O CHÁ DE AFASTA MORTE (PARTE 4)
SÂMIA ANDAVA PELA CASA NA TENTATIVA DE MANTER ALGUM CONTROLE. A sétima badalada da Torre Sul cantou as três horas da tarde e lançou as expectativas da garota em um caldeirão de desespero. Para a sua sorte, a nevasca transformara as ruas em um convite à acidentes e, assim, a possibilidade de Margareth Sotein sair de casa para investigar as artimanhas da mãe e da filha ficava bastante reduzida. Entretanto, Sâmia sabia como ninguém, quando o tempo baixasse a guarda, a sra. Sotein seria a primeira pessoa a pôr os pés na rua e o nariz a farejar confusões.
"Phil, onde você está?".
Pela décima vez se preparava para retornar ao quarto da avó na vã esperança de encontrá-la desperta quando escutou um barulho e parou no primeiro degrau.
— Phil? É você?
Não houve resposta. Sâmia sentiu os pelos dos braços se eriçarem e a temperatura despencar. Porém, aquele não era o frio trazido pelo clima de Arcéh: era um receio, um perigo; uma ameaça aos gritos de alerta dentro de si. Pensou na avó. Deveria protegê-la e à casa também. No inverno anterior, há cinco anos, várias famílias da região haviam sofrido com uma onda de invasões. A casa da sra. Delgo, com todos aqueles móveis de boa qualidade e o fato de ser habitada por uma senhora de idade, era um alvo em potencial.
A Sotein caminhou para a sala e aproveitou o tapete felpudo para abafar o som dos seus passos. Chegou ao centro do aposento e espiou o corredor de acesso à cozinha. A pouca luminosidade daquela tarde de nevasca dificultava qualquer investigação mais apurada. Contudo, Sâmia distinguiu o som característico do vento misturado ao estardalhaço causado pelo metal das panelas umas contra as outras.
Deu mais um passo para frente.
Ao fundo, ouviu algo semelhante à um rosnado.
O coração de Sâmia foi à boca. Era uma invasão. Só podia ser uma invasão. Madame Lita tinha o hábito de nunca abrir a porta da cozinha pelo fato da casa ficar próxima à uma área de mata fechada, já na beirada do bosque. Voltou a pensar em Phil. Seria uma boa hora para ele chegar, mas um ato de heroísmo diante de ladrões nunca trazia bons resultados.
Estava decidida a correr escada acima e trancar-se junto à Lita quando ela ouviu passadas no assoalho da cozinha. Era um som pesado, capaz de fazer a madeira do piso ranger. Vinha junto à um estrondo abafado, como se o invasor usasse botas de pelo encharcadas.
Sâmia recuou.
O ploft ploft das pisadas aproximou-se do portal entre a cozinha e o corredor e uma sombra se agigantou pela parede ao ponto de alcançar o teto e sugar toda a luz daquela parte da casa.
— O Q-Q-QUE VOCÊ QUER? VÁ EMBORA!
E então, o urso surgiu diante da menina.
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se um urso de pelagem marrom e bocarra escancarada.
***
Coberto de neve, o bicho tinha quase a largura do corredor e mal conseguia se mover. Porém, decido a avançar contra a garota, ignorava os obstáculos e continuava em frente, a bocarra aberta em mostra das presas e os olhos ardendo em brasas. Sâmia pensou em gritar por ajuda, mas, ao primeiro movimento, o animal tomou impulso e jogou-se contra ela.
Parte da parede ruiu e uma das vigas do teto rachou. O peso do urso fez a garota despencar no chão e bater a cabeça. Zonza, ela viu a fera se erguer sobre duas patas e ficar algum tempo parado acima dela como se a admirasse. Seus olhos estreitavam-se como se ele fizesse um esforço para compreender a situação; as narinas farejavam o ar em torno da garota.
Humana e urso trocaram olhares.
Sâmia já vira olhos semelhantes àqueles.
O urso rosnou e ergueu uma das patas. A garota balançou a cabeça em uma última súplica, as lágrimas lançadas ao chão.
Viu as garras em direção ao seu rosto e sentiu o impacto.
Preparou-se para o pior.
O urso gritou o seu nome.
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