GUERRA DA CARNE
Nolan acorda. O corpo seminu está rígido e febril mesmo em contato com os pingos de chuva e a lama gelada. Tremores assombram seus músculos.
Ele finalmente consegue parar todas essas reações físicas e se senta no chão gritando.
A exteriorização do pânico foi expressa por gritos longos e dolorosos que ecoavam em sua cabeça e entre as árvores ao seu redor. Sentia-se desolado. Aquelas imagens que atacaram a sua mente eram reais.
Eram tão reais quanto aquela sensação de ser um monstro e sentir o Lobisomem arranhando sua alma.
Repentinamente sentiu um gosto de ferro meio adocicado na língua. Um gosto forte e enjoativo. Era o gosto de sangue. Suas papilas gustativas estavam o enlouquecendo com aquele sabor repugnante na boca. Começou a cuspir, mesmo sem ter nada na boca. Estava enlouquecendo, com toda certeza.
O sabor foi ficando mais forte, parecia que ele estava bebendo sangue. Depois, um gosto mais forte e quente seguido de um peso passando pela garganta. O Lobisomem estava transmitindo a sensação de comer carne crua diretamente para o corpo de Nolan.
Um zumbido alto e continuo se fez presente no seu ouvido por alguns segundos. Quando parou, um rosnado alto e grosso surgiu do lado direito, e o fez virar-se rapidamente, assustado, e ainda sentindo o gosto do sangue na língua.
O rosnado surgiu do outro lado. Depois vindo da frente, e por último, atrás dele. Parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo.
Foi então que ele ouviu uma voz grossa, pesada e quase grotesca sussurrando muito baixo dentro da sua cabeça, dizendo com um tom carregado de prazer e desdém:
- O primeiro pedaço de carne do garotinho foi o mais macio e suculento de toda a noite. Sem falar no sabor do sangue quente que veio junto...
Ele gritou. Levantou sem jeito, desengonçado e começou a correr na direção oposta. Correu poucos metros e tropeçou. Caiu batendo o rosto no chão, afundando-o na lama. Pôs-se de joelho, olhou para as mãos sujas e com tiras de sangue. Lembrou-se das imagens que foi obrigado a assistir da noite anterior e começou a chorar. Lagrimas rolando pelo rosto sujo e triste. Arrastou-se até debaixo de uma árvore, fora da pequena trilha e ali chorou até começar a soluçar.
- Vocês humanos são patéticos mesmo! É impossível dividir um corpo com vocês sem ter que passar por essas merdas.
Aquela voz animalesca estava falando com ele de novo. Era o Lobisomem. As palavras eram grossas, deferidas com ódio e desprezo.
Nesse momento. Nolan lembrou-se daqueles sabores crus e vomitou. Rajadas de um líquido espesso, de tons vermelhos e marrons, com pelotas pretas. O vômito saindo pela boca e pelo nariz, com um cheiro pútrido de morte faziam com que Nolan tivesse mais vontade ainda de expelir aquelas coisas.
Quando finalmente conseguiu parar e respirar, entre lágrimas, nariz entupido com aquele cheiro e resquícios do liquido podre, ele vislumbrou aquela poça grossa e consistente. Aquele aglomerado de coisas, tinha se tornado mais grosso ainda, quase como uma massa. Outra rajada de vômito veio.
Dessa vez, Nolan quase sufocou com pedaços maiores que se espremiam garganta acima para sair. Os olhos lacrimejavam copiosamente enquanto os pulmões tentavam respirar entre os nacos que saiam pela boca e caíam um atrás outro no chão.
No meio do processo ele ouviu rosnados e uivos carregados de ódio dentro de sua cabeça. Parecia que vomitar estava enlouquecendo a Besta.
E, de fato estava. Aquele desperdício era demais para ser tolerado.
O corpo fraco de Nolan começou a se retorcer violentamente. As duas pernas se quebraram e giraram com força para trás. O mesmo com os braços, que eram o único apoio dele enquanto vomitava. A fratura repentina fez com que ele caísse de cara naquela poça profunda e podre que estava no chão.
O medo de se afogar fez com que a consciência humana lutasse com a consciência animal.
Por alguns segundos, aquele corpo com pernas e braços longos, retorcidos e quebrados, ficou parado com o rosto afundado no chão, sem nenhum movimento.
