#pratodosverem | Descrição da imagem: Phil Voggi chorando.

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UM VENTO GELADO FEZ SÂMIA DESPERTAR. Sem forças para abrir os olhos, tentou se virar de lado e voltar a dormir, mas desistiu ao sentir a cabeça pesada e o corpo dolorido como se tivesse despencado de um penhasco. Os lábios estavam inchados e aquele gosto de sangue misturado a terra continuava em sua boca. Como se já não fosse estranho o suficiente, ainda sentia o cheiro de algo muito semelhante a incenso. "Quem acenderia incenso no meio de uma floresta? ".

Intrigada, ela abriu os olhos.

Estava em seu quarto, o braço direito, imóvel e sem utilidade, coberto por uma crosta de ervas medicinais. Lutou para mover ao menos um dedo da mão, mas a dor foi tão grande que a fez soltar um gemido.

— Sâmia! – ela olhou para o lado e viu o rosto preocupado de Phil. Ao acostumar-se à claridade, percebeu uma cadeira com um travesseiro e um cobertor em um dos cantos do quarto. Quando o rapaz se aproximou da cama, seus olhos brilhavam. — Ah, obrigado! Obrigado! C-Como você está? Está acordada... de verdade?

— Como assim de verdade? É claro que eu estou acordada.

Phil soltou um suspiro e se deixou cair de joelhos ao lado da cama, a cabeça encostada no ombro de Sâmia.

— Eu me mataria se você nunca mais voltasse. Eu... A culpa foi minha de ter inventado a loucura de ir às velhas estufas naquele dia. Desculpa, por favor. Por favor! Eu devia ao menos ter te esperado na estrada para que você não entrasse na floresta sozinha, mas eu fui antes. Desculpa... Estava ansioso pela nossa conversa...

— Phil – Sâmia tocou em seu cabelo — está tudo bem. Quem podia imaginar que ontem iria nevar daquele jeito?

O garoto ergueu a cabeça e encarou o rosto da garota.

— Ontem? Sâmia, você está dormindo há quase duas semanas. A gente pensou que você nunca mais voltaria ao normal e logo... - Phil entrelaçou os seus dedos com os de Sâmia. — Os médicos falaram que a queda do cavalo poderia ter quebrado muitas coisas e que você estaria condenada a ficar nessa cama para sempre... Seus pais estavam com tanto medo que já estavam até preparando tudo para te levar pro continente para ser tratada em Mavahar.

A cabeça de Sâmia fervilhava com todas aquelas informações. O desespero de Phil, porém, era o mais angustiante de tudo: se havia alguém capaz de se manter sóbrio e evitar ou ao menos mascarar tanto desespero era ele. Phil Voggi tinha o aspecto de uma pessoa desolada, frágil e prestes a cair em lágrimas.

— Foram dias muitos difíceis... A sua mãe está desolada. Ela não para de falar sobre uma briga que vocês tiveram naquela noite e das coisas horríveis que ela disse para você. Sente-se culpada.

— Ah, não...

— E o seu pai... Bom, ele me parece perdido. Ainda não conseguiu entrar aqui para te ver. Longe da sra. Sotein, ele me confessou que selou o cavalo para você; sabia que nada te impediria de sair e quis ajudar. Aí, não sei como, você cai do cavalo...

— Cair? Phil, eu não caí de cima do Rosan! E você sabe disso! – a rispidez da garota o deixou com uma dúvida no rosto. — Phil, você estava lá, comigo! Por que não falou a verdade sobre o urso? Rosan não tem culpa de nada!

— Que urso, Sâmia?

— O que me atacou no meio da estrada naquela noite; o mesmo que você afugentou pra me salvar. – ela lhe lançou um olhar angustiado. – Phil, o urso. O mesmo urso da estufa. Phil, por favor... Não me olha desse jeito! Você viu o urso: todo preto, grande, os olhos amarelos...

— Sâmia... Não havia urso algum.

— Não é possível!

— Quando eu te encontrei, você e Rosan estavam caídos fora da estrada, em um barranco e debaixo de uma árvore.

— Sim: o urso empurrou Rosan pra lá e veio pra cima de mim... Parou por um instante e... Eu fui pra perto do Rosan, peguei um galho... E ele pulou sobre nós... Eu lembro disso...

Phil sorriu e passou a mão na testa de Sâmia. Não conseguiu disfarçar a preocupação. Ela ardia em febre.

— Eu vou chamar a sra. Sotein.

— Phil... - ela agarrou sua mão com força. — Você não acha que eu estou mentindo, acha? Eu não teria motivos. Você... Você estava lá de prova...

— Sâmia, eu já te disse: quando eu cheguei não tinha nada além de vocês dois. Nem pegadas de urso, nem outras árvores quebradas e nem mesmo sinais de luta. Você passou muito tempo dormindo e talvez tenha, sei lá, sonhado com isso. Pelo o que eu vi, o Rosan deve ter escorregado naquele barranco e vocês bateram na árvore.

— O Rosan é um cavalo bem firme pra ficar escorregando em barrancos, Phil. Se não fosse por ele você nem teria me encontrado. – o rapaz empalideceu e segurou a mão dela com mais força. Seus olhos se encontraram e Sâmia, pela primeira vez, viu o rapaz Voggi chorar. — Phil... O que foi agora?

Ele tentou se controlar, mas as lágrimas vieram como se estivessem guardadas há muito tempo.

— Sâmia... O Rosan...

— O que tem o Rosan, Phil...?

— ... teve de ser sacrificado...