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Capítulo 4- Mentiras amigáveis

"Eu já lhe disse que falar a verdade é uma coisa dolorosa. Ser forçado a contar mentiras é uma coisa muito pior"
-De profundis (Oscar Wilde)

🍒🍒🍒
"Cadê minha cerveja?"

Foi a única coisa que Julian questionou quando Eduardo e José voltaram para casa, já perto da meia noite.

"A gente esqueceu, desculpa!", Eduardo respondeu, "é que passamos na minha mãe depois e também demos um passeio na cidade"

"Na próxima, eu vou lembrar de trazer", prometeu José.

"Vocês demoraram! O pessoal já tá dormindo. Tua esposa e as crianças também"

"Ah, a Silvia com certeza tá acordada, ela tem insônia. Deve estar só lendo"

Seguiu-se um silêncio desconfortável, como se houvesse algo a ser dito. Julian deixou um riso escapar.

"Quê que foi, gente? Por que essas caras?"

"Nada", responderam em uníssono.

"Se vocês dizem... bom, eu vou subir, vou tomar um banho e deitar. Acho que vocês deviam dormir também, amanhã a gente pega o ônibus cedo, Edu"

"Eu já subo", respondeu.

Ele os deixou na sala. Até onde pode ouvir na escada, apenas o silêncio cobria o ambiente. Pensou que deveria ter sido uma noite difícil para os dois, tentando forçar uma amizade que nunca existiu.

🍒🍒🍒

Estava no meio de um cochilo quando a luz do quarto foi ligada. Eduardo esperava na porta, de pijama.

"Pô, Edu, precisava acender a luz?"

"Desculpa, eu ia dormir na sala, mas preferi ficar aqui com você, posso?"

"Pode. Só desliga essa luz, fazendo favor", respondeu, virando-se de lado para a parede.

Eduardo deitou sobre a cama e abraçou Julian. Fazia muito tempo que eles não dormiam abraçados. Era um hábito que tinha ficado para trás até então.

Ele tentou retomar o sono. Porém, pouco depois ouviu um som baixo atrás de si. Virou-se outra vez e percebeu o travesseiro molhado.

"Você tá chorando?"

Não houve resposta.

Ele buscou o rosto do outro e suas suspeitas foram confirmadas.

"O que aconteceu, Edu?"

"Nada"

"Tem certeza? Eu não acho que alguém chora por nada"

"Eu só tô me sentindo meio ansioso"

Não insistiu. Sabia o quanto a ansiedade pode pegar as pessoas de surpresa. Conhecia bem o sentimento e entendia que estar em um ambiente novo, com pessoas pouco conhecidas poderia trazer alguma aflição e receios.

"Eu não devia ter pedido pra você vir junto. Sinto muito"

"Não, não é sua culpa. Eu só..."

Julian o ajudou a limpar suas lágrimas.

"Julian, você sabe que... eu nunca faria nada pra te machucar, né?"

Ele parou o que estava fazendo, franzindo o cenho.

"Como assim? Que história é essa agora?", perguntou, com um sorriso.

"Eu te amo muito. Preciso que você confie em mim"

"Eu confio, Edu. É claro que eu confio"

"É só..."

As palavras ficaram suspensas no ar, como se alguma coisa oculta fosse chegar à luz.

"... na verdade, não é nada. Só paranoia minha. Volta a dormir"

Ele beijou a testa do amigo.

"Não precisa ficar assim, Edu, eu amo você. Sabe disso. Confio em você"

"Eu sei. É só ansiedade. Volta a dormir, por favor, não queria ter te acordado"

Não disseram mais do que isso. A noite transcorreu com os sons noturnos de grilos, uma ou outra coruja piando.

Eduardo logo adormeceu, mas Julian não pôde fechar os olhos. Algo o preocupava, embora ele não soubesse o quê.

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