
Quem muito aponta...
Com pouco mais de dezessete, já saindo do seminário, Bentinho revela a dificuldade que tem de controlar as mudanças hormonais da idade: "Posto que filho do seminário e de minha mãe, sentia já, debaixo do recolhimento casto, uns assomos de petulância e de atrevimento; eram do sangue, mas eram também das moças que na rua ou da janela não me deixavam viver sossegado. Achavam-me lindo, e diziam-mo; algumas queriam mirar de mais perto a minha beleza, e a vaidade é um princípio de corrupção."
Embora diga passar anos de casados com o pensamento voltados exclusivamente para Capitu, dia antes da morte de Escobar, levanta suspeita sobre o comportamento da esposa do então amigo: "Sancha ergueu a cabeça e olhou para mim com tanto prazer que eu, graças às relações dela e Capitu, não se me daria beijá-la na testa. Entretanto, os olhos de Sancha não convidavam a expansões fraterais, pareciam quentes e intimativos, diziam outra cousa, e não tardou que se afastassem da janela, onde eu fiquei olhando para o mar, pensativo. ". Depois de passar horas refletindo sobre o assunto, é no enterro de Escobar que ele nota o próprio equívoco: "Tinha já comparado o gesto de Sancha na véspera e o desespero daquele dia; eram inconciliáveis. A viúva era realmente amantíssima. Assim se desvaneceu de todo a ilusão da minha vaidade.".
Ao remoer cada vez mais o sentimento de traição e se afastar do filho, Casmurro diz: ."..saía ao domingo para ir passear pela cidade e arrabaldes o meu mal secreto.". Sem revelar o que fazia nesses passeios, ou para quem eram endereçadas as cartas que enviou quando pretendeu se matar: "Não me lembra bem o resto do dia. Sei que escrevi algumas cartas, comprei uma substancia, que não digo, para não espertar o desejo de prová-la."
Ao unir os indícios apontados ao longo de toda a narrativa, é evidente que os pensamentos lascivos de Bentinho extrapolam o comum, podendo até mesmo arremeter a luxúria, um dos pecados capital segundo a doutrina cristã.
No último capítulo do livro, Dom Casmurro confessa se relacionar com determinada frequência com outras mulheres: "Vivi o melhor que pude, sem me faltarem amigas que me consolassem da primeira.". Sendo que nem toda eram desprovidas de posses: "Uma só dessas visitas tinha carro à porta e cocheiro de libré.". Logo no capítulo II, Casmurro revela que esses relacionamentos vem de longa data, não se podendo afirmar que nesse tempo já se encontra separado de Capitu: "Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade.". Separação esta que nunca de fato aconteceu, pois ao levar esposa e filho para viver na Europa, Casmurro dizia para a família ainda manter relação com a mesma.
Tudo bem que Casmurro traia Capitu. Se para muitos que vivem no século XXI, é justificável um homem trair a esposa se valendo da desculpa da virilidade, quem dirá em 1858 ou 1872. Por que isso justificaria ele inventar toda está história de que foi traído? É Bentinho quem responde a pergunta: "Ao certo, ninguém sabe se há de manter ou não um juramento. Cousas futuras! Portanto, a nossa constituição política, transferindo o juramento à afirmação simples, é profundamente moral. Acabou com um pecado terrível. Faltar ao compromisso é sempre infidelidade, mas a alguém que tenha mais temor a Deus que aos homens não lhe importará mentir, uma vez ou outra, desde que não mete a alma no purgatório.".
Casmurro não é religioso, porém Bentinho teve a criação profundamente ligada a ela, e não é somente os laços matrimoniais que pesam aqui, a promessa diante de altar de Deus, mas também as juras, subterfúgio explorado na infância, que por mais de uma vez o levou a fazer promessas para Capitu: "...Você jura uma coisa? Jura que só há de casar comigo? Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces vermelhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira:
— Ainda que você case com outra, cumprirei o meu juramento, não casando nunca.
— Que eu case com outra?
— Tudo pode ser, Bentinho. Você pode achar outra moça que lhe queira, apaixonar-se por ela e casar. Quem sou eu para você lembrar-se de mim nessa ocasião?
— Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isto?
— Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; juremos que nos havemos de casar um com outro, haja o que houver."
Se acaso você não se convenceu que Casmurro deixa por entre a narrativa as provas de sua traição, então talvez deva olhar para algumas das referências com que o mesmo nos agracia:
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