Capítulo 8- Quando uma nova pessoa surge
"Estou apaixonado por uma mera ideia
Ou Ayesha é apenas um sonho?
Um mistério
Oh, quem é ela?"
-Who is she? (I Monster)
🍒🍒🍒
Seus olhos percorriam o ambiente. Tudo o que podia ver eram rostos sorridentes, pessoas pegando pratos e talheres e outros se servindo ao redor da mesa. Nenhum sinal de Eduardo.
Uma sensação de preocupação tomou conta de seu peito. Franziu o cenho. Sentia que havia qualquer coisa errada.
Se dirigiu até o andar de cima e acabou trombando com outra pessoa. Eduardo.
"Onde você tava?"
"No banheiro"
"A dor de cabeça passou? Tomou o remédio?"
"Eu tomei, sim, mamãe, pode deixar", disse, irritado.
"Por que você tá falando assim?"
Eduardo saiu do corredor, sem dizer mais palavras.
"Edu..."
Ele o seguiu, mas Eduardo já tinha se misturado às outras pessoas.
Não conseguia entender o comportamento do amigo. O que poderia ter feito de errado?
Passaram o resto da noite sem trocar muitas palavras. Eduardo se limitava em responder monossilabicamente. Era quase como se a culpa fosse de Julian.
Após o fim do jantar, já próximo à 1 da manhã, quando alguns dos convidados voltavam para suas casas, os dois foram deitar. Embora dividissem o colchão, não conversaram. Eduardo dormiu tranquilamente, babando no travesseiro, enquanto Julian ficava acordado, revivendo todos os momentos da festa, procurando pelo momento em que teria dito ou feito algo ruim.
🍒🍒🍒
No dia seguinte, enquanto arrumavam as malas, Eduardo o chamou.
"Hum?"
"Eu... gostaria de pedir desculpas por ontem a noite. Eu tava um pouco chateado com algumas coisas e acabei descontando em você. Me desculpa"
"Que coisas?"
"O quê?"
"Que coisas tão te chateando?"
"Ah, nada. Não é coisa importante"
Julian fechou o zíper da mala, sem responder. Não queria pressionar Eduardo.
"Vai terminar de arrumar suas coisas, o ônibus sai daqui uma hora"
"Certo. Julian?"
"Oi?"
Observou enquanto o outro abria a boca, se preparando para falar algo. Parecia receoso, no entanto. Mordeu o lábio inferior.
"Quer saber? Não é nada, esquece"
"Não, pode falar"
"É sério, cara, deixa. É bobeira"
"Certeza?"
"Sim"
"Você sabe que pode me contar de tudo, não é? Sabe que pode confiar em mim?"
"Eu sei, Julian. Fica tranquilo. Quem sabe uma hora eu fale", disse, saindo do quarto.
Ele ficou sozinho ali, coberto de dúvidas.
🍒🍒🍒
Quando voltaram de viagem, a situação se normalizou um pouco. Apenas um pouco, pois Julian percebia as alterações de humor de Eduardo. Em alguns momentos, estava feliz e esperançoso e, em outros, quieto e introspectivo, como se algo o pertubasse.
Julian sabia como era sentir sua mente gritando alto e as constantes tentativas de fazer alguma coisa para alcançar a paz e silêncio.
Estavam tomando café em uma manhã, quando Julian tocou no assunto.
"O que você acha de ver um terapeuta?"
Eduardo estava mordendo o pão e parou, franzindo o cenho, interrogativo.
"Eu acho que pode te ajudar muito, Edu. Pra mim, ajudou bastante. Todo mundo devia fazer terapia pelo menos uma vez"
Eduardo deu de ombros.
"Eu não tô deprimido", respondeu, tapando a boca com uma mão, enquanto mastigava.
"Eu sei, mas não é só sobre estar deprimido. Tenho percebido você um pouco... diferente às vezes"
"Diferente como?"
"Ah... você fica nervoso. Quieto. Parece preocupado"
Eduardo riu.
"É isso que te faz pensar que eu preciso de um psicanalista?"
"Não, mas acho que é bom pra ajudar a regular o humor. Além do mais, a gente se conhece melhor"
"Julian, eu não preciso ir a um terapeuta pra me 'conhecer melhor'. Isso eu já sei. Além do mais, minhas preocupações são com o trabalho, meus alunos, é lógico que eu vou ficar preocupado, poxa. Já tentou dar aula pra uma sala cheia de pré -adolescentes que não dão a mínima pro que você diz?"
