O Assassinato
"A multidão procura o líder, não pela sua causa, mas por sua influência; e o líder os recebe por vaidade ou necessidade."
A jovem de cabelos dourados desceu as escadas o mais rápido que pode, quase deu de caras no chão durante o percurso, todavia, o corrimão a ajudou manter-se de pé. Ela chegou na recepção gritando pelo pai. Edgar saiu de seu escritório com uma careta, não gostava de barulho.
— O que houve, Emma?
Emma era filha de Edgar, dono do Hotel Red Lake. Quando estava de férias da faculdade passava alguns dias com seu pai. A garota estava mais pálida do que o costume. Sua pele já era branca, com o suto que levara tornou-se quase translucida. As veias e pequenos vasos sanguíneos saltavam do rosto da garota.
— Desembucha, Emma! — Edgar elevou a voz.
Emma não conseguia falar. Gaguejava sempre que tentava dizer algo. Tentou mais uma vez, mas estava tão afoita e assustada com o que tinha visto que as palavras não saiam de sua boca. Suas mãos, seu corpo, seus lábios tremiam. Ela afrouxou a gola alta de seu suéter e começou a respirar lentamente, lembrando-se do que sua mãe sempre dizia para ela fazer: inspire, expire. Inspire. Expire.
Inspire.
Expire.
— Alguém matou o homem do quarto 17! — Ela gritou enquanto lágrimas desesperadas escorriam pelo seu rosto.
Edgar encarou sua filha com uma ponta de desgosto. Sabia que desde que sua esposa morrera a filha nunca mais fora a mesma. Inventava coisas uma vez ou outra e já havia sido alertado pelos professores dessa nova mania de mentir. Ele apenas imaginava como era complicado para uma adolescente perder a mãe, logo, criar um mundo paralelo talvez tenha sido a melhor opção para ela, mas brincar com a morte era algo inaceitável. Ele suspirou e tratou logo de falar de forma rude:
— Você está ficando louca?
Ela negou.
— Ele está lá, morto. Mortinho. Um saco plástico está preso na cabeça dele. É horrível, pai. Tem sangue pela cama.
— Emma. Sei que às vezes você vive em outro mundo, mas não gosto e não aprovo essas brincadeiras.
— Não é mentira, pai! Ele está morto! Entrei no quarto para arruma-lo e o vi na cadeira. É horrível. O senhor precisa vir comigo!
Emma levou as mãos ao seu rosto e começou a balança-lo tentando esquecer a cena que vira a poucos minutos. A imagem do jovem de vinte e poucos anos sentado em uma cadeira com um saco plástico envolvendo a cabeça nunca deixaria sua mente. Ela continuou com o processo de tentar inspirar e expirar, calmamente, enquanto acompanhava seu pai cético até o quarto 17.
☁
Francesca Collins ajeitou seu suéter depois de esbarrar com a jovem apressada e continuou a andar, notando que o barulho havia parado.
A grande janela do corredor era bem diferente da janela da noite passada. Parecia maior, mais ampla e colorida. Iluminava, mesmo que com um tom mais gélido, toda aquela parte do corredor. Ela encostou sua testa no vidro, tentando ver o que estava acontecendo lá fora. A neve caia continuamente e em grande quantidade. Todo o horizonte era branco, dava para ver alguns pontos verdes escuros, mas de restante: tudo branco, até mesmo o lago rubro. Sua respiração quente embaçou uma área do vidro, ela logo tratou de limpar. Moveu seus ombros tentando aliviar a tensão. Iniciou a caminhada para descobrir o que havia acontecido e virou a sua direita, deu pouco menos de dez passos e havia outro corredor, virou à direita novamente percebendo que alguns dos hóspedes que ela encontrou na noite anterior estavam parados frente a porta de um dos quartos.
Alguma coisa estava errada.
Ela apressou os passos, os hóspedes notaram a garota, eles estavam pálidos. Margot, a garota do restaurante estava sentada no chão meio encolhida, balançando sua cabeça de um lado para o outro, em negação. Uma garota de cabelos longos e sedosos estava com o rosto inchado, destacando os olhos azuis e suas inúmeras sardas. Seu vizinho de quarto, estava abraçando ela e sua expressão era de espanto. Justin andava de um lado para o outro, ao notar Frank sussurrou com gentileza:
—Você não quer ver isso.
