LARA SOTEIN
DESDE O OCORRIDO EM ARCÉH, LARA SOTEIN FICOU AINDA MAIS CONHECIDA. Se quando criança seus cabelos brancos chamavam a atenção, agora, após todo o espetáculo proporcionado pela falsa Nyrill, ela se tornara mais conhecida do que a própria ponte. E não era nenhum exagero afirmar isso. Após a frase dita por Ladel durante seu discurso para a multidão na orla da cidade ("como não preservar uma igual?"), a curiosidade em torno das origens da menina aumentou ao ponto de ela quase não poder mais ir à escola.
Passou muito tempo sem pôr os pés sozinha para fora de casa e só saia acompanhada de Madame Voggi ou de Margareth, ambas com disposição para brigar com qualquer um que viesse fazer perguntas sobre a menina. Não era o tipo de atenção com a qual tivesse sonhado, é claro. Mas, com o passar dos anos, Lara se acostumou. A única coisa de que reclamava era das festas de aniversário: com a quantidade de pessoas que lhe conheciam e com cada vez mais amigos, ficava cada vez mais difícil encontrar um lugar que coubesse tanta gente. A festa daquela noite, então, quase não aconteceu.
Quase...
A casa da bisavó, Madame Voggi, caíra como uma luva. Com tantas salas, passagens, sótãos e porões, era grande o suficiente para recepcionar dezenas de pessoas. Talvez centenas, com um pouco de aperto. Somado a isso, Medebew parecia mais empolgada do que a própria aniversariante, chamando tanta atenção para si que Lara conseguiu escapar sem ser notada. A menina correu para o jardim, sentou-se em um banco isolado e observou a noite de primavera estrelada. Estava feliz. Dali de onde estava, podia ver também a alegria da família e dos amigos.
Treze anos.
Era estranho pensar que a sua história começara em uma data como essa, com uma menina e sua avó em fuga pela noite proibida da cidade para desafiar uma lenda. Contudo, as lendas não mais existiam, o tempo de noites proibidas em Arcéh havia ficado no passado, ninguém mais buscava por milagres e nem ela tinha motivos para fugir. Para ser sincera, ela admitia, nunca estivera tão radiante e satisfeita com a própria vida.
Estava perdida em pensamentos sobre a própria existência quando escutou um estampido às suas costas, seguido pelo som de passos. A garota sorriu.
— Ai, que demora. Eu achei que vocês tinham esquecido de mim.
Três mendigos, dois homens e uma mulher, lhe entregaram uma caixinha de música e a abraçaram. Ao abrir o presente, os olhos de Lara brilharam: um bailarino de porcelana dançava no meio das casas de Arcéh enquanto a neve caía ao seu redor. Emocionada, a garota não conseguiu encontrar palavras para agradecer. A bisavó lhe fizera muitos quadros de Phil Voggi, mas nunca do Inverno. Chegou a encher a paciência da senhora com perguntas sobre a aparência do deus, mas nunca obtivera uma resposta satisfatória. Aquela era a primeira vez de Lara diante das verdadeiras feições de Gyen.
A mulher se curvou e passou a mão pelo rosto da garota.
"Você tem muita sorte de ter tido dois pais incríveis, pequena Lara. Nós temos muito orgulho de você ter herdado o melhor de cada um deles. Mas, francamente, esperamos que não faça besteiras como a sua mãe!" – Ela observou Sâmia passar de um lado para o outro com bandejas de doces nas mãos. Oiv Ó Midhir e Lafon Paberos gargalhavam da falta de jeito dela para lidar com tantas tarefas ao mesmo tempo.
"Ah, não, por favor! Já bastam os problemas que temos até hoje para arrumar tudo." Complementou o senhor de longas barbas brancas.
"Eu que o diga..." reclamou o mais alto dos três. Ele se esticou e sua coluna estralou como um estrondo.
A porta da cozinha se abriu e Higor chamou a neta.
— Lara, os Kroen chegaram! Venha logo!
— Estou indo, vô! - Lara olhou para os três visitantes e suspirou. — Bom, fazer o quê, né?! Vamos lá para mais uma sessão de apertos...
"Vá, meu bem. Hoje é o seu dia e todos querem te abraçar." A mulher deu um beijo na testa de garota e passou as mãos pelo seu cabelo.
"E nunca se esqueça: nós sempre estaremos por perto..." disse o mais alto.
"... até quando você menos esperar." o de longas barbas complementou com uma piscadela e afastou-se da casa na companhia dos outros dois.
Lara os observou caminhar pela rua até o momento em que desapareceram, engolidos por uma coluna de fumaça branca. Era bom vê-los de vez em quando. Não havia mais resquícios de magia nela, porém, eles também eram parte da sua história, parte da sua família.
Correu em direção à porta, mas parou no meio do jardim. O sino da Torre de Arcéh bateu doze vezes. Agora, apenas uma torre existia e somente aquele sino contava as horas, sem mais imposição de sinos diferentes para marcar manhã, tarde ou noite. Até mesmo os arcéh começaram a se cansar das próprias tradições.
A menina contou cada badalar e respirou fundo.
— Meia-noite. Parabéns para mim.
Olhou para o céu. Uma estrela brilhava quase sobre ela, como se lhe desejasse sorte. Lara acenou para o alto, sorriu e entrou para receber mais abraços sufocantes. Atrás de si, deixou apenas o perfume de seus cabelos pretos.
***
#pratodosverem | Descrição da imagem: vê-se a garota Lara com os cabelos pretos.
***
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