
III - Artigo 121 - Código Penal
Fora do prédio, um dos criminosos contratados dava as coordenadas:
— Temos que agir rápido! Está na hora do intervalo dos seguranças – aquele era o líder do grupo, chamado de Cicatriz. — Temos de ser cautelosos: tem um ex-policial por aqui, guardando o nosso alvo: ele é especialista nas mais variadas lutas, gosta de usar armas brancas para eliminar seus oponentes e nunca falhou em toda a carreira. Já mandou muitos amigos meus para o xilindró, sorte deles estarem vivos! O cara é chamado de Caveira.
Quem lhes deu abertura foi um dos seguranças do prédio, que era amigo dos bandidos e passou todas as informações necessárias para eles. Além disso, Raul lhes pagaria muito bem pelo serviço.
A operação para assassinar o advogado começaria naquele instante.
Enquanto isso, sem imaginar nada, Luciano entrou no banheiro. Viu que ainda tinha meia hora. Estava nervoso porque aquela entrevista poderia mudar a sua vida. Olhava-se no espelho enquanto os pensamentos viajavam, pensando sobre o que falaria.
Foi quando, de repente, um senhor bem-vestido entrou. Cumprimentou Luciano, achando estranho o fato daquele rapaz se barbear ali, no banheiro do andar. Como o jovem estava compenetrado, o senhor decidiu deixá-lo em paz.
Fora do banheiro, as câmeras de segurança foram desligadas uma a uma. O segurança, naquele horário, era responsável pela central de segurança, e sabia que os outros profissionais de sua área sequer imaginariam o que estava acontecendo. Poucos minutos antes, ele avistara o doutor João Beckerly através de uma das câmeras e os orientou como encontrá-lo na maior discrição possível. Eles teriam poucos minutos, antes dele inserir no sistema um vírus que detonaria tudo, fazendo assim que ele seguisse com o protocolo de emergência, isentando-o de suspeitas.
Assim que chegaram ao local indicado, os três bandidos trataram de invadi-lo. Mas, para surpresa deles, se depararam com um jovem apoiado na pia, que parecia fazer a barba.
— Onde ele está? – O Goela, o mais esquentado dos três, gritou com o rapaz, que nada entendia.
— Procurem o velho! – Ordenou o Cicatriz. – Deve estar em algum desses reservados.
E era exatamente onde o advogado estava. Naquele momento, tentava rezar, pedir um auxílio. Nunca imaginou que sua morte chegaria de forma tão constrangedora: de calças arriadas em um banheiro. Subiu a roupa e se arrumou da maneira que pôde, antes de ser descoberto.
E Luciano? Não se desesperou, pois sabia que isso não os ajudaria em nada. Terminou a barba calmamente, o rosto ainda cheio de espuma. E quando o Goela, todo nervoso, perguntou porque ele demorava tanto, o jovem, em um gesto quase automático, como aprendera nas aulas de lutas marciais, pegou o punhal no bolso, apertando o botão que acionava a lâmina. Porque, para sorte do herói dessa história e azar dos bandidos, o mesmo sistema de sensores que permitiu que eles entrassem com as armas, deixou que Luciano entrasse com o punhal.
Os bandidos hesitaram diante daquela reação. Pois se o advogado estava ali, só podia significar que aquele rapaz era o famoso guarda-costas, o tal do Caveira.
Essa foi a primeira coisa que o Goela gritou, ao ver a lâmina. E como Luciano não o desmentiu, concentrado em defender-se, o pânico foi geral.
— Sujou meu irmão! – desesperou-se o Cicatriz.
— Atirem, porra. Ele não é de ferro! – Gritou o terceiro bandido, cujo apelido era Foguete.
Imediatamente, Luciano empurrou o doutor João de volta a um boxe e se jogou no chão, perto do Cicatriz. Deu-lhe uma rasteira que o fez cair em cima do Goela. Chutou entre as pernas de Foguete, que estava armado. Ele gritou, deixando a arma cair, disparando-a. O tiro pegou de raspão o braço de Luciano, que começou a sangrar. Aproveitando a distração do jovem, Cicatriz o socou no estômago, mas ele não caiu. Aguentou como fazia nos treinos de Karatê Shotokan que treinava. Estava acostumado a sentir dor.
Retribuiu, dando um golpe com a palma da mão aberta na face de Cicatriz quebrando o nariz dele, fazendo com que o bandido desabasse no chão. Esse não ia mais dar trabalho. Depois Luciano foi agarrado por Goela, enquanto Foguete o socava no rosto e na barriga. O jovem advogado empurrou Goela para trás, enquanto chutava entre as pernas do comparsa. Logo em seguida, agarrou o pescoço de Goela, lançando-o sobre o próprio corpo, fazendo-o bater à porta com um estrondo.