Francesca franziu o cenho. Ela estava em frente do quarto dezessete. Quarto dezessete? Era o quarto de Cameron. Ao adentrar o quarto petrificou-se. A imagem era forte e ela realmente não queria ter visto aquilo. Um aperto em seu coração fez ela engolir a seco, sentia seu corpo tremer, suas pernas ficaram bambas e toda a força que tinha estava concentrada em manter-se de pé. Ela apoiou-se na cabeceira menor da cama e soltou um pesado e abafado suspiro.
Cameron estava sentado em uma cadeira de madeira. Suas pernas estavam juntas e amarradas assim como seus pulsos, ele estava sem camisa deixando suas tatuagens a mostra. Seu rosto envolvido por um saco plástico transparente estava quase azulado, olha-lo daquela forma fez Francesca lembrar-se da conversa fluida que tivera com ele na noite passada. Na realidade, faziam poucas horas que Cameron havia se oferecido para fazer um queijo quente para ela. Isso a fez ter por alguns breves minutos uma crise.
A vida era completamente indecifrável, em um minuto você está lá, no outro tudo acabou. Não era inacreditável? Não era inacreditável saber o quão minúsculo você era? O quão sem poder você é? Talvez se ela tivesse aceitado o queijo quente, talvez se ela tivesse dado uma chance para uma conversa mais prolongada, talvez se ela tivesse rebatido todas as investidas de Cameron ele ainda estaria vivo. Ou talvez não? Talvez de qualquer forma ele morreria. Mas daquela forma? Daquela forma cruel?
Frank deixou de lado seus pensamentos, olhou para a porta cheia de pessoas em seguida para Cameron. Morto.
— O que aconteceu aqui? — Ela perguntou com a voz extremamente falhada.
— Um assassinato! — A jovem com inúmeras sardas gritou aterrorizada. — Você está cega? Ficou uns dez minutos aí parada e não percebeu que ocorreu um assassinato? Ele está morto!
A garota de cabelos castanhos afogou seu rosto no peitoral do namorado que não conseguia nem mesmo abrir a boca. Ele apenas afagou sua namorada delicadamente e continuou a olhar fixamente para a cadeira com um corpo morto sobre ela.
— Eu não entendo. Como isso foi acontecer? — Justin entrou no quarto.
— Onde está aquela garota? — Margot entrou no quarto, ainda meio encolhida, protegendo seu corpo da cena terrível.
A garota de cabelos dourados entrou no quarto com Edgard naquele exato momento. Edgar chocou-se ao ver a situação de Cameron.
—Isso não pode estar acontecendo. Não pode.... — Ele gesticulava exageradamente.
—Alguém por favor pode me explicar o que aconteceu? O que aconteceu com ele? — Frank perguntava desesperada.
— Ele está morto! — Seu vizinho de quarto, explodiu. — Você não está vendo? Alguém matou ele. Alguém entrou neste hotel e o matou!
— Precisamos chamar a emergência! — Justin continuava caminhando de um lado para o outro com seus dedos passando pelos cabelos e deixando-os cada vez mais bagunçados.
— Na recepção temos um telefone. Vou ligar para emergência, policia... para quem atender — Edgard disse.
O homem continuava incrédulo. Ele olhou ao seu redor notando todos aqueles rostos jovens apavorados. Pousou seus olhos por um instante em Cameron e deixou o quarto depressa.
— Estamos em um hotel no meio do nada com uma nevasca e para melhor a situação tem um assassino. — A namorada do vizinho de quarto de Frank surtava.
— Georgina, se acalme!
— Não me peça para ficar calma, Lucas! Primeiro o quase acidente de carro, agora uma morte? Isto é certamente um sinal que todos iremos morrer.
— Todos nós vamos morrer? — Emma entrou em pânico. Seus olhos aumentaram de tamanho e o azul ficou mais escuro. Ela caiu no chão e começou a chorar. — Não quero morrer.
— Todos iremos morrer um dia. — Margot disse friamente — Só não será hoje.
A bela moça ajoelhou-se e começou a acariciar as costas da jovem Emma, torcendo o rosto para Georgina.
Estavam todos agitados, Margot tentava acalmar a jovem. Luke e Georgina discutiam, logo se abraçavam e depois discutiam novamente. Uma batalha eterna sobre destino existir ou não. Francesca observava cada um, cada ação tomada por aqueles hóspedes. Seria um deles o assassino? O idiota do quarto ao lado e sua namorada maluca seriam capazes de tal ato? A bela garota, Margot, seria capaz de matar alguém? E Justin? Educado e atencioso, ele faria tal coisa?
