Capítulo 21- Ciúme (?)
Ciúme:
"Estado emocional complexo que envolve um sentimento penoso provocado em relação a uma pessoa de que se pretende o amor exclusivo"
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Julian estava certo, afinal. O tempo longe dele de certa forma me fez bem. Pude desenvolver um pouco da minha personalidade. Descobri minha paixão pela escrita e conheci outras pessoas que compartilhavam do mesmo sentimento que eu. A arte tem um poder curativo maravilhoso. Era como se todas as dores do mundo pudessem ser sanadas com papel e caneta. Fiz alguns novos amigos assim.
Entretanto, tinha os pontos baixos também. Embora eu adorasse meus amigos, sempre havia algo de superficial em nossas relações, como se não fosse real o suficiente. Era bom sair para beber, conversar e nos divertir, mas um ombro para chorar, ouvidos para escutar desabafos e uma boca para consolar eram escassos. Não havia abertura para isso, poderiam rir de mim. Ninguém conta como é difícil estabelecer conexões firmes e duradouras na vida adulta. Por conta disso, passei muitas noites chorando de solidão. Quando a noite caía, eu me refugiava no meu travesseiro para afogar as lágrimas. Eu sentia falta de Julian, sim, mas de alguma maneira também sentia falta de mim. Falta de pessoas verdadeiras. Temia morrer só. Temia o que poderia haver na vida após a morte. Temia nunca mais encontrar alguém para me apoiar quando Julian não pudesse fazer isso.
A gente estava de férias da faculdade quando voltamos para nossa pequena cidade para o Natal de 2002. Foi um alívio para mim sair das minhas pequenas crises existenciais e voltar ao mundo real de novo.
Meu reencontro com Julian depois de todos aqueles meses longe foi exatamente do jeito que eu imaginava. Senti tanta falta dele. A distância nos fez bem, serviu para firmar nossos laços.
Assim que nos vimos na rodoviária, Julian me abraçou e beijou cada pequeno centímetro do meu rosto, com exceção dos lábios. Ele sempre pulava a boca. Dizia que ela era reservada apenas para a pessoa com quem eu fosse dividir a vida.
Eu quase me esqueci de como ele me fazia sentir especial. Julian me colocava nas nuvens.
Decidimos passar uma noite no cinema, assistindo um filme qualquer. Julian escolheu O senhor dos anéis: as duas torres. Eu não tinha assistido o primeiro filme então não consegui entender nada, mas ele amou.
Sei que parece bobo, mas ver meu amigo obtendo um pouco de felicidade por conta de um filme me deixou muito alegre. Fazia tempo que eu não o via assim.
Ele segurou minha mão durante todo o filme. Acredito que era para ser apenas um gesto inocente, mas aquilo mexeu comigo de uma forma que eu não esperava. Tinha 18 anos, mas ainda era virgem e a única pessoa que eu havia beijado era Mariana. Qualquer pequeno sinal deixava meus hormônios em polvorosa. Talvez fosse só carência. Sei lá.
Gostava da forma que nossas mãos se encaixavam, como se tivessem sido feitas sob medida uma para a outra. Ele segurava bem firme, como se eu fosse sumir a qualquer momento.
Quando saímos do cinema, procuramos um lugar para pedir um lanche.
"Como vão as letras?"
"No alfabeto"
"Haha, muito engraçado, idiota", riu, irônico, "é sério, o que você tá achando do curso?"
Dei de ombros.
"Ah, é legal"
"Sério? Parece meio desanimado. O que aconteceu?"
"Nada. Acho que é só... não sei mais se quero ser professor"
"Oxe, por quê?"
"É besteira, deixa pra lá"
"Não, conta. Pode falar"
Suspirei.
"Eu comecei a escrever algumas coisas"
"Verdade? Tipo o quê?"
"São só bobagens"
"Tenho certeza de que, se foi você quem escreveu, não são só bobagens. Eu sempre achei que você tinha um potencial pras artes, sabia?"
"Sério?"
Senti meu rosto corar. Ninguém nunca tinha me falado aquilo antes.
"É lógico. Você é talentoso, cara"
"Obrigado"
Ficamos um tempo em silêncio, ouvindo os sons vindos das casas. Senti falta daquilo. Naquele ano não teríamos as festividades em família. Meus pais tinham acabado de se divorciar e eu ainda não tinha certeza sobre como me sentir em relação a isso.
"Edu, você acredita em Deus?"
"É claro. Você não?"
Ele parou.
"Pra ser sincero, acho que não"
Parei também, um pouco chocado. Nunca tinha conhecido um ateu na vida e tinha uma ideia um pouco radical sobre como seria um. Parte porque vim de uma criação extremamente católica, parte porque não era tão comum ver um. Ser ateu era quase como ser satanista na minha concepção. Não esperava que esse alguém fosse Julian.
"Mas... você precisa acreditar em alguma coisa"
"E por que eu deveria?"
"Sei lá, Julian. Porque sim. Pra onde você vai depois que morrer?"
"Eu preciso ir pra algum lugar?"
"Claro, né? Todo mundo vai ou pro céu ou pro inferno"
"Você imagina pra onde vai?"
Parei. Aquela pergunta me pegou desprevenido. A igreja sempre falava que as pessoas como eu iriam para o inferno, mas eu nunca tinha feito nada com ninguém, então achava que estava "a salvo".
"Pro céu, é claro", respondi, voltando a andar.
Ele riu.
"Eu não senti muita firmeza na sua resposta não, hein?"
"Vê se não enche. Vamos logo. Vai ficar tarde."
Ele me acompanhou, em silêncio por algum tempo.
"Você tem saído com alguém?"
"Não ", respondi, "ultimamente eu tô estudando muito", o que não deixava de ser verdade. "E você?"
"Eu saí por um tempo com uma menina mas não deu em nada, não"
Senti meu sangue ferver.
"Ela era bonita?"
"Quê?"
"Ela era bonita?", perguntei, quase gritando.
"Ah, sei lá. Acho que sim"
"Ela era gostosa?"
"Como assim?"
"Vocês ficaram?"
"Edu, o que você quer..."
"Vocês transaram?"
Ele parecia meio chocado.
"Fala mais baixo. Não, não aconteceu nada. Por quê?"
Comecei a andar mais rápido, para ultrapassá-lo.
"Por que você tá correndo?"
"Eu não tô correndo"
"Tá, sim"
"Para, Julian, tá ficando tarde, é você que tá andando muito devagar."
Julian me acompanhou, visivelmente confuso.
O que eu sentia era difícil explicar até para mim mesmo. Era como se meu coração pegasse fogo. Engoli em seco, sentindo meu nariz arder. Aquilo só acontecia quando eu sentia vontade de chorar. Corri, para que Julian não visse as lágrimas que começavam a se formar nos meus olhos.
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Espero que estejam gostando da história. Eu amei escrevê-la. Não esqueçam de deixar um comentário e um voto, pois isso me ajuda muito.
A ilustração usada nesse capítulo foi feita pela @_shy_desenhista_ (no Instagram).
Eu amo quando artistas dão vida aos nossos personagens 💜
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