Capítulo 19
Depois do fatídico dia em que discuti com Daniel por ter descoberto que ele saía mais cedo do trabalho sem me dizer, o clima entre nós melhorou um pouco. Não sei se meu marido estava com a consciência pesada por ter mentido, mas parecia mais atencioso com minhas necessidades, chegando mais cedo em casa do que fazia ultimamente.
Mesmo sabendo que ele continuava achando seu trabalho mais estressante do que o meu, o que entendo, em parte, Daniel começou a planejar sua semana de forma a deixar algumas noites livres para que eu pudesse tirar um tempo para mim, como eu havia dito que queria. Nossa convivência era assim, eu não conseguia ficar muito tempo chateada com ele, pois Daniel sempre dava um jeito de consertar o que não estava satisfatório entre nós.
Sendo assim, certo dia, ele veio com a ideia de eu acompanhá-lo à academia que frequentava a fim de conhecer as atividades que ofereciam. Seria numa sexta-feira, então deixaríamos a Maria Júlia com os pais dele para dormir lá. Dessa forma, eu poderia fazer algumas aulas experimentais para ver se eu gostava.
Nesse dia, Daniel teria um jogo de tênis e fiquei de encontrá-lo na quadra depois de terminar minha atividade. Cerca de 19:30, eu saí da aula de spinning e segui em direção à área externa da academia, onde estavam as quadras. Estava usando uma legging preta e um top rosa, ainda levava a camisa no ombro, tinha ficado molhada de suor.
O espaço da academia era muito bom, maior do que eu imaginava, fiquei animada em vir aqui algumas noites por semana. Quando finalmente chego às quadras de tênis, consigo avistar Daniel jogando em dupla, mas não conheço seu parceiro. Olho para a dupla adversária e meu coração, já quase mais calmo com o final da minha atividade física, volta a acelerar, pois reconheço Rodrigo.
Ele está com uma camisa branca já colada ao seu corpo por estar suado, com algumas mechas de cabelo grudadas na testa. A lembrança dos meus dedos afastando seu cabelo surgem na minha mente e tento não pensar sobre isso. Eu gostava de viver em Fonte Nova, mas o fato de ser uma cidade pequena onde todo mundo se encontrava me irritava, às vezes. Eu já havia me acostumado a viver com Rodrigo longe da minha vida, por que ele tinha que estar em todo lugar, agora? Por que não ia embora?
Encontro um banco para sentar e passo a observar o jogo, que me parece um tanto agressivo. Rodrigo luta desesperadamente por qualquer bola que Daniel lança e devolve com muita força para o lado adversário da quadra. Noto que quando Daniel acaba perdendo uma bola, Rodrigo da um sorriso de triunfo e olha em minha direção. Não sei se já havia me visto enquanto eu me aproximava, mas penso que sim, pois não parece surpreso ao me encarar.
Daniel também percebe que estou aqui e da um aceno com um sorriso, substituindo a expressão irritada que tinha no rosto minutos antes. Rodrigo nota nossa troca de olhares e deixa de sorrir, voltando a se concentrar no jogo. O bate e volta da bola recomeça e confesso sempre ter achado jogo de tênis algo muito chato, mas esse, em particular, estava me deixando nervosa. O embate parecia quase pessoal, os jogadores disputavam como se fosse final de campeonato.
Sei que Rodrigo sabia quem Daniel era, mas meu marido não conhecia meu ex namorado de vista, apenas tinha conhecimento da história do meu passado, já que demorei para superar. Entretanto, não me passou despercebido o olhar hostil que Daniel lançava para ele, parecia sentir a energia tensa que Rodrigo exalava em relação a ele.
A cada jogada que meu marido perdia, Rodrigo dava um sorriso superior e olhava pra mim. Mas que babaca! Ele estava querendo provar o que para quem? Eu sabia que não era um simples jogo de tênis, Rodrigo parecia querer descontar em Daniel alguma frustração. Depois de mais de dez anos, ainda existia algo inacabado, palavras não ditas, assuntos não esclarecidos e um vazio que parecia nunca ser preenchido.