— Estamos sem linha! — Ouviu-se o berro de Edgard.
Edgard entrou no quarto evitando olhar para o corpo de Cameron. O senhor limpava o suor de sua testa com um lencinho. Sua respiração estava ofegante e pesada. Ao ouvir a noticia o restante dos hóspedes começaram a gritar coisas variadas.
Francesca lembrou-se do que fazia para viver há dois anos, do que havia aprendido em seu último estágio na polícia de Bordô. Ela era detetive. Gostava de quebra-cabeças. Aquilo era mais um. Ela aproximou-se do corpo com receio, os olhares curiosos seguiam seus passos. Frank hesitou um pouco, mas logo retirou o saco do rosto de Cameron.
— Você não pode fazer isso! — Margot interveio. — Está alterando as evidências.
— Alterando? O corpo dele vai apodrecer até uma equipe especializada chegar nesse fim de mundo, ainda mais com essa nevasca e sem telefone. Temos que descobrir quem fez isso com ele. Até lá, todos nós podemos estar correndo perigo.
"Todos nós podemos estar correndo perigo".
Aquela frase chamou a atenção de todos.
Eles estavam correndo perigo. Era um fato.
—Alguém conhecia Cameron? Alguém sabe se alguma pessoa queria fazer mal a ele?
Todos negaram.
— Acho que entraram aqui durante a madrugada. A janela do corredor norte estava aberta quando acordei. — Justin Hudson disse com receio.
— O primeiro andar fica a uns três metros do chão. É quase impossível alguém ter escalado.- Edgar disse. — Também não escutei nada durante a noite.
— Que horas você acordou?
— Umas cinco da manhã.
— Alguém mais já havia acordado este horário?
Os hospedes, o dono do hotel e a filha dele negaram.
— Justin, me leve até essa janela. — Frank solicitou.
Frank seguiu Justin até a tal janela. Havia neve derretida na base, ou seja, a janela realmente estava aberta. Frank pediu para que Justin a abrisse, ela olhou para baixo. Não havia nenhuma escada e era realmente alto para escalar. O assassino não poderia ter vindo de fora. A janela aberta era para que achassem que ele veio de fora, criar uma falsa evidencia e atrapalhar a lógica da situação.
—Isso é muito estranho. A janela só destrava por dentro. Como alguém veio de fora e a abriu? — Justin perguntou confuso.
— Não veio. Alguém abriu a janela no meio da noite esperando que fosse encontrada aberta.
— E deu certo.
— Sim, deu certo.
Os dois caminharam de volta para o quarto nada contentes com a descoberta. O grupo ainda estava reunido e impaciente. Eles olhavam para Francesca como se ela fosse salvar a todos e com desconfiança. Uma heroína, talvez. Ou quem sabe a assassina. As emoções eram mistas. Francesca suspirou, coçou a cabeça rapidamente e começou a falar.
— Sou Francesca Collins, sou detetive. Me formei a pouco e estava indo para Grená para assumir meu cargo como Insperota chefe do departamento de polícia. Acabei parando neste Hotel no meio do nada por causa da maldita nevasca. Estamos sem linha de telefone, a nevasca lá fora apenas piora. Os carros estão todos cobertos. Para piorar a situação temos um assassino aqui dentro.
— Você? Detetive? — Georgina debochou. Aos seus olhos, Francesca Collins era tão pequena frágil e indefesa, como aquela garota de um metro e sessenta era uma detetive?
— Você! Você interpretou a Natalie Miller em "Criminal Danger". Sabia que te reconhecia de algum lugar. — Emma apontou para Georgina que jogou seus belos cabelos para o lado se vangloriando.
— Todos precisarão ajudar. — Frank interrompeu o momento estrela de Georgina.
— Nós vamos morrer também? — Edgar estava à beira de um ataque cardíaco.
— Não sei. — Frank arrumou a gola de seu suéter com delicadeza. — Não sei o motivo de Cameron ter sido morto. Se foi pessoal estamos a salvo. Entretanto, fiquei pensando depois de ter visto a janela do corredor: que melhor forma de um psicopata brincar com as pessoas do que em um hotel no meio de uma Nevasca?
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