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Capítulo 26

12 anos atrás:

       Depois de uma semana no hospital, eu finalmente pude voltar para casa. Não via a hora de deixar aquele ambiente de tristeza e perda. Não que tais sentimentos sumissem de uma hora para outra, mas, em casa, eu me sentiria mais acolhida e mais próxima da normalidade. O médico acabou me dando uma licença do trabalho de mais uma semana, então, eu pude me concentrar apenas na minha recuperação.

       O fato é que eu estava machucada não apenas fisicamente, mas emocionalmente também e de uma forma arrasadora. Cada vez que eu pensava em Rodrigo, não conseguia controlar as lágrimas pela decepção e dor que ele havia me causado. Não bastasse a dor da traição, havia a dor por eu ter perdido meu bebê e por culpa dele. Sim, eu o culpo por tudo o que aconteceu. Se não fosse por ter flagrado o que ele fez, eu não teria saído tão descontrolada daquele jeito, cega para tudo à minha volta.

        Pelo que soube, ele havia ficado de plantão no hospital todos os dias que estive lá para falar comigo, fez diversas ligações pro meu celular e deixou vários recados, os quais ignorei todos. Não queria vê-lo, não quero que ele tente arranjar desculpas para o indefensável, eu vi e ouvi, não preciso de mais nada.

       Depois de ficar um tempo no meu quarto sozinha, vou até o armário e abro a porta de cima, onde deixei uma sacola com as roupas que eu havia comprado pro meu bebê. Tiro todas e vou distribuindo pela cama, cheirando cada peça. Pode parecer masoquismo, mas eu preciso ter um momento de luto e essa é a forma que eu encontro de fazer isso. Apesar de querer muito engravidar de novo algum dia, não vou ter coragem de reaproveitar essas roupas, elas são do filho que nunca tive, que não teve a chance de nascer.

         Estou distraída com esses pensamentos, quando ouço a voz de Rodrigo e meu coração acelera. Ele está aqui? Ouço também a voz do meu pai e alguns passos, até que a porta é aberta e vejo os dois. Rodrigo está com uma expressão tão transtornada que fico também sem reação.

       — Isabela, o Rodrigo está querendo falar com você desde aquele dia, é melhor conversar com ele logo, eu vou deixar você a sós. — meu pai diz, meio atrapalhado, ele também está nervoso com essa situação, não deve estar sabendo o que fazer.

        Eu havia conversado com minha família sobre o motivo de não querer ver Rodrigo e não sei se me dão razão ou acreditam, acho que não querem discutir comigo nesse momento para não me deixar nervosa, então não opinam.

         Quando a porta se fecha, Rodrigo desvia o olhar do meu rosto e olha as roupas de bebê, espalhadas na cama. Ele parece tentar controlar a emoção, sua respiração fica mais ofegante e seus olhos ficam marejados, até que quebra o silêncio entre nós, com uma voz que quase não sai:

       — Por que você não me disse?

       — Pra quê? Iria fazer alguma diferença?

       — Claro que iria, Isabela! Como você pode achar que não?

          Eu desvio o olhar dele e só balanço a cabeça. Ele se aproxima devagar e eu levanto a mão:

       — Fica aí! Não chega perto de mim!

       — Bela, pelo amor de Deus, me deixa explicar!

       — Explicar o que? Eu vi, Rodrigo!  Ninguém me contou!

       — Viu o que, Isabela? A Verônica saindo do quarto que eu tava? Eu fui pra lá sozinho, precisava limpar minha roupa, depois eu apaguei, não fiz nada demais!

       — E o que ela foi fazer nesse quarto?

       — Sei lá! Eu nem lembro dela ter ido!

       — Mentiroso! Você falou o nome dela, Rodrigo! Eu chamei você e você falou o nome dela! Sabia muito bem que ela tava lá, sim!

          Nesse momento, ele passa a mão no rosto e no cabelo, exasperado e diz:

       — Não vou saber explicar isso, Isabela. Realmente não lembro o que houve, mas eu jamais trairia você, como que você pode pensar isso? Eu tava arrasado naquele dia, só queria beber.

