XIV - O Relacionamento
Malícia e arrogância estavam estampadas nos olhos azuis. Os acontecimentos antigos desenrolaram na mente de Theodore, obrigando-o a recordar da relação conturbada, breve e marcante que tiveram.
Após a primeira noite juntos, Arthur Richmond se tornara presença frequente no castelo de Pesley. A sra. Denvers deixava ambos a sós e o Conde sempre trancava a porta quando entravam em qualquer cômodo, afinal, não queria que ela ou Ben descobrissem a verdade por trás daqueles encontros.
Nos lençóis os dois rapazes satisfaziam seus desejos mais escondidos com volúpia, tocando-se e admirando-se por horas a fio até que os compromissos falassem mais alto.
Enquanto Theodore trabalhava no escritório e comparecia a reuniões, Arthur caminhava pelos jardins, andava à cavalo ou pedia uma refeição luxuosa, algo do qual a Sra. Denvers reclamava frequentemente.
━Senhor, acha pertinente servirmos lagosta ao seu hóspede todos os dias?
O rosto de Theodore esquentava e preparava-se para defender Arthur naqueles momentos, lembrando-se que, se alguém descobrisse o que tinham, tudo seria arruinado: seu título, sua ocupação e, o mais difícil de aceitar, a memória da mãe. Precisava respirar fundo antes de responder:
━Ele é meu hóspede e deve ser bem tratado. Tenho dinheiro para servir as melhores refeições, Sra. Denvers.
E a governanta, que conhecia o Conde desde pequeno, apenas comprimia os lábios, resignada, sabendo que ele estava desesperado por uma companhia e que Arthur estava apenas se aproveitando dos luxos que recebia.
Ben tinha ciúmes do que ele pensava ser apenas uma amizade entre Arthur e Theodore. Até então o Conde era seu melhor amigo, mas agora Arthur ocupava um espaço ainda maior, já que praticamente morava no castelo e olhava todos com arrogância.
━Você só quer sair com o sr. Richmond agora, Ben retrucou um dia.
━Ben, podemos sair quando quiser.
━Acha que pode trocar de amigo porque é um Conde?
Theodore arqueou as sobrancelhas. Desde quando aquilo era um problema para a amizade que tinham? A carranca de Ben, o rosto queimado pelo sol e suas as sobrancelhas grossas e castanhas mostravam que aquilo era sim um obstáculo entre ambos. Não eram iguais e nunca seriam iguais, mas isso não queria dizer que não podiam ter uma amizade saudável, como sempre tiveram.
━Não entendo, sempre fomos amigos desde a infância...
━Quando eu era criança eu era ingênuo, agora eu enxergo as coisas.
━Enxerga o que, Ben? Perguntou num tom desafiador do qual sentiu vergonha depois.
━Que você prefere qualquer nobre ao invés de mim. Não tenho como competir.
Ele saiu do escritório com passos largos e uma expressão irritada. Theodore suspirou, sabendo que aquele ciúmes passaria. Ben era quem melhor o conhecia e o amava como um irmão, pois realmente era o irmão que nunca tivera e havia lhe ajudado nos tempos solitários da infância, principalmente após a perda da mãe.
Não conversavam sobre tudo, pois haviam limitações de classe e assuntos sobre os quais podiam dialogar, mas Ben lhe contava sobre as garotas com quem saía, sobre os bares que frequentava e frequentemente insistia para levá-lo junto. Theodore queria desesperadamente cumprir a promessa feita à mãe, mas continuava indo na direção contrária, sentindo-se culpado sempre que Ben descrevia os próprios cortejos casuais com moças solteiras do reino.
Enquanto a relação com Ben estremecia, Arthur continuava agraciando o Conde com sua presença. Theodore estava completamente apaixonado e era incapaz de enxergar qualquer defeito no rapaz experiente.
Um dia Arthur entrou no escritório após cavalgar por longas horas, suado e com o rosto vermelho. O Conde pensou que nunca havia visto um homem tão belo e o coração acelerou por vê-lo tão próximo e por saber que estavam juntos, pelo menos naquele momento.