Até recomeçar a se debater. Ergueu-se vigorosamente com um som gutural misturando rosnados e urros, com gritos humanos. O rosto estava totalmente coberto com aquele líquido podre, pingando grosseiramente.
Os olhos brilharam. As relhas se alongaram. O som dos ossos quebrando e se realinhado começou a fazer uma sinfonia alta e dolorosa.
Os pelos rasgando as faixas de pele humana. O focinho explodindo para frente. A transformação em fera aconteceu extremamente rápida, e um uivo grosso e carregado de ódio quebrou o silêncio da mata. O enorme Lobisomem estava de quatro com os pelos sujos e molhados daquele sangue com restos mortais que o humano tinha acabado de vomitar.
A fome estava instalada em seu estômago novamente. O humano fraco e inútil desperdiçou todo aquele material nutritivo, vomitando por ser muito fraco à ideia de ter comido carne e bebido sangue.
A Besta desferiu um soco na árvore que estava ao seu lado. Rosnou, emitiu uma espécie de rugido de ódio e afundou o focinho naquela poça podre que continha restos das três vítimas da noite anterior. Com bocadas furiosas, pegava os pedaços de carne já escura que foram vomitados. Goles grandes da pasta líquida de sangue, suco gástrico do humano, tiras finas de carne e ossos já esfarelados que já estavam misturados aquele hidromel natural de carnívoro. Tudo aquilo estava sendo bebido ou devorado novamente. Nenhuma daquelas coisas poderia ser desperdiçada por causa do inútil com o qual o Lobisomem precisava dividir espaço.
Um segundo foi tempo suficiente para Nolan recobrar a consciência e retomar o corpo do animal. Seus olhos piscaram rapidamente e o gosto pútrido tomou conta de sua boca. Ele estava ali, bebendo aquela mistura de coisas malditas, daquelas pessoas que ele tinha matado e comido na noite anterior.
A ideia era pesada demais para ser digerida, e o fez ficar parado ali, de quatro. Uma consciência humana controlando o corpo de uma Besta mortífera, cruel, feita para matar e destruir. Longos fios de baba misturada ao sangue grosseiro ligavam a boca do animal à poça morna que ainda restava ali embaixo. Quase tudo tinha sido devorado e bebido novamente pelo animal.
A briga recomeçou quando ele involuntariamente afundou o focinho no sangue e tragou um gole grande, bebendo sangue, aquela gosma e terra. O vômito veio com tudo e o enorme corpo bestial se pôs a vomitar tudo de novo. O corpo queria, mas o cérebro humano repudiava tudo aquilo: o sangue humano, a carne, o vômito, o gosto e o cheiro de carniça.
O corpo bestial controlou a garganta e parou de vomitar. Girou o corpo, socou outra árvore e voltou a beber a mistura podre que tinha sido vomitada com uma ferocidade monstruosa.
O processo de vomitar o que o humano repudiava, contra o processo de devorar o que era alimento para a Besta, se tornou repetitivo. Nolan e o Lobisomem ficaram ali, brigando por longos e intermináveis minutos. Lapsos de consciência humana eram sobrepostos pela consciência animal, e vice e versa. A luta pelo controle estava ficando violenta.
A guerra entre o humano e o animal estava sendo travada mais uma vez. Tantos anos juntos, e ao mesmo tempo, separados, e agora, por algum motivo, o animal clamava pelo controle. Mesmo fora da lua cheia. A guerra incansável, o momento decisivo de quem controlaria tudo dali em diante, seria vencida por quem cedesse por último ao cansaço.
E finalmente, a consciência humana foi subjugada pelo desejo animal e pela fome, e o Lobisomem expulsou Nolan completamente. Uivou alto. Lambeu os beiços negros, chacoalhou os pelos longos cobertos de sangue já meio podre. Terminou de beber, lamber ou comer o que tinha restado daquela mistura que tinha sido expelida já tantas vezes naquilo que pareceram horas de briga. Pedaços de terra molhada e pedras pequenas tinham sido ingeridas juntamente ao vomito. Não era exatamente um problema para o animal.
Ele precisava admitir que o humano realmente tinha força. Pelo menos a mente dele. Era uma pena que essa força toda era usada para repelir os instintos animais. Mas isso não importava. O animal se sobrepõe ao humano. A natureza e a força dos instintos estão ao lado da Besta e da violência. Não há contradição. A hora do Lobisomem finalmente tinha chegado.
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