       — Não pensei, eu vi! Se você tava tão chapado assim, pode muito bem ter transado com ela e nem lembrar.

       — Cara, Isabela, não! Eu não faria isso, porra! — ele fica cada vez mais nervoso.

       — Ela saiu do quarto rindo de mim, Rodrigo. Passou por mim e fez cara de deboche, deve ter me achado muito otária. Será que vocês me fizeram de palhaça, esse tempo todo? Ela nunca parou de dar em cima de você, eu sei disso.

       — Você tá brincando, né? Não pode estar fazendo essa pergunta a sério. — ele diz, ficando irritado.

       — ACABEI DE PERDER MEU FILHO POR CAUSA DESSA PORRA, EU PAREÇO ESTAR BRINCANDO?? — grito.

          Rodrigo suspira e chega mais perto, dizendo com a voz trêmula:

       — Não fala assim, por favor.

       — Mas é verdade!

          Ele senta na cama e baixa a cabeça, deixando apoiada nas mãos. Ficamos algum tempo em silêncio, são tantas mágoas e feridas que preciso de um tempo pra respirar. Ele olha novamente para as roupinhas e pega uma, observando.

       — Eu teria ficado, Isabela. Não pensaria nem duas vezes.

       — Não queria que você se sentisse forçado a nada, seria por obrigação, não iria ser bom pra ninguém.

       — Eu teria ficado feliz, não me sentiria obrigado. Você não tem um pingo de fé em mim, né? — como não respondo, ele continua — Eu fico agora, Isabela. Não preciso ir... vou em outra oportunidade.

       — Você não tá entendendo, Rodrigo. Acabou!

       — Não... — diz balançando a cabeça, com o queixo trêmulo.

         Eu começo a chorar de novo e digo:

      — Não acredito que você fez isso comigo, Rodrigo!

      — Eu não fiz nada, Isabela! Acredita em mim, porra!

      — Como vou acreditar, se eu vi??

      — Não é o que você tá pensando! Eu já expliquei!

      — Vai embora, Rodrigo! Você já estava indo mesmo...

      — Eu te amo, Bela... — ele diz com os olhos vermelhos, passando a mão no cabelo.

      — Não me chama assim nunca mais!

          Nesse momento, minha mãe entra no quarto e nossa atenção é desviada para ela, que observa as roupas de bebê na cama e diz:

      — Rodrigo, acho melhor você ir embora agora. A pressão da Isabela está muito alta, ultimamente, não é bom que se exalte assim.

          Ele olha para mim, mas não devolvo o olhar, apenas fito a parede. Só quero que ele vá embora.

      — Não quero fazer mal a você, nunca quis. — ele diz e eu balanço a cabeça.

        Rodrigo levanta da cama e sai do quarto. Ouço a voz dele trocando algumas palavras com meu pai e quando ouço a porta de casa fechar, deixo que mais lágrimas caiam. Dói tanto que tenho a impressão que nunca vai cicatrizar. Minha avó entra no quarto e retira as roupas de bebê da cama, guarda na sacola e entrega para minha mãe.

      — Vai passar, Isa, vai passar... tudo passa. — minha avó diz.

      — Não quero mais ver o Rodrigo, vó. Se ele vier de novo, não deixa ele entrar.

     — Tá certo, meu amor, só fique calma.

         Depois desse dia horrível, ele não apareceu mais na minha casa, felizmente. Natália me dizia que ele sempre perguntava por mim pra saber como andava minha saúde, mas eu logo desconversava. A única coisa que eu queria saber é se ele realmente havia embarcado no avião para a Espanha.

        Numa quarta-feira de manhã, meu celular toca e é Natália:

      — Oi, Isa. O Rodrigo acabou de embarcar, estamos saindo do aeroporto. — ela diz, fungando.

      — Tá certo. Ótimo.

      — Ele parecia que tava indo pra guerra. Você sabe que ele só foi porque tava preocupado com a sua saúde, né? Ele disse que não queria fazer mal a você.

      — Tá bom, Natália, vou desligar agora, obrigada por ligar.

         Deixo o celular na cama e sei que um novo capítulo da minha vida inicia agora. Só espero conseguir deixar tudo para trás.

                            💔

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