O MILAGRE DE ARCÉH
O CHORO CORREU ESTRADA AFORA E TOMOU OS CAMPOS. Em meio à alegria na casa da família Sotein e a euforia tresloucada de Madame Voggi, um murmúrio tão forte tomou as ruas de Arcéh que nem mesmo a forte nevasca sobre a cidade impediu o comentário de se espalhar: na casa de Phil Voggi e Sâmia Sotein, nascera uma linda menina com os olhos pretos como os da mãe.
E os cabelos brancos como a neve.
Em poucas horas, o susto da população deu lugar à resposta mais evidente: a avó paterna da criança tivera um filho que sobrevivera à magia da Nyrill, portanto, algum resquício do encantamento glacial ficara adormecido no pai e agora se revelava no bebê. Era uma boa explicação e se contentaram com ela.
Ainda em um misto de medo e de felicidade, os arcéh fizeram os sinos das três torres da cidade ressoarem pelo restante do dia. Eles saudavam o milagre; a "aliança" de Arcéh com a Nyrill. Quase um selo de paz e benevolência na forma de uma criança.
Do quarto no segundo andar da casa, Sâmia ouvia o clamor da cidade e o barulho das visitas no andar de baixo. Ao saberem da notícia, muitos haviam subido a colina para ver com os próprios olhos o "milagre de Arcéh". Para muitos deles, era como se o poema sobre a Nyrill estivesse correto e, depois de tanto tempo, de tantas mortes, finalmente trouxesse a promessa de vida.
Contudo, a euforia não alcançava aquele quarto.
A própria Sâmia não tinha motivos para sorrir.
Phil acabara de olhar a menina sem dizer nenhuma palavra. Segurou-a nos braços, embalou-a por algum tempo, arrumou o cabelo da pequena e a devolveu para o berço. Caminhou para a porta, mas parou antes de abrir. Virou-se para Sâmia com ar severo e a observou por um bom tempo. Era evidente o quanto ele se controlava para não explodir naquele momento.
Esforçou-se para balbuciar um "Parabéns, Sâmia" e saiu.
MAIS TARDE, NO ALTO DA MADRUGADA, MADAME VOGGI ESCUTOU UM BARULHO E DESCEU APRESSADA PELOS SALÕES DA CASA. Durante o dia, recebera muitas pessoas para lhe parabenizar pela bisneta abençoada e, com a oportunidade à porta, aproveitou a quantidade de visitas para dar uma grande festa e comemorar o crescimento da família. Não estranharia se algum bêbado estivesse largado em alguma das adegas. Porém, ao entrar em uma sala e encontrar o neto parado com uma faca nas mãos e o quadro da Nyrill destroçado aos seus pés, não se surpreendeu nem um pouco. Já esperava por uma reação negativa de Phil.
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se o quadro da Nyrill de Arcéh destruído. Ao lado dele, há uma faca.
***
A senhora aproximou-se do neto, tirou a faca de perto dele e pegou um dos pedaços do quadro.
— Ela te escolheu, saiba disso. Não é fácil aceitar e muitas perguntas virão, mas tenha isso em mente: ela escolheu você como o pai deste milagre. Eu sei que nada do que eu diga agora vai abrandar a raiva que você está sentindo, mas... Por favor, Phil, não renegue a criança. Ela não tem culpa. Além disso, você sempre soube, não foi?! E, mesmo assim, a aceitou desde o começo; desde que Sâmia te contou toda a verdade.
— Sim. Mas... Depois ela prometeu que seguiria em frente! Prometeu que tentaria esquecer...
— Como se esquece de um deus, Phil? Me diga! Um deus que faz parte da rotina dessa cidade independente de ser verão ou inverno?
— A maldição de Arcéh, isso sim... - o rancor envenenou cada palavra do homem. — E a senhora quer saber o que mais me deixa com ódio? É pensar que quando ela soube que estava grávida e me contou, ela... Ela mentiu! Ela... Vó, ela sempre soube!
— Phil, meu rapaz, pense no medo que ela deve ter sentido...
— Medo de quê, vó? Me fala! Quem mais saiu ganhando nisso tudo foi ela! Se a menina é abençoada, Sâmia é mais ainda. - ele não aguentou e deixou o choro vir. — Agora ela está protegida pro resto da vida... Quem sou eu? Um mero mortal diante do poder de um deus...
— Meu Phil, você não sabe o que diz. Não diga coisas no calor do momento. Saiba que é uma responsabilidade muito grande. Imagine só: criar a filha de um deus. Mas, por pior que pareça em vários sentidos, ainda assim é uma benção, um presente para vocês dois...
Phil riu com deboche.
— Presente pra nós... Grande presente uma menina que praticamente não vai ter pai e vai ser apontada sempre que pisar na rua. Vai ser a nova atração da cidade, isso sim!
Madame Voggi virou o neto para ela e o chacoalhou:
— Pois é exatamente por isso que essa criança precisa de você, Phil Voggi! O senhor do gelo só virá de dez em dez anos. Você sim estará sempre aqui, todos os dias, em todos os momentos, sempre disposto para um abraço; você cuidará, dará conselhos, protegerá, a verá crescer. Você pode até não ser o pai dessa menina, Phil, mas o destino te escolheu como guardião dela. Na verdade, não só dela como do segredo sobre a identidade da Nyrill de Arcéh. Você já pensou nisso?
Ele observou um pedaço do quadro onde o rosto da mãe se destacava em meio à tinta. O povo fora idiota o suficiente ao ponto de aceitar a história sobre o "sangue Nyrill" que passou de Phil para a criança, ou será que o nascimento despertaria velhas teorias? Quanto tempo ainda demorariam para descobrir o óbvio? E o que fariam quando a verdade despencasse em seus colos? Era estranho como, mais uma vez, os Voggi eram alçados à categoria de guardiões daquele segredo divino.
Phil olhou para a faca sobre a mesa.
Sim, o fardo podia ser grande e pesado.
Mas a dívida do deus para com ele era ainda maior.
Phil está ferido... Mas ainda bem que Madame Voggi o trouxe à razão.
Vamos ver como será daqui para frente.
Obrigado pelos comentários e votos, por favor, não rasgue obras de arte (isso destrói o coração de um artista...) e compre um chapéu para se proteger do sol.
Finalmente, veremos a chegada do verão em Arcéh!!!
É hora de dançar, pular, festejar e distribuir doces e bombas de fumaça colorida.
Quase um carnaval...
Até lá!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro