MUDANÇAS BRUSCAS
Aquilo não parecia possível. Nolan tinha sentido o frio e reconfortante abraço da morte pouco tempo atrás, e agora, estava com as roupas rasgadas, tonto, caído no chão e com uma dor terrível nas pernas, sentindo frio e pavor.
Estava de bruços. Sentiu o corpo todo tremendo. Virou-se para cima e resolveu olhar para os membros. Quando o cérebro processou o que os olhos tinham captado – esse meio tempo pareceu uma eternidade para o cérebro confuso e incrédulo dele – outro grito saiu de sua garganta. Dessa vez não era só a dor a causadora desse som alto e desesperado. Suas duas pernas estavam quebradas. Uma delas com uma fratura exposta. O osso da canela direita tinha se repartido ao meio e atravessado a pele, parecia uma lança apontando para o céu. A perna esquerda estava muito semelhante, mas nela o osso tinha se partido em mais lugares e atravessado vários pontos.
Sangue, pontas de ossos, carne dependurada ou espalhada em pontos próximos do chão. As lágrimas quentes rolavam copiosamente pelo seu rosto vermelho pelo frio.
Lembranças cruéis vieram a sua mente, acompanhadas de rosnados furiosos e uivos que pareciam surgir de todos os lados.
- VOCÊ TENTOU ME MATAR, SEU DESGRAÇADO! – Foi a frase mais carregada de raiva que já tinha ouvido e ele sabia exatamente quem tinha lançado isso em sua direção.
- COMO VOCÊ ESPERAVA QUE EU CONVIVESSE COM TODA ESSA DROGA QUE ACONTECEU NESSE TEMPO TODO E ONTEM!? – Nolan gritou sozinho.
As penas continuavam do mesmo jeito. Clamou pela regeneração que já tinha se feito presente em outros momentos. Ela não veio!
- Você realmente pensou que eu iria deixar suas pernas se curarem?! Seu idiota!
- Meu deus, isso dói demais, não me deixa ficar assim, pelo amor de deus! – Gritou enquanto tentava se arrastar para longe daquela poça de sangue que tinha se formado ao seu redor.
- Você merece muito mais do que isso. Não era só a minha vida, era a sua também, É NOSSA! E você sabia muito bem disso!
- Mas como eu sobrevivi? É impossível!
- Cala a sua boca. Você não merece a dádiva que lhe foi dada. Nenhuma delas! Nem a vida e nem a vida de Lobisomem!
O ódio desferido pelo Lobisomem era quase palpável. Nolan estava quase desmaiando, mas cada palavra vinda da Besta o despertava por puro medo.
- Vocês seres humanos são fracos demais! Você matou, supera! Agora isso é da sua natureza. Sendo pessoas boas ou más, crianças ou adultos, tudo é a mesma coisa! Isso acontece no mundo animal e fica assim! A falsa ética da sua sociedade é hipócrita, vocês são piores que os outros animais
- Meu deus, você está totalmente louco! –Nolan falou enquanto os lábios tremiam e as lagrimas continuavam escorrendo.
- Vocês são os únicos animais capazes de atentar contra a própria vida! Os únicos animais fracos o suficiente para morrer por vontade própria. Esses milhares de anos de suposta evolução só serviram para fazê-los perder o instinto mais importante que qualquer ser vivo possui que é sobreviver, prezar pela própria vida!
As palavras eram fortes e decididas. Nolan conseguia sentir todo o ódio sendo jogado em sua direção pela sua consciência e pela do Lobisomem.
Antes mesmo que Nolan pudesse responder ou tentar se defender do que estava ouvindo, sentiu o braço direito engrossar e ficar musculoso e peludo com as enormes garras postas para a fora. Um único membro do corpo estava se transformando. A enorme mão do animal foi jogada para o lado e dilacerou o braço que ainda era humano. Dois golpes rápidos demais para serem processados de uma única vez. Pele, músculos, carne e ossos... Tudo foi rasgado com esses golpes certeiros. O tronco de Nolan que estava erguido caiu pesadamente no chão. A dor era tão grande que sentia um calor indescritível na cabeça, parecia que ela estava dentro de um forno.
O Lobisomem não estava se mutilando a si mesmo, ele parecia não sentir as mesmas dores que Nolan sentia. Ele estava castigando o humano.
E esse castigo não consistia somente em se machucar com as próprias garras. Estava incluso no pacote, a retenção da regeneração espontânea. As pernas continuavam arqueadas naquele ângulo estranho, com os ossos afiados como lâminas cortando a pele a cada movimento causado pelos espasmos de dor.
O animal com toda certeza sabia como aguentar as dores. Suas com toda a certeza doíam, afinal, as pernas do humano seriam suas se estivesse transformado, mas isso não vinha ao caso, nesse momento, o importante era exteriorizar sua raiva da forma mais rápida que pudesse e castigar aquela casca covarde que atentou contra sua vida.
O rosto respirando pesadamente contra o chão. O Lobisomem uivava e gritava incessantemente dentro da sua cabeça. Fazendo-se notar o tempo todo ali. Já não falava mais nada, mas fazia questão de manter Nolan acordado sentido toda a dor que os ossos quebrados e a carne cortada poderiam causar.
Tudo foi se escurecendo, aos poucos o sangramento levou todas as forças dele e foi o enfraquecendo, deixando a visão mais e mais turva, a respiração mais lenta e difícil, o corpo mole e gelado. Nolan desmaiou. Todo o peso do corpo pareceu sumir. O silencio se instalou ao seu redor e em sua mente. A chuva mais forte do que antes começou a atravessar a copa das árvores com mais facilidade e começou a lavar o chão e o corpo do rapaz.
