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O ÚLTIMO GOLE DE SANGUE

Soltou o corpo mais uma vez. Agarrou pela canela, pôs-se em pé e começou a andar, arrastando aquele saco de carne retalhada barranco acima, e, por incrível que pudesse parecer, ele ainda respirava. O pequeno ainda estava vivo. Choramingando em um estado de semiconsciência, enquanto seu corpo raspava em galhos, na lama e seus vários machucados sangravam vigorosamente.

Os cabelos castanhos estavam imundos pelo barro com o qual estava tendo contato forçado. Nesse momento, a única coisa que passava na cabeça do garoto, eram os seus pais. A mãe estava em casa, provavelmente se gabando sobre como o filho era um bom garoto, dedicado, companheiro e carinhoso. Tirando essas noites de folga enquanto o marido e o filho caçavam com o pobre parente de vida vazia. Tomando várias taças de vinho, fumando escondida e lendo seus livros. Todos sabiam que ela faz isso, e mesmo assim, a mulher fazia questão de esconder esses hábitos. Sempre foi extremamente protetora e amável. Já o pai, sempre foi mais despojado e animado, sempre o convidou para atividades divertidas e que a mãe, nem sempre aprovava por achar tudo perigoso, e sempre que possível, o levava e garantia sua segurança. Seus pais eram ótimos, ele os amava tanto.

Essas poucas memórias foram rapidamente interrompidas pela cruel lembrança de ver o pai sendo sufocado por aquele enorme animal. Todos os pensamentos que até agora tinham sido ignorados, vieram como um furacão na mente do garoto.

O pai, cruelmente assassinado e devorado por aquela besta. Seu tio também, dilacerado perante os seus olhos. Aquela tristeza imensurável se apossou dele e o fez começar a choramingar. Infelizmente nem lágrimas ele possuía mais, todas tinham sido usadas pelos choros de pavor e raiva, mas, mesmo assim, ele chorou, desejando que algo acontecesse logo para livrá-lo de toda aquela dor e sofrimento. Seus últimos momentos seriam passados com a imagem dos pais e do tio em alguma foto qualquer, de algum almoço qualquer, de algum domingo qualquer, mas, pelo menos, seria uma boa imagem. Era o que ele desejava.

O lobisomem então parou em uma espécie de clareira, depois de arrastar por um longo caminho sua pequena presa, como se fosse um troféu. O menino acordou, e se deparou com o pior. A mesma clareira onde esteva com seu pai e com seu tio. Tinha sido arrastado até lá de novo. Os corpos dos dois estavam ali, jogados no chão em posições anormais. Seu tio, parcialmente devorado, e seu pai, ali, a cabeça amassada e o rosto dilacerado em algumas partes. Jogado de lado no chão, virado para ele. Se aquele cadáver ainda tivesse os olhos, seria como se olhasse com desespero para o filho quase morto. Mas a vida já tinha sido arrancada daquele corpo.

O garoto encontrou um último resquício de forças e tentou se arrastar para perto do cadáver do pai, chorando. Tal atitude foi repreendida com um pisão nas costas, que fez com que ele tossisse sangue e soltasse um grito fraco.

O lobisomem pisou em cima dele e passou. Andou até o cadáver do pai, e olhou para a criança. Manteve um contato visual profundo e sádico com o menino, e aos poucos, foi se abaixando e chegando com a boca aberta mais perto da carne do homem. Ao perceber o que estava prestes a acontecer, o garoto gritou. Gritou o mais alto que pode. Isso excitou o predador que respondeu o desespero do menino com um uivo alto e longo. Aquele uivo pareceu fazer com que o chão tremesse, e intimidou até a chuva, que como por mágica, diminuiu drasticamente no mesmo instante.

