UMA DECISÃO POR AMOR (PARTE 1)
PRIMEIRO, VIERAM OS APLAUSOS.
As pessoas estavam entusiasmadas não só pela Nyrill ter atendido aos seus apelos de salvação como também pela oportunidade única de ver a história da cidade sendo recriada. Fantasiavam tanto com aquele ser misterioso ao ponto de se esquecerem do aspecto mortal da lenda.
Eles eram os escolhidos.
A Nyrill estava ali, a um palmo de distância.
Ninguém fora congelado.
"Os arcéh são abençoados mesmo!", pensaram em um frenesi coletivo.
Assim, estavam ali para saudar, olhar e tocar sem o peso da culpa pelas milhares de pessoas outrora congeladas por aquela mesma criatura. Estavam cegos de felicidade e afoitos pela ganância, afinal, poderiam pedir tudo o que seus corações mandassem sem precisar esperar dez anos.
Os fogos riscaram o ceu, as crianças correram agitadas e lenços tremularam nas mãos do arcéh.
Muitos já falavam em vida eterna e tesouros aos montes.
Estavam salvos.
***
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se uma multidão com os olhos voltados para um ser de braços abertos em frente a eles. Esse ser emite uma luz que parece atrair as pessoas, muitos com olhos arregalados e expressões de emoção no rosto.
GYEN OLHOU PARA CIMA. Mesmo com a visão embaçada, reconheceu o homem à sua frente.
— Eu me lembro de você... Sim, filho dos Homens, você é o menino na barriga. Eu me lembro de você me olhando, tranquilo e quieto... Foi a primeira vez que alguém me olhou sem medo...
Phil recuou sem conseguir desviar os olhos. Ele também havia se lembrado. Aquele era o olhar que enchia seus sonhos, não havia dúvidas. Neles não via o vazio daquela máscara ou o medo que sentira quando o mascarado surgiu para ele e Sâmia durante o Senbo. O ódio pelo deus se esvaiu.
— Q-Quem é aquele lá embaixo?
— Ladel... Meu irmão...
— O Verão.
Gyen confirmou e fez um esforço para erguer a mão, sem conseguir. Phil se agachou para ajudá-lo e segurou o braço do Inverno, mas foi obrigado a soltá-lo. Como acontecia ao se aproximar da filha, uma onda de choque correu pelo corpo do Voggi.
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se Phil Voggi amparando o deus invernal, ensanguentado e destruído.
***
— O sangue cheira... - disse Gyen com a voz falha. — Reconhece um igual... A sua vida... Dependia da vida da sua mãe... Eu... Eu quis que você sobrevivesse... Eu senti. Sim. Não sei o porquê, mas não consegui levá-lo comigo... Talvez, o olhar daquela mulher abraçada à própria barriga... Não, eu não podia. Eu não podia... Por isso te dei um sopro da minha própria existência; um sopro da minha própria vida... A menina também... - Gyen segurou a roupa de Phil. Respirava com dificuldade. — Ouça: Ladel quer a menina... Matar...
— Eu v-vou... Você pode fazer alguma coisa ... Eu posso te carregar até a ponte...
— Não, não há mais tempo...
— Então pra que eu estou aqui?
Phil se levantou e olhou para a orla. Estranhou a ausência da algazarra de antes, mas não tinha tempo para pensar naquilo. Ao seu lado, o deus que ele tanto odiara nos últimos anos não passava de uma forma humanoide coberta por cortes.
À beira da morte.
Sim, deveria estar satisfeito. Estava vingado, não? Ele provara quem era mais forte para ser o pai de Lara. Mas se sentia ainda pior ao pensar aquelas coisas. Ele não era daquele jeito. Fora criado para amar e respeitar, não para odiar e vingar.
Lembrou-se de Sâmia, Kevin e Lara.
Lembrou-se da avó. Mais uma vez, cabia a um Voggi a tarefa de agir com sabedoria.
Olhou bem para os olhos do deus e, de repente, ele soube por que o destino o enviara para aquela torre.
De fato, soube o porquê de ter nascido naquelas circunstâncias...
— Você me disse que uma parte da sua existência vive dentro de mim, não é assim?
— Exato...
— E se eu quiser devolver?
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