Julian tomou um gole do café.
"Você que sabe. Se quiser, tenho um dinheiro no banco, posso te ajudar a pagar"
"Esquece isso. Agora eu preciso ir, pra não chegar atrasado. Esquece essa história, tá? Tá tudo bem", falou, dando um beijo na testa dele.
Julian ficou só, ali na cozinha. Ouviu um miado debaixo da mesa. Trovão esperava que ele enchesse seu pratinho, os olhinhos arregalados.
🍒🍒🍒
A perna direita se movimentava, incontrolável.
Ele mordia o lábio inferior, seco, puxando uma pelinha.
"O que te faz pensar que há algo de errado?"
A dra. Tatiana o olhava, por trás das lentes de seus óculos.
O ambiente era escuro. Havia um abajur ao lado da poltrona da psicóloga e um perfume floral tomava conta do ar do escritório.
"Ele tem umas mudanças de humor. E... eu não sei, sinto que ele me esconde coisas"
"Por que isso te preocupa? Ele esconder coisas"
"Medo. Tenho medo de ser alguma coisa que vai machucar ele"
"E pra você é muito ruim que ele se machuque?"
"Sim"
Um silêncio os envolveu. A profissional tirou os óculos e coçou um olho, os colocando de volta em seguida.
"Julian, eu tenho percebido que você fala muito sobre os outros. Seu pai, seu irmão, sua mãe, seu amigo. Quanto a você? Quem é você? Já se perguntou isso?"
Ele tentou processar aquela pergunta.
"Como assim?"
"Quem é você? O que você gosta de fazer? O que você não gosta? Essas coisas. Você passa muito tempo abraçando os problemas alheios, mas não se abraça. Não busca se conhecer"
Ele mordeu o lábio. Justo naquela manhã disse a Eduardo que a terapia é a chave para o autoconhecimento, mas percebeu que ele mesmo tampouco praticava aquilo. O consultório de Tatiana era um lugar onde ele sentia que podia tirar todos aqueles pesos dos ombros, mas pouco fazia com o que recebia.
"Há quanto tempo você não sai? Digo, sozinho"
"Só pra me divertir, esse tipo de coisa?"
Ela anuiu.
"Vish, faz um tempinho. A última vez que eu saí só fui dar uma volta na praça e comprar cachorro quente"
"E quanto ao desejo? Você pensou no que nós conversamos nas últimas sessões?"
Ele assentiu, um tanto envergonhado.
"E o que você fez em relação a isso?"
Se limitou a negar com a cabeça.
"Quantos amigos, fora Eduardo, você tem?"
"Tenho o pessoal do trabalho"
"Mas você mantém uma relação de amizade mesmo com eles? Ou estritamente profissional?"
Pensou sobre.
"Ah, a gente dá risada juntos às vezes, conversamos e essas coisas"
"Mas você não os vê fora do ambiente de trabalho"
"Isso"
Ele bebeu um pouco da água que estava na mesinha de centro. Roeu uma unha.
"Julian, a amizade entre você e Eduardo é linda. De verdade. É difícil encontrar relações assim, mas você precisa tomar cuidado para não se tornar dependente dele. Seu mundo não precisa girar em torno de Eduardo para você conseguir demonstrar que o ama. Assim como você não vai conseguir cuidar dos outros se não cuidar de si mesmo antes"
Refletiu. Sabia um pouco sobre o que gostava e o que lhe era desagradável, mas, depois de tanto tempo tentando ser forte por si e pelos outros, percebeu que se perdeu no meio daquela ansiedade. Não conseguia nem responder uma pergunta simples. Quem eu sou? Quem sou além de uma casca a quem as pessoas pensam que podem contar quando precisam?
"Pense um pouco sobre isso. Podemos falar mais a respeito na próxima sessão.", ela olhou no relógio em forma de passarinho pendurado na parede, "Faltam 5 minutos, tem algo mais que queira dizer?"
Ele passou a comentar banalidades do cotidiano. Coisas que ele pensava que não fariam diferença, mas não deixou de imergir no que tinham conversado.
🍒🍒🍒
O coração batia aos pulos. Ele nem se lembrava a última vez que entrou em uma boate.
O cheiro de cigarro e corpos suados entrou em suas narinas. As luzes em tons neon de rosa e roxo piscavam. Pessoas dançavam na pista, algumas quase nuas. A música pop alta, garantia de uma dor de cabeça.