Uma mordida rápida atrás da outra enquanto o garoto berrava com o máximo que restava de força em seus pulmões. Seu pai estava sendo estraçalhado na sua frente. Pequenas paradas para uivar e levantar as garras para cima, só para jogá-las novamente no corpo, e fazer com que o sangue se espalhasse pelo chão. Assim se foram quase quinze minutos, até não sobrar praticamente nada do pai do garoto, salvo alguns retalhos da roupa e da jaqueta que ele vestia. O resto se fora. Não havia sobrado carne ou ossos. Aquela besta inumana e infernal tinha comido absolutamente tudo. Qualquer traço palpável do homem que aqueles restos de trapos e sangue tinha sido um dia, estava agora no sistema digestivo do animal.

Os lábios foram lambidos, e os enormes caninos sorriram para o garoto, que pressionava o rosto contra o chão em meio a lama e um pouco de vômito. O animal andou sobre as patas traseiras, e pegou o garoto pelos cabelos. As garras rasparam no couro cabeludo dele, que gritou, tentou resistir e segurar a mão do animal inutilmente.

Foi içado do chão e carregado pelos cabelos até onde o pai estava posteriormente, e arremessado ao chão duro. O lobisomem se abaixou e pressionou a cabeça do menino contra o chão e uivou em seu ouvido. Virou a cabeça para o corpo do tio e largou a última presa. Encaminhou-se para a metade do cadáver frio que ainda não tinha devorado, e começou a comê-lo vigorosamente. O som dos ossos sendo triturados, e da carne ensanguentada sendo arrancada e espremida pelos dentes do animal, era nojento e extremamente alto, dada à violência daquele ato cruel. Respingos e jorros de sangue eram jogados na nuca e nos braços do menino que se deteve a somente ficar com o rosto no chão tentando desesperadamente pensar em outra coisa, mas as imagens da noite ficavam piscando em flashes na sua cabeça.

Tudo estava demorando demais. O banquete estava extremamente satisfatório, mas duas presas mortas e já frias tinham deixado o animal com raiva. Ele parou de comer o segundo homem e olhou para o menino. Aquele era o último humano vivo e quente. Já era hora de acabar com isso, porque agora ele estava entediado com aquilo tudo. Desistiu de devorar o corpo gelado, e puxou o garoto para cima dos restos da caixa torácica do homem.

Ao entrar em contato com o sangue frio, aqueles pedaços de carne e com um osso que espetou suas feridas, o menino gritou vigorosamente mais uma vez e tentou se debater. Mesmo amputado e machucado, tentou lutar com suas últimas forças, em resposta, recebeu um tapa, que abriu três buracos em seu rosto.

Era isso que faltava nessa noite. A excitação de uma presa viva, gritando e tentando fugir de suas garras. O lobisomem desceu a cabeça velozmente sobre o corpo do menino e mordeu seu ombro arrancando um naco de carne e muito sangue. Mastigou brevemente enquanto ouvia os gritos de desespero e sentia o pequeno corpo se contorcendo sob ele. Um relâmpago cortou o céu, e o vento soprou os longos pelos negros da besta. O cheiro de chuva entrou em suas narinas.

Outra mordida, desta vez, no peito da criança. Enquanto mastigava o pedaço de carne, resolveu retalhar um pouco para facilitar a coisa. Golpes de garras foram desferidos sobre o corpo ainda vivo. Um deles, acertou a garganta do menino, e fez com que um jato fino de sangue quente e grosso atingir o rosto do animal. Uma sensação maravilhosa! Rapidamente, desceu a boca para aquela fonte de sangue, encaixou as presas no pescoço e sentiu os jatos de sangue inundarem sua boca. Revirou os olhos de prazer e continuou bebendo o precioso líquido. A vida daquele pequeno ser se esvaiu rapidamente após o corte, e passou pela garganta do demônio que aproveitava o momento, e, estava literalmente, saciando sua sede de sangue.

Novos pingos de chuvagelada atingiram o corpo do Lobisomem, que agora tinha voltado sua atenção àcarne, e começara a devorar lentamente o menino. Queria aproveitar todos osmomentos possíveis daquela situação e apreciar o sabor metálico do sangue e ogosto suave da carne infantil.

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