O barulho chamou a atenção de todos. O alarme foi disparado.
E o verdadeiro Caveira, onde estava? No corredor, procurando o doutor Antônio que saíra sem lhe avisar. Foi ele quem ouviu o barulho e chamou, por rádio, a equipe de segurança, antes de entender a situação e ajudar Luciano. Quando os colegas se aproximaram, os bandidos já estavam devidamente algemados. Foram retirados dali rapidamente, a fim de não criar pânico desnecessário. Mais tarde, a polícia foi acionada e os criminosos foram presos, inclusive o segurança traidor. Assim que tiveram oportunidade, os bandidos deram com a língua nos dentes.
Mas antes disso, voltemos ao banheiro. Luciano estava com o braço machucado, e seu rosto sangrava. Caiu de joelhos no chão quando tudo terminou, com a satisfação da missão cumprida. Caveira o encarava, ainda sem saber se poderia confiar nele.
— O que aconteceu? Quem são estes sujeitos? – O ex-policial indagou.
Logo em seguida, o doutor João saiu do boxe, e sem pensar, ajoelhou-se ao lado do rapaz e pegou em sua mão.
— Você me salvou rapaz! Qual é o seu nome?
— Me chamo Luciano...
— Eles eram marginais, Caveira. De alguma forma ao virem o rapaz, ficaram com medo – o advogado disse ao segurança, antes de se voltar para o rapaz. — Vi que você luta bem. Agradeço muito pelo que fez. Como posso recompensá-lo?
— Não preciso de nada não, senhor. Tenho uma entrevista em poucos minutos e preciso correr – retrucou Luciano, ainda tonto — Prazer em conhecê-lo...
— Mesmo assim, obrigado – Caveira, junto a equipe, preparou-se para levar o senhor Beckerly de volta ao escritório.
Por um momento, ele parou, olhou para o jovem advogado e fez a pergunta que o enchera de curiosidade:
— Por que fazia a barba aqui, no andar onde ficam os escritórios? – Sorriu, ao pensar que aquele fato o havia salvo.
— É uma longa história... Um dia quem sabe conto para o senhor, mas não posso perder minha entrevista...
Seu João assentiu, antes de ser escoltado ao seu escritório. Os enfermeiros cuidaram de Luciano ali mesmo, que se recusou a ir ao hospital. O escritório providenciou um paletó, para que ele pudesse se apresentar.
Luciano foi cumprimentado por todos pelo seu ato de bravura.
Um deles até comentou:
— Depois que os entregarmos à polícia, vou avisar aos donos do escritório sobre a sua façanha. Tem um número de telefone para eu ligar? Acho que serão gratos pelo que fez.
O jovem deu o número e sentiu que tinha sangue nos lábios. Lavou o rosto e se arrumou como pôde para voltar a sala de entrevistas.
Guardou o punhal no bolso do novo paletó e olhou de relance para o espelho. Viu então o seu crachá de visitante, pendurado com o nome do escritório. Observou os nomes escritos da direita para esquerda.
VISITANTE
Beckerly & Sedah Advogados Associados
Foi então que ele percebeu o anagrama "Hades" no segundo nome.
— Não pode ser! – Pensou intrigado – Que coincidência estranha. Hades significa morte!
O quanto a morte, ou a tentativa de causá-la, mudara a sua vida naquele dia? Era um mistério. Para depois...
Sem pensar mais, ele saiu correndo.... Não tinha mais tempo a perder.
Entrou na sala com os outros pretendentes, sem se importar com o curativo no rosto ou os vestígios de sangue respingado na calça. Tentava esquecer a dor no ombro que começava a incomodá-lo. Deixou que o burburinho acontecesse, focado apenas em sua apresentação. Quando foi a sua vez, Luciano entrou na sala, e qual foi a sua surpresa ao dar de cara com o doutor João?
— Então, o senhor é o doutor João Beckerly – Luciano constatou, recoberto de espanto.
— Eu mesmo. E estou admirado em entrevistar o homem que acabou de salvar a minha vida.
— Eu teria feito isso por qualquer pessoa. Desculpe-me, mas nem mesmo sabia quem era o senhor...
— Sim, meu jovem, eu sei. O mundo de hoje precisa de pessoas corajosas e de iniciativa como você. Por isso, tenho certeza que é o candidato ideal para a vaga. Meus parabéns!
O homem apertou-lhe a mão e Luciano, com lágrimas nos olhos, retribuiu o gesto. Entendia agora que as coisas que, às vezes saem do nosso controle, são na verdade, aquelas que mudarão as nossas vidas.
Eles se despediram e o jovem saiu da sala muito feliz por começar uma nova vida na carreira que escolhera para o seu futuro.
Quando estava prestes a sair, Luciano reparou em um homem que o fitava com intensidade, como se estivesse com raiva dele. O jovem o cumprimentou, mas não foi retribuído. Achando aquilo estranho, Luciano seguiu em frente, mas acabou reconhecendo o mesmo homem, em um retrato na parede. Era o doutor Cláudio Sedah, o outro sócio do escritório. Achou aquele fato inusitado, mas logo aquilo sumiu de seus pensamentos.
Ao chegar em casa, o jovem advogado deu a boa notícia aos seus pais, após eles quase caírem para trás ao ver o filho chegar ferido, com um terno que não lhe pertencia.
— Eu não acredito, meu filho. Você conseguiu a vaga no melhor escritório de São Paulo?
— Ouvi direito, Luciano? No Beckerly & Sedah?
— Isso mesmo. Fui bem preparado para conquistar a vaga, mas havia gente bem mais experiente do que eu.
— E então? Conte-nos tudo. Estamos morrendo de curiosidade...
O filho sentou-se no sofá com os pais e naquela noite tiveram uma longa conversa. Apesar de lhe darem uma reprimenda pelo susto desnecessário, no final todos comemoraram o fato, e se alegraram com a porta que se abria para Luciano.
Quando o jovem foi para o quarto, a cara zangada do doutor Sedah não lhe saía da cabeça. Por isso, ele se dispôs a pesquisar sobre o homem. Descobriu que na verdade o sujeito se chamava Cláudio Rocha de Almeiro, cujo pai Raul, havia sido preso.
Na mesma hora, o anagrama da morte lhe surgira na cabeça. Sentia que existia algo por trás daquele ódio a ele dirigido, e decidiu contar à polícia.
Em pouco tempo, a verdade veio à tona: o sócio mais jovem do doutor João era o contato do pai dentro do escritório de advocacia. O homem, acolhido pelo advogado como seu sucessor, graças a conhecer o pai, não queria apenas auxiliar Raul na vingança, mas tomar o lugar do doutor João assim que ele estivesse morto. O que ele não imaginava era que o dono da firma só recusara a causa para que a imprensa não o levasse ao ridículo, ligando o parentesco entre o advogado e o pai corrupto.
O jovem Cláudio foi preso, e a partir daquele momento, faria companhia ao pai dele.
Sendo assim, o doutor João ficou muito grato a Luciano devido à sua perspicácia, que foi capaz de salvá-lo mais uma vez. Restou apenas a dúvida da criação daquele anagrama. Será que desde o começo, o filho do Raul pensava em matar todos os que estivessem em seu caminho? Ficaria essa pergunta sem resposta.
Nos próximos anos, Luciano representou a empresa brilhantemente, resolvendo casos que poucos viam com sucesso.
Foi por isso que um dia o doutor João o chamou de novo em seu escritório.
— O que o senhor deseja, doutor?
— Luciano, tenho observado a sua qualidade profissional, honestidade, vontade de trabalhar e crescer na vida.
Luciano ficou surpreso e não sabia onde o advogado queria chegar.
— Em breve precisarei me aposentar. Sinto que tenho muitos conhecimentos para dividir, por causa da minha experiência. Sempre quis passar isso para um filho que seguisse a minha profissão, mas você bem sabe que todos escolheram outros caminhos na vida. Por isso, quero convidar a você para ser meu sócio na empresa. Assim, meu escritório seguirá adiante como só um ótimo advogado é capaz de fazê-lo.
Luciano o encarava com os olhos tomados por lágrimas.
— É claro que eu aceito.... Obrigado, Doutor Beckerly... de coração!
O advogado sorriu e convidou o rapaz para jantar com a sua família para que a conhecesse. Ele estava muito orgulhoso do rapaz.
— Quero que minha família conheça o meu novo sócio e o homem responsável por eu estar aqui hoje, vivo.
— Claro que vou, Doutor João.
O jovem advogado conheceu Suzana, a filha de seu sócio. Seus olhares se cruzaram em um amor à primeira vista e a partir daquele momento, houve um motivo a mais para ele se unir à família. Os dois começaram a nomorar logo depois e foram muito felizes assim como o sogro que também ficou muito orgulhoso.
Os sonhos de Luciano se realizavam, na companhia das pessoas que amava. Ele entendeu que na vida não basta apenas estudar e trabalhar. É necessário ter pensamento positivo, perseverança e sabedoria para estar no momento e lugar certo quando a vida lhe oferece uma boa oportunidade.
Fim
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