Tudo estava quieto demais. Nolan foi acordando lentamente, sentindo a cabeça latejar e o corpo tremer de frio. Só tinha força para mexer os olhos e procurar o que estava ao seu redor.
Ainda estava deitado. Naquele mesmo lugar. O cheiro de lama misturado com o sangue ao seu redor era sutil, mas repugnante. As árvores ao seu redor moviam-se lentamente ao sabor do vento frio que soprava. Já era noite. Aquele lado da floresta parecia ser mais escuro que qualquer outro lugar que ele já tivesse visto. A luz da lua mal passava pelas árvores, só seria possível enxergar as silhuetas monstruosas dos troncos ao seu redor. Algumas piscadas até a visão se ajustar a quantidade quase inexistente de luz e conseguir localizar-se melhor no espaço e passar certa segurança para Nolan.
Sentiu uma fisgada na perna direita, lembrou-se de que da última vez que a tinha visto, ela estava dilacerada, mas percebeu que não doía tanto quanto antes. Olhou para os membros e viu que já não estavam totalmente arrebentadas mais. Ainda doíam e estavam muito roxas e ambas também estavam levemente inchadas.
Tocou-as e sentiu a dor subindo pelo corpo. Ficou tonto mais uma vez. Olhou para o braço que tinha sido ferido antes de desmaiar e o mesmo estava curado. Em melhores condições que antes e melhor do que as próprias pernas.
- Não que você fosse merecedor de se curar. Se eu pudesse, teria te matado na hora seu idiota – A voz grossa e profunda do Lobisomem lançou essas palavras na mente de Nolan – Mas infelizmente eu tenho que dividir tudo com você.
- Então por que diabos você me salvou?! Deveria ter me deixado morrer mais cedo! – Nolan falou com a voz baixa e claramente triste enquanto começava a chorar – Eu não consigo conviver com isso tudo... É demais pra mim.
- É melhor você parar de choramingar! – Um grito alto e bruto vindo do Lobisomem – Isso mal começou! Eu te dei uma chance. Uma escolha. Você claramente fez a escolha errada!
Nolan sentiu um arrepio descendo por todo o seu corpo.
- Tá sentindo isso? Isso é o chamado da minha natureza. Da nossa natureza! – A voz dele soava quase como a de um vilão excêntrico misturada com a de um demônio daqueles que a gente vê em filmes de terror. – Você despertou o meu pior lado, garotinho! Agora é a minha vez de assumir o controle sobre isso tudo!
- Não tem como você assumir controle nenhum, por favor, do que você tá falando?
O corpo de Nolan levantou-se bruscamente. As pernas ainda doloridas tremendo sob o peso do corpo. Totalmente tenso e sentindo-se como um fantoche.
- Você tentou se matar, destruir a dádiva que é ser um Lobisomem. Nós somos um só. Eu não sou um espírito ancestral que por acaso se instalou no seu corpo, não pense dessa forma.
Um calafrio passou por todo o corpo de Nolan e o fez tremer copiosamente, caiu de quatro no chão.
- É agora garoto. – A voz do Lobisomem surgiu mais uma vez – A partir desse momento, dessa rejeição e desse ato criminoso que você tentou cometer, que você perdeu o controle sobre si próprio.
As palavras vinham juntamente com dores e estalos em todo o corpo. A metamorfose estava acontecendo mais uma vez.
- Sinta o corpo mudar e abrace esse momento. O controle não está mais em suas mãos. Talvez nunca mais vá estar. A minha vingança será sangrenta. Não é bem assim você tentar se livrar de mim e sair impune. No momento em que eu me libertei e matei, eu ganhei o meu poder sobre esse corpo. E agora irei usá-lo.
A pele começou a queimar. Os dentes caindo aos poucos enquanto Nolan gritava de dor. As pernas passaram de roxas para pretas e começaram a brotar os tufos de pelos enquanto se alongavam e ganhavam força. Os dedos crescendo e ganhando as garras fortes e mortais. Toda a metamorfose parecia estar acontecendo mais devagar.
Para o humano era cruel. Para a Besta, excitante. Os instintos se sobrepondo a cognição. O animal acima do ser humano. A sede de sangue vencendo as amarras da sociedade impostas a Nolan e clamando por ser saciada.
Um caminho de morte, sangue e sofrimento estava prestes a ser trilhado. O Lobisomem não deixaria barata a traição e a mágoa que agora sentia.
Nolan sentiu o momento em que as garras do Lobisomem agarravam suas pernas e o jogava em um buraco negro dentro de sua mente. Nesse momento o animal escalava para fora do buraco do subconsciente e emergia para o controle.
Os enormes olhos vermelhos se abriram com um brilho doentio. A respiração pesada como de um touro quebrou o silencio que tinha se instalado no final da transformação.
As enormes patas se puseram a trabalhar e correram para fora daquele buraco onde ele quase tinha sido enterrado.
Correu para campo aberto. A chuva tinha cessado. O vento frio soprava com força seus pelos. Parou no meio de um campo com grama alta. Ficou em pé e foi banhado pela luz da lua.
O corpo forte pulsava vida e clamava por morte e sangue.
Ergueu a cabeça, vislumbrou a fraca lua cheia que ele tanto esperava para ganhar sua liberdade e que agora seria somente um símbolo para ele já que tinha alcançado sua autonomia por meio da matança e o do sangue e uivou. A Besta iria matar toda e qualquer coisa em seu caminho.
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