, mas nada do que eu pudesse dizer iria tirar aquela expressão que havia consumido seu rosto.
Inalei seu perfume, enquanto algumas lágrimas escorriam por minha face contorcida e cansada. A grama continuou a ser devastada ao nosso redor e eu estremeci. Mais uma vez seus olhos fitaram os meus, e por um segundo, ele parecia estar sugando minha alma para fora do corpo. Naquele momento, eu soube, ele havia tomado sua decisão.
Os demônios corriam em nossa direção, sedentos por sangue e um sentimento de vingança que podia ser captado no ar, o rapaz então aproximou sua face de mim, e eu pude sentir sua bochecha se encostando na minha e ao mesmo tempo, minha alma sendo sugada do corpo. Fechei os olhos, e permiti-me desaparecer em meio à mansidão da morte, em comparação com a dor horrenda de estar à beira dela."

Sabe aquele momento horrível, quando sua mente desperta mas o corpo não? Senti a angustia me consumir ao ver-me presa naquele estado, como se minha alma tivesse se desconectado do corpo. Tentei mover o indicador, não pude fazê-lo. Era como se o comando de meu cérebro não chegasse aos outros membros do corpo.
Tentei gritar, minha boca sequer se moveu com o esforço e tudo o que eu podia ver era a escuridão, enquanto estava presa com meus olhos fechados, sem poder abri-los outra vez. Não sei quanto tempo durou, mas pareceu longo e insuportável demais e eu senti que não conseguiria mais voltar ao normal.
Em algum momento, que não saberia dizer qual, meu corpo finalmente obedeceu aos comandos desesperados, e a primeira coisa que ouvi foi a minha própria voz, elevada em forma de grito, em horror e medo. Perguntei-me se morrer seria daquela forma, não me pareceu muito bom.
Ele entrou no quarto às pressas, cabelos bagunçados, a camisa preta amassada e os olhos arregalados em desespero. Só percebi que gritava uma palavra repetidamente, quando o rapaz aproximou-se de mim, tentando me acalmar e dizendo que tudo estava bem.
"Azrael", era o que escapava de meus lábios, sem que eu soubesse o sentido daquilo.
─ Shhh ─ o anjo sentou-se ao meu lado e abraçou-me contra seu corpo, tomando o cuidado de não encostar sua pele na minha ─ Eu estou aqui ─ embalou-me e disse-me palavras calmantes em tom de voz suave como as pétalas de uma flor ─ Estou aqui...
Acalmei-me e foquei meus olhos em seu rosto.
─ Onde você ouviu esse nome? ─ perguntou-me, intrigado.
─ O quê? ─ franzi o cenho.
─ Azrael ─ ele emitiu a palavra lentamente, como se cada letra pesasse no ar.
─ Eu não sei ─ balancei a cabeça ─ Não sei o que significa...
─ Que ironia ─ ponderou ─ Eu dei o meu máximo para te manter longe dessa sujeira toda, mas, mesmo assim, você acabou por descobrir sozinha.
Estreitei os olhos, desconfiada de sua reação e de repente, curiosa demais para esperar que ele falasse a seu próprio tempo. Afinal, qual seria tamanha gravidade do que ele tinha a me dizer, que estava escondendo até aquele momento? Que tipo de horror ele poderia ter feito que me causaria mais medo do que o fato de demônios estarem me caçando naquele exato segundo, enquanto eu dormia e comia cereais no café?
─ O que isso significa?
Ele sorriu, era um sorriso amargo e sem traço algum de diversão, aproximou os lábios de minha orelha, de modo que eu quase pude senti-los contra a mesma, sua respiração contra minha pele, causando-me arrepios por todo o corpo. Nunca antes houvera sentido tamanha reação à proximidade de alguém.
─ Eu sou Azrael ─ sua voz saiu em um sussurro e eu estremeci, sentindo-o se afastar para observar minha reação.
O rapaz meneou a cabeça, esperando pacientemente que eu absorvesse a informação. Longos segundos se passaram, e a cada vez em que eu tentava processar aquilo e levantar uma teoria a respeito, minha mente simplesmente girava para retornar ao mesmo ponto de origem. Era como correr atrás do rabo, aquela informação não fazia sentido algum para mim.
─ O que isso significa? ─ desisti, por fim, dando espaço para que ele mesmo me explicasse o contexto daquilo.
Percebi sua agitação quando ele suspirou e olhou para o chão de porcelanato, como se de repente, o mesmo fosse mais interessante do que eu. Ademais, ele voltou a me encarar, com obvio alto nível de esforço mental.
─ Através da desobediência do homem, ao comer do fruto proibido, entrou o pecado no mundo, e com esse, veio a sentença de morte, o preço que todos os homens haveriam de pagar em função do pecado original ─ iniciou o rapaz ─ Sendo assim, um novo anjo teve de surgir. A ele foi dado o dom de ceifar almas.
O anjo fez uma pausa e observou minha expressão de total concentração em cada pequena palavra que seus lábios emitiam em perceptível contragosto. Era notória sua aversão em me contar a história de sua existência, como se de repente, ele tivesse medo de que eu o rejeitasse por ser quem é. 
─ Diferentemente de todos os outros anjos antes dele, possuía asas muito maiores e tão negras quanto o céu de uma noite sem estrelas. Desde então, seu nome passou a ser lembrado com medo, pavor e cautela. Azrael, o anjo da morte.

Boa tarde, leitores lindos! Eu estou me sentindo a cada vez mais feliz com a minha história, semana passada ela teve um aumento considerável de leitores. Isso meio que foi o meu momento de ápice, fiquei muito empolgada.
Agradeço a todos vocês que estão acompanhando meu livro, votando e comentando. Estou maravilhada com tudo, obrigada 😚. Desejo-lhes uma ótima leitura.