━Conhece o barão de Oler, Theo?
A pergunta trouxe-o de volta para a realidade. Ainda estava admirando-o, observando o sorriso alegre, perdido na roupa de montaria que abraçava tão bem as pernas fortes de Arthur... Precisou buscar na memória, no que havia aprendido e memorizado acerca da nobreza, aquele nome.
━Sim, ele frequentemente negocia comigo. Qual a razão da pergunta?
Arthur aproximou-se, apoiou uma das mãos na mesa que os separava e inclinou-se para beijá-lo na bochecha. Theodore olhou para a porta, parcialmente fechada, com receio. Uma onda de calor passou por seu corpo e, onde os lábios do outro tocaram, a pele formigou. Olhá-lo diretamente nos olhos era, muitas vezes, uma tarefa que exigia muito esforço da sua parte. Frequentemente desejava desviar o olhar porque era demais, sentia demais quando o encarava.
━Gostaria de conhecê-lo.
Nas muitas noites juntos, Arthur havia lhe dito que os pais eram comerciantes e era esperado que herdasse e comandasse os negócios da família. Theodore tinha escutando-o queixar-se sobre a falta de dinheiro da família e ofereceu-se para ajudar, mas Arthur não aceitou, disse que poderia ajudá-lo fazendo conexões, para que estivesse preparado quando o momento chegasse. Por isso, Theodore não achou estranho aquele pedido para conhecer o barão de Oler.
As noites com Arthur no castelo eram mais divertidas e menos solitárias e, daquela maneira, passaram quase 1 ano na companhia um do outro. Com ele Theodore sentiu emoções novas e um desejo de viver forte e ardente. Toda vez que o olhava, fosse de canto ou diretamente, sentia uma sensação quente e gostosa no estômago que o deixava ansioso e nervoso. Não sabia como expressar aquilo que sentia por Arthur, queria mostrar o quanto apreciava sua companhia e tentava fazê-lo por meio dos livros, lendo alguns trechos para ele, falando sobre a mãe... Mas tudo era tão diferente para Arthur! Ele ouvia, mas não engajava em conversas profundas. Theodore tomou aquilo como timidez.
Todas as noites Theodore dava um jeito de ir até o quarto de Arthur e lá se abraçavam, se beijavam e se consumiam um no outro. Depois do ato acendiam a lareira, deitavam-se no tapete macio em frente a ela e ali permaneciam, um deitado com a cabeça no colo do outro, acariciando os cabelos um do outro... Mãos percorrendo pele... Tudo era tão novo e mágico para o Conde! Não sentia-se mais sozinho, sentia-se animado e cheio de vida, revigorado. Escolhera não pensar na promessa por alguns meses, para saborear aqueles momentos ao lado de Arthur sem culpa, mas sabia que hora ou outra ela apareceria.
Após arranjar um encontro de Richmond com o barão de Oler, Theodore perguntou como havia sido e Arthur deu de ombros com um sorriso, dizendo:
━Foi um bom encontro.
━Ele convidou-o para ir ao escritório dele?
━Melhor ainda, convidou-me para ir à casa dele.
Theodore ficou feliz apenas por fazê-lo feliz. Mas a partir daquele dia Arthur tornou-se mais distante. Saía de dia e voltava apenas à noite, bêbado. Ou saía à noite e voltava de dia outras vezes. O Conde já começava a sentir-se solitário novamente. Ben precisava trabalhar e quase não falava com o amigo, que ainda estava chateado, a sra. Denver cuidava da casa e... Não havia com quem conversar. Conseguia começar a ler um romance e terminá-lo antes que Arthur chegasse e, quando ele chegava, perguntava aonde tinha ido.
Desejava saber sobre o dia a dia dele, havia um misto de excitação e adrenalina em suas veias quando pensava que estavam morando sob o mesmo teto há mais de 5 meses.
━Passear pelo reino, ele respondia com uma voz irônica embargada pela bebida.
Era doloroso ser respondido daquela forma por alguém que considerava tanto. Ficava tão feliz quando estavam juntos... Mas não parecia recíproco ultimamente. Era como se Arthur saísse de casa justamente para não olhá-lo, para não precisar ficar no mesmo ambiente.