Por anos, eu pensei que fosse só comigo, mas vendo Rodrigo tão focado em derrotar Daniel, ao menos no jogo, trouxe-me a ideia de que ele também tinha seus próprios fantasmas. Apesar do jogo ser em duplas, o alvo da bola do meu ex era sempre meu marido, que estava cada vez mais irritado, pelo que pude perceber. Ele mantinha a testa franzida e uma postura tensa que eu conhecia bem.
Quando conseguiu dar uma sacada que Rodrigo não foi capaz de rebater, vibrou pelo triunfo, lançando um olhar provocador para ele. Quando Daniel olha pra mim e da um sorriso, a expressão do meu ex assume um tom sombrio e eu temo pela temperatura elevada desse jogo. Ele olha pra mim também sério e passa uma mão no cabelo para tirá-lo do rosto, fazendo um movimento rápido com a cabeça para ajudar no processo, o que sempre achei lindo.
O jogo recomeça e o clima fica mais tenso, como imaginei. Rodrigo e Daniel jogam a bola um para o outro, como se as duplas não existissem e fosse um jogo apenas entre eles. Noto que o parceiro de Rodrigo até comenta pra deixar uma bola com ele, mas é ignorado. Eu observo as jogadas sem nem piscar e quando Rodrigo defende uma bola impossível e joga aos pés de Daniel com força, não consigo evitar um suspiro de surpresa.
— Qual é, cara? Algum problema? — ouço a voz de Daniel questionando, afastando os braços, ainda com a raquete na mao.
Ah, não! Que eles não briguem, pelo amor de Deus!
O parceiro de Rodrigo comemora a vitória rapidamente com ele e meu ex deixa a raquete no chão, caminhando em direção à saída da quadra sem tirar os olhos de mim, ignorando totalmente Daniel. Não consigo desviar o olhar e não sei que expressão tenho no rosto, mas Rodrigo da um sorrisinho ao passar perto de mim e some do meu campo de visão, eu também não ia virar a cabeça para acompanhá-lo.
Quando volto o olhar para Daniel, vejo que ele está conversando com seu parceiro de jogo e parece estar reclamando de algo, pois balança a cabeça. Eles acabam despedindo-se e meu marido segue em minha direção. Da um sorriso rápido ao me ver, mas logo reclama:
— Viu só aquele babaca? Como foi a aula, gostou?
Agradeço mentalmente a mudança rápida de assunto e respondo:
— Sim, a aula experimental foi ótima, acho que vou querer ficar.
— Que bom! — ele comenta e seguimos para a área interna da academia.
Ao chegarmos lá, Daniel pede para eu esperar um pouco, pois iria ao vestiário, então aproveito para pedir um suco na lanchonete. Quando um homem muito forte sai do meu caminho, vejo que Rodrigo também está lá e conversa com um amigo. Ele me vê, noto que olha rapidamente em volta para ver se tem alguém me fazendo companhia e volta a me encarar com uma expressão indecifrável.
Ele está sério, mas parece se divertir ao mesmo tempo, pois o canto da sua boca sobe em sinal de um quase sorriso discreto. De repente, o homem que estava com ele se despede e ele volta a olhar pra mim. Dou uma rápida olhada para trás a fim de ver se Daniel estava vindo e como não o vejo, pergunto para Rodrigo:
— O que você tava fazendo naquela quadra, hein?
— Jogando. — ele responde com um sorriso zombeteiro.
— Sério! Precisava ter sido tão agressivo daquele jeito? Por que isso?
Rodrigo se levanta do banco que estava, caminha em minha direção, chegando bem perto de mim e diz com um tom de voz baixo:
— Porque eu não quero perder mais nada pra ele.
Sua proximidade me atinge como um raio, sinto seu calor, seu cheiro e dou um passo para trás. Ele desce o olhar para minha boca e me odeio por não conseguir segurar um leve arquejo. O olhar dele volta para o meu, até que desvia para um ponto atrás de mim e sai da minha frente, indo embora.
Viro de costas e vejo Daniel se aproximando, felizmente não parecendo notar que Rodrigo estava falando comigo. Seguimos em direção ao estacionamento e tento, involuntariamente, buscar Rodrigo com o olhar, mas não o vejo. Daniel inicia uma conversa casual, a qual respondo de forma monossilábica, pois ainda estou tentando processar as palavras do meu ex.
Não quero perder mais nada pra ele.
Por que ele tinha que voltar e bagunçar minha vida?
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