Capítulo 27- Primeiras vezes (2)
"E provavelmente eu nunca mais verei você outra vez
Provavelmente eu nunca mais verei você outra vez"
-Hand in glove (The smiths)
🍇🍇🍇
Eu estava sentado em frente à TV, comendo um pote de sorvete, metido no meu pijama de flanela e chorando horrores.
Marcos, meu colega de quarto, havia acabado de chegar de uma festa e queria saber o que tinha acontecido comigo.
"Nada, eu tô com dor de barriga"
Ele tirou o pote das minhas mãos.
"E tá comendo sorvete por quê, então?"
"Me devolve"
"Não, você vai passar mal. Agora fala, o que aconteceu? Problemas com alguma garota?"
"É", menti. Por sorte ele não me conhecia o suficiente pra saber quando eu estava mentindo.
"Pode parar de chorar, viu? Mulher nenhuma merece que a gente chore por elas", disse, guardando o sorvete e saindo da sala.
Marcos havia adotado uma postura meio machão depois que terminou com a namorada. Eu não sei o que ele faria comigo se descobrisse que eu chorava por causa de Julian.
Mais cedo eu recebi a última carta dele. Lá dizia que tinha arrumado uma namorada na faculdade. A carta vinha acompanhada de uma foto dos dois. Parecia tão...feliz. Eu deveria ficar feliz por ele também, mas a verdade é que eu me senti péssimo. Como se tivesse sido esmagado por um caminhão.
Eu poderia aceitar que ele saísse às vezes com alguma garota, mas aquilo? Um relacionamento sério?
Estava assistindo Um amor para recordar. Eu já tinha assistido esse filme milhares de vezes, sempre alugava na locadora e sempre chorava com o final. Mas naquela vez eu propositalmente queria chorar. Eu precisava.
Era uma necessidade.
Quando eu já tinha chorado tanto que cheguei ao ponto de ter uma dor de
cabeça irritante, resolvi fazer algo a respeito. Levantei do sofá, me troquei, saí e peguei um táxi.
No começo eu estava dizendo a mim mesmo que não sabia onde iria, mas acho que desde o início eu sabia, sim. Só não queria admitir.
Havia uma balada frequentada por homossexuais não muito longe dali. Pedi para o motorista me deixar alguns quarteirões antes e andei o resto a pé.
Estava com muita vergonha. Todas as outras pessoas pareciam mais livres e seguras de si mesmas ali. Me senti deslocado. Então, comecei a beber. Bebi, bebi e bebi, sozinho no meu canto. Quando já estava começando a me sentir meio alto, fui para a pista dançar. Nem lembro a música que tocava, só sei que era uma agitada. Dancei com vários desconhecidos, nossos corpos tocando um no outro, o suor escorrendo pela minha testa. Sentia meu corpo todo latejar.
Experimentei uma enorme sensação de liberdade, como nunca antes. Não havia ninguém para julgar o modo como eu dançava, se eu estava "dando pinta". Eu era igual a todos ali e nós só queríamos nos divertir.
Um rapaz bonito se aproximou de mim. Trocamos alguns olhares. Começou a dançar comigo. Nem me importei. Não liguei também quando ele começou a fechar o espaço entre nós.
Seus lábios eram secos e rachados. Em outra ocasião, eu nunca teria levado aquilo adiante, mas estava desesperado e com muita sede de afeto.
Foi um beijo agressivo, muito diferente daquele com Mariana. Angustiado. Luxurioso. Agitado. Correspondi, sem saber direito o que estava fazendo.
Ele se afastou, nós dois sem ar. Pegou minha mão e me puxou até o banheiro, me guiando até uma das cabines. O lugar fedia a urina envelhecida. Assim que fechou a porta, continuamos o beijo. Que logo se transformou em apalpadelas.
Não era daquela maneira que imaginei perder minha virgindade. Como um romântico incurável, sempre esperei que minha primeira vez fosse como um conto de fadas, com alguém que eu amasse. Com flores na cama e luz baixa. Não num banheiro sujo. Não com um estranho.