━Sozinho?
━Ora, Theo, transamos num bordel praticamente e acha que sou apenas seu?
O rosto de Theodore esquentou. O choque estampado em seu semblante fez o outro revirar os olhos. Quem era aquele homem na sua frente? O verdadeiro Arthur Richmond?
━Vocês da nobreza acham que podem possuir as pessoas. Eu não sou seu!
Ele exclamou aquilo com uma irritação genuína, apontando o dedo indicador para o peito de Theodore. A ilusão que tinha de Arthur começou a se partir ali. Ver a pessoa que amava (sim, ele havia sido sua primeira paixão), tratando-o com tanta frieza doía; doía porque havia se acostumado a ficar na companhia dele, porque não estava mais sozinho e temia que fosse voltar a ficar daquela maneira de antes: triste e cabisbaixo. Gostaria de ter ao menos uma pessoa em quem pudesse confiar, alguém que gostasse realmente de si. E pensava que Arthur fosse aquela pessoa.
Ouvindo aquelas coisas, não tinha mais certeza se Arthur era aquela pessoa que era quando tinha conquistado-o: alegre, animado e sedutor. Mas certamente a relação que tinham ia além da cama que compartilhavam, ou ao menos era isso o que o Conde pensava.
━Irei embora amanhã.
Aquilo alarmou Theodore, que arregalou os olhos e aproximou-se, tocando o outro nos ombros como se pudesse impedi-lo e implorar para que ficasse, para que não o abandonasse.
━Por favor, Arthur, fique. Não me importo que saia à noite ou de dia para passear.
Importava-se, mas para fazê-lo ficar diria que não. Se anularia para agradá-lo, se fosse necessário, tudo para evitar aquela solidão infernal de antes. Arthur riu e afastou suas mãos com um tapa, mãos que sempre o tocaram com carinho, agora o tocavam com irritação e raiva.
━Preciso ir embora. O que acha que todos vão dizer? Um plebeu morando com um conde, ele gargalhou. Já estamos há muito tempo morando juntos.
O semblante de Theodore entristecia-se a cada palavra e o coração apertava a cada expressão cruel de Arthur. Não podia obrigá-lo a ficar e nem queria, queria que as pessoas desejassem ficar porque gostavam da sua companhia, não por obrigação. Então desistiu. Recolheu as mãos ao lado do corpo, com os ombros um pouco curvados, o semblante derrotado, e disse:
━Parece importar-se muito com o que os outros dizem sobre nós dois morarmos juntos, mas não importa-se se falarão de você quando vai ao clube.
Theodore sabia aonde Arthur ia diariamente. Uma vez o seguiu e o paradeiro foi o mesmo do primeiro encontro: aquele clube, aquele lugar.
Arthur revirou os olhos.
━Importo-me porque me casarei em breve.
Pensou não ter ouvido direito. Era uma piada? Arthur não parecia estar brincando, no entanto, porque encarou-o com um sorriso de desdém e continuou:
━Obrigado por ter me apresentado ao barão de Oler. A filha dele gostou muito de mim e aproveitei para cortejá-la.
Não conseguiu pronunciar uma palavra, pois estava em choque. Ali estava a prova de que havia sido usado e, mesmo assim, ainda nutria carinho por ele. Sentia raiva, lógico, mas... Não queria que fosse embora.
Talvez o medo da solidão fosse maior que seu amor próprio.
━Irei casar-me com ela no próximo mês.
O conde recuperou a pouca dignidade que ainda sobrava em seu espírito, endireitou a postura e suspirou. Queria chorar como um garoto que havia perdido algo que gostava muito, mas não era mais aquele garoto. Não era mais aquele garoto que passava dias escondido na biblioteca lendo. Tinha crescido. Graças a Arthur tinha percebido que precisava cumprir a promessa que havia feito à mãe e ali tudo parecia claro. Viu o que aconteceu caso desviasse do caminho normal e esperado. Não podia ceder aqueles desejos obscuros, não quando eles eram capaz de machucá-lo aquela maneira.
