Capítulo 28- Falsas relações
"A criança cresceu
O sonho se foi
E eu me tornei
Confortavelmente entorpecido"
-Comfortably numb (Pink Floyd)
🍇🍇🍇
Fazia seis meses que Julian e Viviane estavam juntos quando ele decidiu terminar. Não é que ela fosse ruim de cama ou o traísse, mas ele sentia que as coisas simplesmente não se encaixavam. Era uma boa amiga e o incentivava na luta contra o TOC, mas ele não conseguia ver além disso. Não sentia que a amava e doía imaginar que poderia estar a enganando.
Além disso, tinha o sexo. Ele não se sentia confortável, fazia só para agradar a parceira. Se cansou de interpretar um personagem sempre que precisavam realizar o ato. Não que fosse um puritano, mas não sabia porque aquilo não o estimulava. Não havia prazer algum. Só o fardo da obrigatoriedade.
Gostava de beijar e trocar carinhos, mas só.
"Faz o que quiser", foi a última coisa que ela disse, antes de ir embora chorando.
Julian se sentiu um monstro por fazer uma garota chorar. Ele sempre achava que os caras que faziam isso nos filmes eram uns babacas.
Ele enfrentou sentimentos de luto pelo relacionamento, mesmo que ele o tivesse terminado. Era doloroso não ter Viviane ao seu lado todos os dias, o fazendo rir ou o acalmando para que ele dormisse.
Sentiu que tinha voltado a estaca zero outra vez. Suas compulsões pioraram muito e a solidão voltou a atingi-lo.
1,2,3...
Mais uma vez se zangou com aquele Deus que parecia tê-lo esquecido.
Desejou poder ter amado Viviane tanto quanto ela o amava. Queria ter casado, tido filhos e construído uma família com ela.
Mas se sentia incapaz de viver uma mentira.
🍇🍇🍇
Ele não sabia como uma coisa tão pequena poderia causar tantas sensações.
Quando o ofereceram, riu, dizendo que parecia um adesivo de criança. Um dos seus colegas colocou em sua boca.
As lembranças do que aconteceu depois eram turvas.
Luzes, sons, cheiros.
Tudo misturado.
O gosto de algum líquido, que desceu queimando em sua garganta.
Duas línguas diferentes tocando sua boca.
Um rapaz barbado que se aproximou.
Acreditava ter dito alguma coisa a ele, mas não sabia o que.
Ele se aproximou e uniu suas bocas, sua língua dançante.
Julian não se opôs. Porém, quando sentiu algo enrijecido tocando sua perna, interrompeu a carícia.
Uma mão segurou forte em seu braço.
Não.
Sua voz não saía. Ou ao menos era o que parecia, pois a mão permanecia no mesmo lugar.
Não.
Forçou o braço. Quando conseguiu se desvencilhar, quis correr, mas suas pernas não obedeciam.
Conseguiu chegar, enfim, ao banheiro e trancou a porta.
Viu seu reflexo no espelho.
Havia qualquer coisa de errada.
Como se seu rosto se deformasse, se desmanchando.
O gosto de bile atravessou a garganta.
Mal teve tempo de encostar no vaso e derrubar o conteúdo de sua última refeição.
Calor.
Se viu semi nu, usando apenas a cueca box branca, as roupas jogadas ao chão.
Sentou no box.
Observou enquanto um sapo chegava próximo a seu lado.
Por que havia um sapo ali?
Se questionou.
"Você é muito feio", disse, "Não faz mal, eu também sou"
O animal abriu a boca e soltou um ruído.
"Eu não entendo o que você diz", gritou.
No andar debaixo, uma música tocava.
Era para ser uma festa tranquila. Não estava em seus planos perder o sentido de si.
Sentiu seu rosto molhado.
"Que tem de errado comigo?"
O animal o encarava.
"Será que eu sou doente?"
Silêncio.
"Acho que fiz a coisa certa, mas sei lá. Por que eu não gosto disso?"
Limpou as lágrimas.
O sapo havia aumentado de tamanho.
"Se eu tivesse ficado com ele, ia gostar?"
Não sabia distinguir se o som de sua voz era emitido ou se as palavras apenas se formavam, confusas, em sua mente.
O sapo abriu a boca outra vez. A voz que saiu de sua boca era inconfundível. Mãe.
Você não está errado.
Sorriu.
"Mamãe!"
Marta agora era um sapo. Tinha reencarnado no corpo de um animal.
Encostou na parede.
"Eu preciso cuidar de mim, né?"
Viu um movimento no corpo do animal, como se ele assentisse.
"Você concorda?"
Silêncio.
Suspirou.
"Preciso cuidar de mim"
Repetia.
Preciso cuidar de mim.
Preciso cuidar de mim.
Preciso...
As paredes se moviam.
Pensou que iria cair.
Procurou pelo sapo, mas não o encontrou.
Uma moça e um rapaz entraram.
Pela fresta da cortina, ele assistiu enquanto ela se sentava na pia e subia o vestido.
Era um vestido vermelho.
Vermelho tinha gosto de ferro.
O ato durou 5 horas. Ou foram 5 minutos? Não sabia.
Desviou o olhar, mas ouvia o som de gemidos e respirações arfantes.
Preciso cuidar de mim.
O casal saiu.
Suas pernas estavam dormentes. Estava há horas na mesma posição. Ou talvez fossem apenas alguns segundos.
Suas mãos tremiam.
Preciso cuidar de mim.
Preciso cuidar de mim.
🍇🍇🍇
No dia seguinte, pensou que precisava iniciar uma nova fase de sua vida. Prometeu a si mesmo que não faria uso de qualquer substância que alterasse seus sentidos outra vez. Não queria ser igual a seu pai. Os tremores continuavam, mesmo após o efeito da droga ter passado.
Talvez não fosse tão ruim assim.
Talvez só fosse diferente.
Que mal havia em não gostar de sexo?
Se existiam pessoas como Edu, talvez houvesse quem fosse parecido com ele.
Que mal havia em não querer namorar ou casar?
Por que aquilo seria errado? Não causava mal a ninguém.
Talvez.
Talvez aquele fosse apenas ele, afinal.
Não um transtorno ou alguma disfunção.
O problema não estava em seu corpo. Todos aqueles meses com Viviane, só tinha "falhado" uma vez.
Só não se sentia feliz praticando o ato.
E qual era o problema?
Sua mãe havia dito que não havia problema.
Se levantou, ainda meio tonto, se vestiu e decidiu ir à farmácia.
Com um pote cheio de tinta e um pincel, se fechou no banheiro de seu pequeno apartamento, o cheiro de química impregnando o ambiente.
Assim que terminou de tingir os fios, mandando o loiro embora, fez um pacto consigo. Nunca mais mentiria para si mesmo ou outras pessoas. Se manteria fiel a quem era. Ainda que não convencional, aquele era seu eu. Seguiu o conselho de sua mãe transformada em sapo.
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