Foi apressado, meio desajeitado. Com puxões de cabelo, tapas, mordidas e arranhões, não dava pra saber se a gente estava se amando ou lutando um com o outro. A violência do ato era uma mistura de raiva, lascívia e paixão. Seria muito fácil fazer juras de amor eterno no momento de ápice do prazer, naquela dança erótica e desvairada. O engraçado é que, no fundo, eu me preocupei com a minha imagem até naquele momento. E se eu não soubesse fazer aquilo? E se passasse vergonha? Deveria gemer? Alto ou baixo? E se as pessoas escutassem? Milhões de pensamentos confusos atravessavam minha mente ao mesmo tempo. Era muito diferente do que eu fazia no meu quartinho nas noites solitárias. Precisava agradar meu parceiro, mesmo que eu nem soubesse seu nome. Ainda mais porque ele parecia ser experiente.
Tudo foi se dissipando aos poucos, conforme meu corpo relaxava e eu percebia que podia aproveitar o momento sem esquentar muito a cabeça.
Quando acabou, senti alívio. Não que eu não tenha gostado. Eu gostei, apesar de ter sido estranho, seria hipócrita se dissesse o contrário, mas no fundo me senti mal. Culpado. Envergonhado.
Fui embora do lugar, agradecendo aos céus por saber que eu nunca mais veria aquele rosto na minha frente outra vez.
Saindo da balada, parei em um carrinho de lanches. Amassei um podrão gigantesco, maior do que minha boca e cheio de ingredientes de qualidade duvidosa, acompanhado de um refrigerante ultra açucarado de alguma marca genérica. Um casal de idosos eram os únicos sentados ali, além de mim. Questionei, de mim para mim, o que pessoas tão velhas faziam na rua naquela hora. Pareciam apaixonados, compartilhavam um amor que o tempo não foi capaz de apagar.
Quando olharam para mim, senti que eles sabiam de algum modo o que eu havia feito na última hora. Ou talvez fosse só paranoia. Sei lá.
"Quê que é, hein? Tô cagado?"
Desviaram o olhar, chocados.
Ri.
Terminei meu lanche e pedi um táxi.
Passei todo o trajeto chorando baixinho no carro. Me perguntando onde eu estava com a cabeça. O álcool me confundia.
Me senti terrivelmente só.
Chegando em casa, vomitei todo o sorvete e o lanche. Depois deitei na cama, cansado de chorar, desidratado. Fraco. Me perguntei o que Julian acharia de mim se me visse naquela situação. Senti vontade de morrer.
Acabei adormecendo. Devo ter dormido por três horas, antes de acordar atrasado para a aula.
Fiz exames de DST poucos dias depois, inclusive HIV. Estava morrendo de medo de ter pegado algo por conta do descuido na boate. Fiquei me sentindo um bocado estúpido por ter transado sem proteção com uma pessoa desconhecida. Se eu ficasse doente, acho que não conseguiria contar para ninguém. Nem para Julian.
Por sorte, tudo deu negativo. Refiz o exame de HIV, só para ter certeza. Negativo outra vez.
Chorei de alívio.
Com o passar dos dias, tive alguns encontros casuais com outros rapazes. Alguns até casados, inclusive. Tudo no sigilo. De modo algum me orgulho, mas era um homem com necessidades. Sempre que o desejo pulsava em mim, eu recorria ao sexo descompromissado, algumas pequenas aventuras sexuais, todas as vezes munido de preservativos e sem beijos na boca. Uma parte minha lamentava o que eu havia me tornado. Sexo era bom, isso era um fato para mim, mas eu não queria me limitar a encontros casuais com desconhecidos, transar sem significado nenhum. Não acho que haja algum problema em ter relações só pelo prazer momentâneo. Tampouco sou um puritano, conseguia ser um bocado safado quando queria e estava carente, mas aquilo não combinava comigo. Não gostava de acordar com uma cama vazia, sem ao menos um bilhete, como se eu fosse só um garoto de programa barato, sabendo que aqueles homens voltariam para suas esposas e filhos como se nada tivesse acontecido. Eu ansiava por uma vida de afeto, poder andar de mãos dadas em público, usar uma aliança e apresentar o homem que amava para minha família, sem medo do que eles poderiam achar. Temia que isso nunca fosse possível.
Talvez seja porque, no fundo, eu achava que ninguém nunca ia me amar daquela forma. Até mesmo para Mariana, fui só um pretexto.
Queria que alguém me olhasse com paixão, alguém que me trouxesse flores, que me elogiasse, me desejasse, cuidasse de mim. Não aguentava mais a solidão.
O único problema era que eu não sabia se a pessoa que tinha em mente sentia o mesmo por mim.
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