Era um golpe, uma traição, e não havia nada que pudesse fazer.
━Pegarei minhas coisas e partirei na primeira hora da manhã.
Theodore assentiu e, sem mais nenhuma palavra, saiu do escritório. Era melhor que terminassem daquela maneira. Era o curso normal da vida e Arthur estava apenas seguindo-o, diferente de si, que era incapaz de fazer o mínimo esperado pela mãe.
Admirou a coragem de Arthur para fazer o certo, mas odiou-o por ter sido tão manipulador. Será que sequer havia significado algo para ele?
No quarto chorou pela primeira vez em anos desde a morte do pai. Chorou porque havia conseguido algo tão bonito que havia sido destruído em pouco tempo. Agora, restava-lhe voltar a sua vida solitária e esquecer daqueles dias belos e arrastados nos braços do primeiro homem que amara.
A solidão veio e Ben ajudou-o novamente, como o bom amigo que era. Ergueu-se com dificuldades, encontrou novamente nos livros um refúgio, mas Arthur nunca saiu de sua mente. Nunca deixou de amá-lo.
Quando melhorou, tomou coragem para procurá-lo. Tentou contatá-lo como um idiota, desesperado por uma palavra, uma carta ou um toque. Queria ter uma conversa franca com ele após o ocorrido, queria perguntar:
━Apenas me usou, não houve sentimento?
Finalmente perguntou o que há muito estava preso em seus pensamentos. E mostrou com o olhar, com a irritação, mágoa e lágrimas nos olhos âmbares, que aquele término repentino o magoara profundamente.
Arthur olhou para os lados. Ele usava um bigode que cobria seus lábios. Theodore não via nele o mesmo brilho que vira no primeiro encontro, porque não havia a excitação de algo novo e proibido. Ainda era doloroso olhá-lo, mas precisava encerrar aquele ciclo, precisava saber mesmo que fosse machucar.
━Theo, eu nunca disse que havia sentimento algum, você me interpretou errado.
O conde piscou e secou as lágrimas com irritação, só então percebendo que estava chorando.
━Eu dei a atenção que você precisava, não foi suficiente? Deixou-me daquela maneira repentina, nem ao menos respondeu as minhas cartas! Theodore exclamou
Arthur ficou alarmado e olhou em volta. Estavam num ponto mais afastado do salão, mas as paredes sempre tinham ouvidos, como bem sabia por conta do boato que circulava acerca do episódio no trem.
━É uma chance boa para recomeçarmos.
━Recomeçarmos o que, se não temos nada, como você mesmo disse?
Theodore deu um sorriso repleto de mágoa, satisfeito por ter dito aquilo.
━Recomeçarmos um relacionamento educado, normal e saudável, Theo.
━Pare de me chamar assim!
A voz melódica de Arthur possuía um tom manipulador que só agora percebia. Odiou ouvi-lo chamando-o pelo apelido que sempre havia sido usado de modo tão carinhoso quando estavam juntos, que era na cama na maior parte do tempo.
━Foi apenas para satisfazer seus desejos carnais que ficou comigo? Ou porque desejava tanto assim tornar-se um nobre?
━Vossa alteza, ele disse com ironia, quando eu me aproximei de você eu já sabia o que eu queria: contatos. E você me concedeu-os, por isso serei eternamente grato.
Quando ouviu aquilo que já sabia riu, sem acreditar na própria ingenuidade. Como havia sido ingênuo!
━Aproveite os seus contatos.
━Já aproveitei casando-me com a filha do barão. Um dia serei barão também.
━E fará parte da sua odiada nobreza. E terá gosto em possuir coisas e pessoas, como você sempre teve quando vivia comigo, mas acreditava ser algo dispensado apenas aos nobres.
Sem conseguir encará-lo, mas vendo que suas palavras surtiram o efeito desejado, Theodore saiu do aposento. Estava tão abalado que não confiava nas próprias expressões faciais e precisou ir até o jardim para respirar.
Precisava da verdade nua, crua e dolorosa, jogada em sua face. Doía, mas era necessário para que aprendesse.
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