O BASTIÃO DOS UNAGOR (PARTE 2)
A PRIMEIRA ESTUFA NÃO ERA A MAIOR E MUITO MENOS A MELHOR DAS ESTRUTURAS DE CULTIVO DE ARCÉH. Mesmo após tantos anos, continuava com a mesma forma, as mesmas técnicas e as mesmas plantações. Não raro, quem a via de fora olhava duas vezes devido a estranheza ao ver uma casa velha e comum no meio das plantações. Diferente da outras estufas e suas paredes de vidro e sistemas de irrigação para melhorar o aproveitamento das colheitas, a família Clogaard optara por manter as tradições como se o tempo não houvesse passado. Porém, mesmo destoante das outras estufas e incapaz de ter um nível de produção para competir com os produtos do continente, a Primeira Estufa era respeitada como um símbolo da cidade; uma parte viva da história de orgulho dos arcéh.
Erwank conduzia a carruagem pela estrada principal da estufa. De ambos os lados a plantação de algodão estendia-se a perder de vista, pontilhada aqui e ali pelos colhedores com seus chapéus azuis bordados com o brasão dos Clogaard. Apesar do frio, o caminho estava abafado devido às centenas de metros de tecido pendurados entre hastes para servir como um teto para a estufa. Segundo Madame Lita, o Unagor Clogaard decidira manter as práticas dos seus antepassados e, ciente da importância da Primeira Estufa para a história da ilha e da impossibilidade de receber alguma sanção, ignorava qualquer sugestão de melhoria.
"Um velho tolo.", concluiu a sra. Delgo.
Sâmia surpreendeu-se ao ter de se abanar com um leque durante o percurso. O vestido molhado nas axilas a lembrou de outro motivo para odiar roupas de seda: o tecido ficava empapado, pesado, e ela, apesar de ser bem resolvida, não ficava nem um pouco satisfeita em suas manchas de suor virarem o centro das atenções em uma reunião tão importante.
Estava a pouco mais de dez minutos nas terras dos Clogaard e já odiava a Primeira Estufa de Arcéh.
O que mais faltava acontecer?
— ÔA! – ordenou Erwank.
A carruagem deu um tranco e parou. O barulho dos tecidos ao vento mesclava-se às vozes à frente. Sâmia e Madame Lita entreolharam-se e desceram. Atravessados na estrada, três homens a cavalo impediam o prosseguimento do trio.
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se uma estrada ladeado por árvores de um lado e um extenso campo do outro. No meio, dois cavaleiros estão parados em seus cavalos. Usam capas cinzas que os cobrem do pescoço aos pés, carregam aljavas de flechas e estão com chapéus pretos.
***
Atrás deles, uma carruagem vazia esperava alguma decisão. Maxil gesticulava e apontava para as duas mulheres e depois para a casa à frente. Os homens balançaram a cabeça em negativa. Os ombros de Erwank caíram e ele, cabisbaixo, aproximou-se da avó e da neta.
— Erwank não poder passar daqui...
— Por que não? – perguntou Madame Lita com uma expressão assustada.
— Não ser bem-vindo. Dizer que o Bastião ser apenas para locais, os arcéh. Erwank não poder entrar.
— Quem deu essa ordem?
— Vó... – Sâmia apontou para a cela dos cavalos - ... a senhora ainda pergunta?
Um pássaro estava entalhado nas celas.
O símbolo da Terceira Estufa.
Lita andou de um lado para o outro, nervosa. Não entrara em detalhes, mas, dias antes, contara à neta o quanto Erwank seria essencial para o Bastião. Segundo ela, além de ser uma prova para contrapor a loucura de Paberos ao falar de uma suposta ameaça dos continentais, o sr. Maxil tinha algo capaz de mudar a percepção dos outros Unagor em relação à Drenton.
— Erwank, você tem consciência do quanto é importante você contar a sua história para os demais Unagor.
— Sim, Erwank ter.
— E você faria qualquer coisa para impedir uma decisão errada do Bastião.
— Sim, fazer. – pendeu a cabeça para um lado e franziu o cenho. — Fazer o quê, Madame Delgo?
— Erwank... Só confie em mim.
A sra. Delgo entrou com Sâmia na carruagem e ficou aos cochichos durante algum tempo. Erwank achou-se ridículo, ali, parado no meio da estrada, observado pelos guardas do Unagor Paberos. Já convivia a um bom tempo com Madame Delgo para ter noção do tom das conversas da mulher. Essa história de "confie em mim" e "você faria qualquer coisa" não lhe soava muito bem. A confirmação veio com uma gargalhada da menina Sotein antes das duas tornarem a sair da carruagem.
— Certo, Erwank, está decidido: eu vou com eles – apontou para os cavaleiros – para o Bastião e você e Sâmia vão procurar pelo Higor – antes de Erwank fazer alguma pergunta, ela emendou — e de lá irão até a minha casa. Sâmia cuidará do resto.
Lita aproximou-se e o abraçou.
— Erwank, faça por mim, certo?
Deu um abraço na neta e caminhou até os guardas.
Erwank ficou com uma cara de bobo ao ver a mulher subir na carruagem e sumir pela estrada. Olhou para Sâmia com um ponto de interrogação no rosto, mas, ao invés de respostas, ganhou mais um fardo de dúvidas: enquanto manobrava para deixar a Primeira Estufa, espiou a Sotein e viu em seu rosto um sorriso malicioso de orelha a orelha.
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