Ele engoliu em seco, rezando para que não tivesse perdido suas habilidades sociais.
Sentou em um banco no bar e pediu por um moscow mule.
Observava as pessoas dançarem enquanto sorvia a bebida em pequenas quantidades. Não desejava ter pressa, queria apenas seguir o que sua psicóloga havia dito. Precisava apenas viver e se sentir vivo.
Enquanto perscrutava a pista de dança, seus olhos se encontraram com um par de olhos cor de avelã.
Era uma pessoa linda, foi a primeira coisa que pensou.
Trocaram um sorriso.
A pessoa de rosto andrógino, que ele julgou ser um rapaz pois não tinha seios, deixou de dançar e foi em direção ao balcão.
"Oi"
Julian se sentiu pequeno ao lado do outro, que devia ter mais de 1,70.
Sorria, um sorriso largo e com uma covinha na bochecha direita.
"Oi", respondeu, com um sorriso amarelo.
Estava quase entrando em desespero. Não lembrava como flertar. O que deveria dizer ou fazer para demonstrar interesse?
"Você vem sempre aqui?", perguntou.
Que idiota falava aquele tipo de coisa?
O outro riu.
"Uhum. Nunca te vi aqui, é tua primeira vez?"
Percebeu um leve sotaque em sua voz. Estrangeiro, mas o rosto gritava América latina. Talvez peruano ou mexicano, pensou.
Julian anuiu.
"Como é teu nome?"
"O meu?"
"É, eu não tô conversando com mais ninguém", sorriu.
"Julian. O seu?"
"David. Quer dançar?"
Julian mordeu o lábio inferior. David era bonito demais para receber uma recusa. Seus olhos estavam pintados e havia glitter em seu rosto. O cabelo preto caía sobre os ombros. Ele estava sem camisa, usando apenas um harness de couro com correntes prateadas, exibindo o peitoral que revelava muito tempo de academia.
"Uhum"
Ele levantou do banco e o seguiu em direção a pista.
Os dois se misturaram entre as pessoas.
Havia algo de muito prazeroso naquilo, se perder em meio a multidão, não ser reconhecido. Talvez aquilo fosse uma fuga, afinal, ali ele não precisava ser ninguém. Apenas mais um.
As luzes piscavam, Julian sentia seu corpo derramar gotas de suor conforme se movimentava. Não importava que ele não soubesse dançar. Nada importava naquele momento.
Deixou sua cabeça se acalmar, levado pelo ritmo da música, sem pensar em contas, Eduardo, terapia ou o que quer que fosse.
Quando abriu os olhos e analisou o rosto de David, percebeu que ele passava pela mesma experiência, deixando que apenas as sensações o preenchessem.
Julian se aproximou e arriscou um beijo. Os lábios de David eram macios.
Sabia que estava meio enferrujado em relação ao beijo, mas esperava que ele sentisse o mesmo êxtase que tomava conta de seu corpo.
Quando se separaram, o outro se aproximou e cochichou no ouvido de Julian, como se fosse um segredo:
"Quer ir pra minha casa?"
Um frio percorreu sua espinha. Sua primeira resposta era não. Numa noite normal, seria não. Aquela era uma noite excepcional.
"Sim"
O outro sorriu.
🍒🍒🍒
O táxi parou em frente a uma casa pequena. Eduardo estava com a sua moto, então ele tinha ido a pé até a boate e agora se sentia nu sem sua Biz azul.
"Valeu, meu bem", agradeceu David, enquanto pagava o taxista.
A casa tinha muros baixos e uma porta verde com uma pequena janela no meio. As paredes estavam descascadas, urgindo por uma nova pintura. A luz da pequena varanda era de um amarelo fraco.
"Pode entrar, fica à vontade", disse, destrancando a porta, "quer beber alguma coisa?"
"Não, obrigado"
Entraram.
O interior cheirava a uma mistura de mofo e produto de limpeza.
Julian o seguiu pela casa, como um cachorro confuso.
Passaram por um pequeno corredor, onde em um dos quartos havia pessoas rindo.
Trombaram com um mulher completamente nua que saía do cômodo.
Adentraram um quarto pequeno, com uma cama desarrumada, uma mesa com livros abertos e um abajur aceso, a única luz acesa ali.
David se sentou na cama e começou a desafivelar o sapato, uma bota com salto preta, os jogando longe em seguida.
