O SEXTO SENTIDO DAS MÃES (PARTE 3)
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se uma porta fechada com tábuas pregadas de qualquer jeito.
***
A SRA. SOTEIN MUDOU DE IDEIA E VOLTOU A PROIBIR A FILHA DE SE ENCONTRAR COM PHIL VOGGI. A confusão com as mariposas, o banho no lago de carpas e os bolinhos com vermes de Scorcherdleg apenas contribuíram para retomar a paranoia de Margareth. Cada passada da escova para tirar a gosma de Cevaac dos cabelos era motivo para a mulher proferir impropérios contra a família do ex-genro.
Por ironia, ela ainda se autodefinia como sogra do rapaz...
"Como ele faz uma coisa dessas com a própria sogra?", ela chegou a soltar.
Quando Sâmia a confrontou sobre o assunto, ela se irritou de vez e mandou a filha procurar algo para fazer ao invés de perturbar sua paciência. Entretanto, ao se ver sozinha no banheiro, Margareth sorriu: há anos não via a filha com uma alegria tão autêntica no rosto e, apesar do ônus daquele passeio, valera a pena ter encarado algumas mariposas. Se fosse preciso, faria tudo de novo, quantas vezes fosse necessário, para ver Sâmia feliz.
Contudo, nas últimas horas o seu senso de superproteção estava ainda mais afoito e a troca de olhares entre Phil e Sâmia enquanto Margareth arrastava a filha para fora da casa dos Voggi só deixou seus sentidos no limiar do desespero.
Farejava algo de ruim e não era Cevaac.
NAQUELE DIA, O ANOITECER CAIU ANTES DO PRIMEIRO BADALAR DA TORRE DE ARCÉH, POR VOLTA DAS CINCO DA TARDE. Era o prenúncio de uma noite de frio, vento e escuridão, tempo bem diferente do encontrado na casa dos Sotein. O clima ali estava de derreter qualquer inverno: durante os preparativos para o jantar, Margareth tentara encurralar a filha contra a parede para procurar algo em seus bolsos. Por sorte, a garota deixara o frasco entregue por Phil no quarto, escondido em uma fenda no assoalho. A partir de então, a conversa entre as duas passou a ser regida por apenas um tema: o provável segredo entre Phil e a garota. Se não fosse a chegada de Higor, as coisas descambariam para uma discussão acirrada.
Antes do jantar e bem longe das desconfianças da mãe, Sâmia contou ao pai as "aventuras" de Margareth durante a visita daquela manhã e de como isso afetara o ego da mulher. Os dois combinaram de não tocar no assunto durante o jantar e Higor se comprometeu a (tentar) amenizar qualquer rixa. Mal começaram a comer e Margareth, sem tirar os olhos do próprio prato, a cabeça ainda enrolada em tolhas quentes, o cheiro de Cevaac recendia acima dos odores da comida,, interpelou a filha.
— Você contou ao seu pai sobre a nossa agradável visita hoje pela manhã?
— Sim, contei.
— Contou tudo?
— Sim, mamãe...
— Acho que você não entendeu a pergunta, Sâmia: você contou TUDO para o seu pai? - largou os talheres e olhou para a filha com o triunfo no canto da boca. Pelo visto, a época de complacência e tranquilidade vivida nos últimos tempos tinha ficado para trás. A velha Margareth Sotein estava de volta.
Higor franziu a testa.
— O que mais você andou aprontando, Sâmia?
— Nada, pai. Só a mamãe que botou na cabeça que eu e o Phil estamos planejando algo grande... Tipo matar alguém, pôr fogo na cidade, criar mariposas...
— Não mude de assunto, Sâmia! Não me faça de besta! - Margareth apontou o dedo para a filha. — Eu sinto algo!
— Bom, e não era pra sentir depois da senhora ter levado tanta bengalada da sra. Voggi?
O silêncio até pensou em cair sobre a mesa e piorar a situação, mas foi impedido por Higor: sem conseguir se conter, ele quase caiu da cadeira de tanto rir e a conversa se encerrou. Até Margareth afrouxou um pouco a expressão séria no rosto enquanto o marido, empolgado, fazia perguntas sobre o peso da mão de Madame Voggi e a quantidade de golpes dados pela senhora.
Sâmia conseguiu se livrar de mais perguntas.
Porém, o sexto sentido das mães é o tipo de instinto cujo o grau de falibilidade beira o zero e, no caso da sra. Sotein, a possibilidade de falha nem existia. Entrou nas brincadeiras da filha e do marido, contou sua versão dos fatos ("Madame Voggi quis me matar!"), tentou passar a imagem de convidada exemplar ("Eu insisti tanto para ela me mostrar a casa e ela fez isso comigo...!") e até aceitou ser tachada de medrosa por causa das mariposas. Mas, acima de cada gesto de tranquilidade, havia olhares de esguelha sobre Sâmia.
Quando terminaram de jantar, pediu para os dois cuidarem da louça e correu para o celeiro. Minutos depois, voltou carregada de cadeados e de correntes da largura do seu pulso. Higor arregalou os olhos.
— Quem você vai prender?
— Ninguém, Higor. Eu só acho que vamos ter nevasca forte hoje à noite. Não custa nada se prevenir de qualquer coisa. Seria bom reforçar as portas, pôr algumas tábuas nas janelas... - olhou para Sâmia e prosseguiu com um ar de vitória no semblante. — Trancar tudo por dentro e por fora.
O sr. Sotein deu uma espiada no terreno. De fato, o vento parecia mais forte e a neve já se acumulava aos montes ao longo da estrada. Sem notar o renascimento do clima de disputa entre mãe e filha, pediu à Sâmia para terminar de arrumar a cozinha e correu para buscar mais algumas tábuas e suas ferramentas de trabalho.
Parada com um prato em uma das mãos e a esponja cheia de espuma na outra, a garota encarou o ar triunfante da mãe.
Sâmia teve vontade de gritar.
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