"Você não vai deitar?"
Julian, que até então esperava em pé, obedeceu.
Ele se sentia estranho ali, na casa de um desconhecido. Se perguntou o que estava fazendo. No outro quarto, alguém deixou um recipiente de vidro cair, fazendo barulho.
"Não liga, tá? São uns amigos que moram comigo"
David subiu em cima de Julian e começou a beijá-lo outra vez.
Cheirava a suor, mas no fundo havia um perfume cítrico.
Julian ficou parado enquanto o outro tirava sua camisa e beijava seu peito.
A última vez que tinha feito aquilo com alguém foi com Viviane. Por onde ela andava? Será que estava bem? Ele esperava que sim e torcia que ela tivesse encontrado alguém melhor. Alguém que pudesse lhe dar o que ela precisava.
Ouviu o rapaz perguntando qualquer coisa, mas não entendeu.
"Como?"
"Você tá bem?"
"Uhum. Por que não estaria?"
"Parece que não tá com vontade. Fica só parado igual um boneco inflável. Parece que você tá morto, bebê"
"Não, eu quero sim"
"Certeza?"
"Uhum"
David deixou escapar um suspiro. Deitou do outro lado da cama.
"Você podia ter me avisado"
"Me desculpa, eu não sabia...", justificou, se levantando.
Era óbvio que ele imaginava onde isso poderia terminar, mas estava tentando viver até seu último limite.
"Onde você vai?"
"Pedir um táxi"
"Por quê? Eu não falei pra você ir embora"
Julian o olhou, percebendo sinceridade em suas palavras. Relutante, se deitou outra vez.
"Você é hétero?"
"Como assim?"
"Tipo, você gosta de mulher"
"Ah. Não. Quer dizer, eu acho que não. Na verdade, eu gosto também, mas não desse jeito, é que..."
Quando percebeu que se abria com um desconhecido, parou.
"...ah, é difícil de explicar"
"Então, você é bi?"
Engoliu em seco. Não entendia muito das definições.
"Eu não sei. Acho que sim."
Ouviram sons de grilos no quintal. Em algum lugar, gatos brigavam.
"Você não é daqui, né?", questionou.
Negou.
David pronunciava o nome dele como Rulián.
"É de onde?"
"México"
"Que legal", comentou, alisando o cabelo do outro. Era muito macio. Uma mão tocou a sua.
"Não mexe aí, por favor. Eu tenho muito trabalho pra cuidar"
Ele obedeceu, retirando a mão rapidamente.
David ergueu os olhos para Julian.
"Então... você não curte transar?"
Julian abriu a boca, espantado.
"Por que você diz isso?"
"Não precisa mentir"
Ele disse que não.
"Posso perguntar o porquê?"
Julian deu de ombros.
"Não gosto de enfiar as coisas nos outros e também não quero que enfiem nada em mim"
Ele se espantou com a baixeza de suas palavras, mas não chegou a se arrepender de dizê-las. Talvez não fosse a verdade completa, mas era parte da verdade.
"Mas não precisa disso pra fazer sexo"
"Não?"
"É, não precisa. Qualquer coisa um dia eu te explico. Você curte o quê?"
"Beijar. Abraçar. Tocar. Tenho um problema com cheiros também, eu acho"
"Problema?"
"É. É uma coisa que me deixa meio excitado, não sei"
Se surpreendeu com uma risada alta de David. Sentiu um misto de vergonha e alegria. O riso era contagiante.
"O quê?"
"Isso não é um problema, meu bem, você só deve ter fetiche"
"Eu não sabia que existia fetiche disso", respondeu, sentindo seu rosto corar.
"Você ficando vermelho, meu Deus, daqui eu consigo ver. Você é tão fofo. Me lembra um ursinho que eu tive"
Ursinho?
David tocou o rosto de Julian, o acariciando.
"O que você quer fazer então, querido?"
"Eu gosto de dar uns amassos só. Sei lá"
"A gente pode só fazer isso então. Não tem problema não"
"Certeza?"
"Claro. Eu também gosto de dar uns amassos. E você é gostoso"
"Eu sou?", questionou, rindo.
David subiu em cima de Julian outra vez. Jogou o cabelo para trás. Voltaram a se beijar. Seria uma longa noite.
🍒🍒🍒
Espero que estejam gostando da história. Fico feliz de já postar o primeiro capítulo da David, espero que gostem dessa personagem.
Beijos 🍒😘
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